Mulher e Cidadania: 80 anos do voto feminino
A exposição Mulher e Cidadania: 80 anos do voto feminino ocorreu de 06 a 15 de março de 2012 no Corredor de Acesso ao Plenário no da Câmara dos Deputados. A Casa também promoveu o seminário 80 Anos da Conquista do Voto Feminino – Mulher no Poder. Os eventos fizeram parte das comemorações do Dia Internacional da Mulher (8 de março).
A mostra foi dividida em quatro módulos temáticos, que se interligavam pela cronologia, abarcando o período que vai da segunda metade do século XIX quando emergiu o movimento feminista e que, no Brasil alcançou sua maior relevância política do país, em 2010. Em cada módulo da exposição, foi dado destaque às mulheres, bem como o registro do nome daquelas que, no seu cotidiano de luta e resistência, romperam barreiras, ocupando espaços até então consagrados ao universo masculino e reivindicando uma maior participação nos destinos do país.
Mulher e Cidadania: 80 anos do voto feminino no Brasil contribuiu para mostrar que, na construção da história do Brasil, não se pode omitir a participação da mulher, e elas são agentes no processo de escrita desta história.
O texto a seguir, de José Ricardo Oriá, discorre sobre a exposição:
“No teatro da mémoria, as mulheres são sombras tênues. A narrativa histórica tradicional reserva-lhes pouco espaço, justamente na medida em que privilegia a cena pública – a política, a guerra – onde elas pouco aparecem.[1]
Todos sabemos que a História é um processo de construção coletiva, em que interagem diferentes atores sociais. No entanto, a Historiografia brasileira sempre primou pelos fatos protagonizados pelo homens. Na história oficial do país quase não há lugar para as mulheres, negros, índios, trabalhadores e outras ditas minorias sociais – os chamados “excluídos da história”, expressão cunhada pela historiadora francesa Michelle Perrot[2], ligada à tradição da Nova História, que aborda temas relacionados ao cotidiano, às mentalidades coletivas, ao imaginário e aspectos da vida privada.
Na verdade, construiu-se no Brasil uma história assexuada, onde as questões de gênero[3] só muito recentemente passaram a fazer parte do território epistemológico dos historiadores e cientistas sociais. Segundo Izilda S. de Matos, a expansão dos estudos que incorporam a mulher e a abordagem de gênero na história localiza-se no quadro das transformações por que vem passando a história nos últimos tempos, sendo possível afirmar que, por razões internas e externas, esses estudos emergiram da crise dos paradigmas tradicionais da escrita da história, que requeria uma completa revisão dos seus instrumentos de pesquisa. Esta crise de identidade da história levou à procura de “outras histórias”, o que levou a uma ampliação do saber histórico e possibilitou uma abertura para a descoberta das mulheres e do gênero.
A presente exposição pretende registrar a participação e luta das mulheres no processo histórico nacional, dando ênfase à política institucional, mais precisamente no campo dos direitos políticos. Há exatamente oitenta anos, no dia 24 de fevereiro de 1932, era promulgado pelo governo provisório, nosso primeiro Código Eleitoral. Ele trazia em seu bojo a garantia do direito à mulher brasileira.
Em virtude da cultura política predominante no País, de caráter personalista e patrimonialista, costuma-se colocar, muitas vezes, o direito de voto como uma concessão dos governantes e assim passa-se a ideia de que Getúlio Vargas deu à mulher brasileira o direito de votar. A história não é bem essa. A conquista do voto feminino foi resultado de um processo de lutas, avanços e recuos, que se inicia por volta dos anos 10 do século passado.
Em 1910, seguindo uma tendência mundial do movimento sufragista, a professora carioca Deolinda Daltro funda o Partido Republicano Feminino, defendendo o direito de voto para as mulheres e a abertura dos cargos públicos a todos os brasileiros, indistintamente.
A década de 1920 assistiu importantes movimentos de contestação à ordem vigente, em que imperava um modelo de exclusão de amplos segmentos da população, que estavam alijados do direito de cidadania. Somente no ano de 1912, tivemos importantes acontecimentos que colocavam em xeque a República Velha, a saber: Semana de Arte Moderna, Movimento Tenentista e fundação do Partido Comunista do Brasil. Nesse contexto, não podemos esquecer a emergência do movimento feminista tendo à frente a professora Maria Lacerda de Moura e a bióloga Bertha Lutz, que fundaram a Liga para a Emancipação Internacional Mulher, por um grupo de estudos cuja finalidade era a luta pela igualdade política das mulheres.
Posteriormente, Bertha Lutz[4] criou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), considerada a primeira sociedade feminista brasileira. Essa organização tinha como objetivos básicos: promover a educação da mulher e elevar o nível de instrução feminina; proteger as mãos e a infância; obter garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino; auxiliar as boas iniciativas da mulher e orientá-la na escolha de uma profissão; estimular o espírito de sociabilidade e cooperação entre as mulheres e interessa-las pelas questões sociais e de alcance público; assegurar à mulher direitos políticos e preparação para o exercício inteligente desses direitos; estreitas os laços de amizade com os demais países americano.[5].
