10 anos do Código Civil

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A exposição “10 anos do Código Civil” ocorreu no período de 8 a 22 de agosto de 2012, no Salão Branco do Congresso Nacional. A programação comemorativa também incluiu o seminário 10 Anos do Código Civil e o lançamento do livro Código civil brasileiro no debate parlamentar: elementos históricos da tramitação da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, da Edições Câmara. O texto a seguir, de José Theodoro Marcarenhas Menck, discorre sobre a origem do Direito Civil e seu desdobramento no Código Civil brasileiro:

 

“O que entendemos por Direito Civil?

 

Pode-se dizer que todo Direito Positivo tem sua gênese no Direito Civil.

Com efeito, os fatos fundamentais da vida em sociedade são o indivíduo em si, a família e a propriedade. O indivíduo, com suas diversas classificações, é a razão de ser das sociedades humanas. A família é a instituição mater da civilização, de qualquer civilização, posto que é preponderantemente por ela que as instituições sociais se transmitem às novas gerações. Já a propriedade é a instituição por meio da qual os bens necessários à manutenção da vida são postos à disposição do homem em geral.

A arqueologia nos diz que os primeiros códigos (o Código de Hamurabi, de Ur-Nammu, de Eshnunna, de Manu, de Lipit-Ishtar, e a própria Lei das Doze Tábuas e a Torah) tinham por escopo regular, além da administração da justiça, o indivíduo, a família e a propriedade, justamente o objeto por excelência do Direito Civil.

 Esses temas – indivíduo, família e propriedade – são ainda hoje o assunto do Direito Civil. Na sistemática do atual Código Civil, o indivíduo e a família estão regulados no livro do Direito de Família; e a propriedade, nos demais livros do Código Civil (Direito das Coisas, das Sucessões, das Obrigações e da Empresa).

 No âmbito da tradição do sistema jurídico romano-germânico, na qual se insere o ordenamento jurídico brasileiro, podemos dizer que, exatamente por abordar os temas centrais da vida em sociedade, o Direito Civil, já na antiguidade, desenvolveu-se muito mais cedo que todos os demais ramos do Direito. Em função dessa primazia no tempo, na jurisprudência do Direito Civil  foram elaborados a grande maioria dos conceitos e princípios fundamentais da ordem jurídica contemporânea, muitos dos quais posteriormente emprestados aos demais ramos do Direito, inclusive ao Direito Público. Por exemplo, o conceito de ‘fundação pública’ nada mais é do que uma adaptação para o Direito Público de um instituto nascido e desenvolvido no Direito Civil – ‘fundações’. Ainda hoje assistimos à formação de diversas disciplinas jurídicas autônomas, tais como o Direito Agrário, o Direito do Trabalho, o Direito da Criança e do Adolescente, todas elas originárias da grande nebulosa que é o Direito Civil.

 O nosso Direito Civil está diretamente ligado ao Direito Romano a tal ponto que já se afirmou que aquele sistema estava presente em pelo menos quatro quintos dos artigos do nosso Código Civil de 1916 (verbete Direito Civil in FRANÇA, Limongi (Coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, v. 25, 1977). Essa afirmativa, mutatis mutandis, é plenamente aplicável ao Código Civil de 2002. A própria expressão ‘Direito Civil’ nos veio dos romanos, tendo passado por diversas transformações semânticas até atingir o sentido técnico que atualmente lhe emprestamos – parte do direito privado que regula a pessoa, a família, a propriedade e os modos de aquisição desta.

 

O que entendemos por Código Civil?

 

 Periodicamente, ao longo da história, assistimos a momentos em que se procura organizar de forma lógica e sistemática todas as regras da vida em sociedade, de maneira a tornar claro, a todos os seus membros, quais são seus direitos e deveres. Justamente para satisfazer a esses anseios foram sendo coligidas, agrupadas, harmonizadas e sistematizadas as normas então vigentes. Essas coletâneas de normas, cada uma delas fruto da evolução específica das sociedades que lhes deram origem, se tornaram, por sua vez, verdadeiros monumentos legislativos erguidos sucessivamente ao longo dos séculos e se constituíram marcos miliários da história da civilização ocidental.

 Podemos dizer, sempre dentro da tradição do sistema romano-germânico, que o primeiro desses marcos foi a Lei das Doze Tábuas – Lex Duodecim Tabularum. Até então, na Roma arcaica, a revelação do Direito era privilégio do Colégio dos Pontífices, grupo sacerdotal composto exclusivamente por patrícios. Os plebeus se revoltaram e exigiram que o Direito que os regia fosse tornado público, eis a origem das Doze Tábuas. A sistematização do Direito em Roma prosseguiu sua trajetória, assim como a própria sociedade. Ironicamente, seu monumento final coincidiu com o seu apogeu; trata-se da compilação ordenada pelo imperador Justiniano – Corpo de Direito Romano (Corpus Iuris Civilis) –, cuja principal parte – o Digesto – resgatou e legou aos séculos futuros toda a então já milenar trajetória da jurisprudência romana.

 Passado o abalo ocasionado pelo fim da ordem social construída por Roma, já na Baixa Idade Média, os textos do imperador Justiniano foram resgatados pelas incipientes universidades europeias, mormente a de Bolonha, que passou a nortear seus estudos de retórica (uma das sete matérias ministradas nas universidades medievais) pelos textos do Digesto. Dos estudos da linguagem rapidamente volta-se para o conteúdo; renascem assim, principalmente como obra de Irnério de Bolonha, os estudos de Direito Romano.