Nossa primeira Constituição Republicana (1891), apesar de ter instituído o voto secreto e universal, continuou alijando as mulheres do direito de participação na vida política do país. O direito de voto para as mulheres só se tornou realidade após a Revolução de 1930, que derrubou as oligarquias do comando decisório do país.
Antes disso, pelo seu pioneirismo, merece registro a legislação estadual do Rio Grande do Norte que possibilitou o voto das mulheres já em 1928. Quando assumiu o cargo de Presidente do Estado, Juvenal Lamartine solicitou aos deputados estaduais que elaborassem uma nova lei eleitoral que assegurasse o direito de voto às mulheres. Foi sancionada a Lei nº 660, de 25 de outubro de 1927, que regulava o serviço eleitoral no estado e estabelecia que, no Rio Grande do Norte, não haveria mais distinção de sexo para o exercício do voto e como condição básica de elegibilidade. Nesse mesmo dia, a professora potiguar, Celina Guimarães Viana, natural de Mossoró, entrou com uma petição ao juiz eleitoral solicitando sua inscrição no rol dos eleitores daquele município.
Celina fincou o marco da vanguarda política feminina na América na América do Sul, tornando realidade o voto feminino no Brasil.[6]Após esse ato, várias mulheres rio-grandenses solicitaram seu alistamento eleitoral e por ocasião das eleições para o Senado, em 1928, 15 mulheres votaram no Rio Grande do Norte. Fato interessante ocorreu posteriormente, quando da diplomação do Senador José Augusto Bezerra de Medeiros no Congresso Nacional. No ato de sua diplomação, os votos das 15 mulheres não foram computados por serem considerados “inapuráveis” pela Comissão de Poderes do Legislativo Federal. Em pretexto a esse ato arbitrário e que revela o preconceito reinante à época acerca do acesso da mulher à participação política, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino lançou um Manifesto à Nação.
Vargas era simpatizante da causa feminista, sobretudo no tocante ao direito de voto.. Assim, em 1932, foi promulgado o novo Código Eleitoral (Decreto nº 21.076, de 24.02.1932), de cuja comissão de redação Bertha Lutz havia participado. Estava assegurada a cidadania política às mulheres brasileiras, embora sem a exigência da obrigatoriedade do alistamento eleitoral e do voto.
Essa legislação permitiu que fosse eleita a primeira parlamentar de nossa história. Assim, no dia 13 de março de 1934, uma voz feminina se fez ouvir, pela primeira vez, no plenário do Palácio Tiradentes, sede da Câmara dos Deputados e dos trabalhos da Assembleia Constituinte. Tratava-se de Carlota Pereira de Queirós, uma médica paulista e primeira Deputada Federal do Brasil, eleita pelo voto popular: Além de representante feminina, única nesta Assembleia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira, integrada nos destinos do seu paiz e identificada para sempre com os seus problemas (...)
A exposição MULHER E CIDADANIA: 80 ANOS DO VOTO FEMININO NO BRASIL (1932-2012) pretende contribuir para mostrar que, na construção da história do Brasil, não se pode omitir a participação da mulher, a fim de que possamos desfazer aquilo que outrora falou uma das principais líderes feministas: Toda a história das mulheres foi escrita pelos homens (Simone de Beauvoir).
Para tanto, a mostra está dividida em quatro módulos temáticos, que se interligam pela cronologia, abarcando o período que vai da segunda metade do século XIX quando emergiu o movimento feminista no mundo ocidental e que, no Brasil alcançou sua maior visibilidade nos anos 1920, até a eleição da primeira mulher a ocupar o cargo de maior relevância política do país, em 2012. Em cada módulo da exposição, é dado destaque às proposições legislativas e leis que objetivam assegurar direitos às mulheres, bem como o registro do nome daquelas que, no seu cotidiano de luta e resistência, romperam barreiras, ocupando espaços até então consagrados ao universo masculino e reivindicando uma maior participação nos destinos do País.”
[1] PERROT, Michelle. Práticas da Memória Feminina. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 9, nº 18, ago.89, p.09.
[2] ______. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. SP: Paz e Terra, 1998. Ver também da mesma historiadora a coleção por ela dirigida juntamente com Georges Duby “A História das Mulheres (5 vols.)”. São Paulo: EBRADIL, 1991.
[3] Estamos utilizando a expressão gênero para se referir à construção social do feminino e do masculino. Não há, pois, como fazer apenas uma história da mulher sem questionar a relação desta com o homem e de como, no decorrer da história, se construiu a noção de feminino e masculino.
[4] Bertha Lutz foi a segunda mulher a assumir um mandato de Deputada Federal em 28 de julho de 1936 na vaga deixada pelo Deputado Titular, Cândido Pessoa, que falecera.
[5] TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve Histórica do Feminismo no Brasil. SP: Brasiliense, 1993. Col. Tudo é História, p. 44.
[6] DICIONÁRIO MULHERES DO BRASIL: de 1500 até a atualidade biográfico e ilustrado. RJ: Jorge Zahar Ed. , 2000, p. 148.