O renascimento dos estudos acadêmicos do Direito Romano foi, então, contagiando, ao longo dos séculos, o direito normativo dos diversos Estados que foram se formando em fins da Idade Média. Nessa época, e desses estudos universitários, nasce o que seria chamado Direito Comum medieval – ius commune –, que se resume basicamente à aplicação em todos os países europeus dos mesmos princípios jurídicos, todos eles advindos do Direito Romano, emprestando à obra do imperador Justiniano o status de norma vigente.

Com o natural crescimento do organismo estatal e o consequente aumento de sua ingerência na sociedade por intermédio da publicação dos mais diversos diplomas legais, chegou-se ao século XVIII com um verdadeiro cipoal legislativo em que as normas jurídicas estatais desdiziam o Direito Comum medieval, mas não o derrogavam. Naquele século, bem como no seguinte – XIX –, vamos assistir ao nascimento dos Estados Nacionais como os conhecemos hoje. Tais entes passam a clamar pela reorganização de suas ordens jurídicas internas, prova da maturidade intelectual de seus respectivos povos. Chegamos à era dos códigos nacionais.

 O primeiro Código Civil relevante na história do Direito foi o Código Napoleão, de 1804, que delimitou e cristalizou o conceito que hoje temos de Direito Civil, segregando as normas chamadas de Direito Público. Note-se que a França, até a entrada em vigor do Código Napoleão, regia-se por uma pluralidade de sistemas jurídicos. O norte regulava-se pelos costumes dos bárbaros francos, ao sul predominava um direito escrito fortemente inspirado no Direito Comum medieval e no Direito Canônico, isso sem falar nos Direitos Pessoais – cada pessoa regia-se por sua lei pessoal, oriunda de sua especial origem, fosse ela regional ou familiar.

O Código Napoleão inspirou, e inspira, o ordenamento de diversos países, europeus e não europeus, e somente encontrou concorrente em 1900, quando entrou em vigor o Código Civil Alemão – BGB, Bürgerlisches Gesetzbuch –, o maior expoente da segunda onda das codificações. Entende-se a demora de uma codificação nacional na Alemanha, e a consequente vigência do Direito Comum europeu em seu território durante todo o século XIX, se levarmos em consideração que ela somente se unificou em 1870.

 

E o Código Civil brasileiro?

 

O Brasil inseriu-se no concerto das nações do século XIX com vontade de apresentar-se como nação madura. Era natural a pretensão de organizar sua legislação civil nos moldes de então; daí a promessa, ainda em 1823, da rápida confecção de um Código Civil. Naquele ano, lei votada na Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil determinou a recepção de todo o ordenamento jurídico português ‘enquanto não se redigisse um Código Civil’ próprio, promessa reiterada na Constituição Imperial de 1824, em seu art. 179, XVIII (‘Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal, fundado nas sólidas bases da Justiça e Equidade.’).

 A vontade de um código civil próprio, no entanto, não foi suficiente para concretizar aquele anelo, tanto que apenas em 1916 conseguimos promulgar nosso primeiro Código Civil. Até então, regulavam nossa vida em sociedade as vetustas Ordenações Filipinas, de 1603, que Portugal já havia ab-rogado em 1867, quando publicou seu próprio Código Civil, de óbvia inspiração francesa.

 Ainda que tivesse sido reconhecido como um monumento legislativo de primeira ordem, o Código Civil de 1916 assentava suas bases doutrinárias em conceitos do século XIX que foram rapidamente superados no século XX (liberalismo exacerbado, patriarcalismo pronunciado nas relações de família) e, por isso, sofreu várias reformas pontuais.

Na segunda metade do século XX, o governo de Castelo Branco iniciou a busca por uma reforma profunda da sociedade brasileira, o que implicou a tentativa de ‘atualização’ da legislação civil. Em virtude desse movimento de reforma, em 1969, já na administração de Costa e Silva, foi constituída a Comissão Miguel Reale, cujo objetivo era atualizar, reformar e, eventualmente, recodificar o Direito Civil brasileiro. Eis a origem do atual Código Civil, que, após longa gestão no Parlamento, 32 anos, foi sancionado em janeiro de 2002.

 Miguel Reale, ao historiar os momentos decisivos do novo Código Civil (REALE, Miguel. História do novo Código Civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005), declarou que as diretrizes que nortearam a redação de seu texto são a eticidade, socialidade e a operabilidade. Firmadas essas diretrizes, a Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil estabeleceu como meta de trabalho conservar o máximo possível o disposto no Código de 1916, ‘objeto de preciosos estudos doutrinários e valiosa jurisprudência’.

 Conforme ressaltou o deputado Ricardo Fiuza, relator-geral do projeto de lei que deu origem ao atual Código Civil, na segunda e derradeira passagem desse projeto pela Câmara dos Deputados, praticamente todos os livros do novel Código sofreram substanciais alterações, isso não obstante a declarada vontade da Comissão Revisora e Elaboradora de manter a redação dos textos o mais próximo possível da do Código de 1916.

A primeira alteração, e uma das que saltam à vista, foi a nova regulamentação e sistematização que a Parte Geral do Código Civil deu aos Direitos de Personalidade. Outra grande novidade foi a unificação do Direito das Obrigações trazendo para o bojo do Código matérias antes atinentes ao Direito Comercial. Correlato a esse último tema e constando pela primeira vez numa codificação civil brasileira, optou-se por regulamentar o que chamou de ‘Direito de Empresa’, nomenclatura preferida pela Câmara dos Deputados à ‘Atividade Negocial’, nome originalmente escolhido pela Comissão Revisora e Elaboradora. Esses são alguns poucos macroexemplos das alterações trazidas pelo Código Civil de 2002.”

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