ONMP publica estudo que detalha sub-representação feminina em posições de poder nos parlamentos brasileiros
O Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP), órgão vinculado à Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, acaba de divulgar nota técnica sobre o tema “Mulheres em posição de poder nos Parlamentos do Brasil: Câmara Federal, Assembleias Legislativas estaduais e do Distrito Federal”, elaborada pelas pesquisadoras associadas Ermelinda Ireno, da Universidade de Coimbra, e Eneida Desiree Salgado, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ambas associadas ao eixo 2 do Observatório, que enfoca pesquisas da área de “Atuação Parlamentar e Representatividade”. As notas técnicas são produtos desenvolvidos pelo Observatório, ou a seu pedido a órgãos de assessoramento da Câmara dos Deputados, e tratam de temas relacionados à participação e representação feminina na política, violência política contra mulheres e atuação partidária e eleitoral.
A nota ressalta que estudos recentes sobre a participação das mulheres na política brasileira, além de registrarem a baixa representação deste público nos espaços de poder e decisão, buscam entender os fatores que obstaculizam a entrada e permanência deste público nas instâncias de poder e decisão.
As autoras relatam que, no Brasil, pelo menos desde meados da década de 1990, muitas ações, tanto no âmbito legislativo como no judiciário, foram sendo articuladas ao longo dos anos, com vistas a potencializar a participação das mulheres na política formal. Destacam-se as cotas em listas eleitorais iniciadas em 1995 (acompanhadas do aumento do total de candidaturas que poderiam ser apresentadas pelos partidos, o que esvaziou a potencialidade da medida); a utilização dos 5% do Fundo Partidário para a formação e promoção da participação feminina na política; e a proporcionalidade de 30% do uso do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do tempo de propaganda no rádio e TV destinado às candidaturas femininas em 2018. Tais ações tiveram mais ou menos efetividade e o Brasil pôde avançar, especialmente na última década, em termos de participação feminina na política. No entanto, a nota destaca que “o ritmo e os resultados concretos destas ações ainda continuam distantes da realidade a que se pretende chegar, ou seja, a paridade entre homens e mulheres na política formal brasileira”.
Além de encontrarem barreiras para adentrarem à política formal, elegendo-se para mandatos públicos, os dados levantados pelo estudo sinalizam que as mulheres também enfrentam dificuldades para ocupar postos de destaque durante o exercício dos seus mandatos: o levantamento traz dados sobre a baixa participação das parlamentares da Câmara dos Deputados e das Assembleias Legislativas Estaduais (e Câmara Legislativa do Distrito Federal) na composição dos cargos de direção de Comissões Permanentes, bem como na participação na Mesa Diretora das respectivas Casas. Também avalia a sub-representação feminina no Colégio de Líderes da Câmara Federal. Todas as análises tomaram como base o ano de 2022, a partir de informações retiradas dos sites oficiais das Casas Legislativas Estaduais e do Distrito Federal, bem como da Câmara Federal, no período de junho a setembro de 2022.
Alguns indicadores - Em um universo de representação atual da Câmara Federal por sexo/gênero, são 85,19% de presença masculina e 14,81% de participação feminina. A Mesa Diretora é formada por 11 cargos, para os quais apenas três deputadas foram eleitas. Quanto à presidência das Comissões Permanentes, 92% destes cargos são exercidos por deputados, enquanto somente 8% estão com deputadas. Destaca-se que esses 8% de representação feminina são formados pela presidência de duas comissões específicas: a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e a Comissão de Cultura. As demais 23 Comissões, ou seja, a ampla maioria, são atualmente presididas por deputados.
Na última eleição para as Assembleias Legislativas Estaduais e Câmara Legislativa do Distrito Federal, em 2018, foram eleitas 161 deputadas para um universo de 1.072 cadeiras disponíveis. Este número representou um crescimento de 41,2% em relação à eleição de 2014, quando foram eleitas 114 mulheres para os cargos de deputada estadual e distrital. Ainda assim, nenhum Estado, nem o Distrito Federal, chegou ao mínimo de 30% de representação equivalente às candidaturas femininas: considerando a totalidade de vagas nas 27 unidades federativas, constata-se que a realidade da representação feminina no legislativo brasileiro não ultrapassa os 16%, ou seja, 84% das vagas do legislativo estadual estão concentradas entre os homens.
O estudo avaliou, também, a consolidação nacional de participação de mulheres nas Mesas Diretoras e na presidência de Comissões Permanentes, por estado. Em cada Casa Legislativa, o número de cargos da Mesa Diretora pode variar entre seis e 14. No cômputo geral, 42,31% das Casas Legislativas Estaduais do Brasil – o que corresponde a 10 estados (SP, MG, PR, RS, SC, RN, GO, MS, AM e RO) e o Distrito Federal – não possuem nenhuma mulher compondo este órgão deliberativo em nenhuma de suas instâncias; 11,54% das Casas Legislativas, ou seja, em três estados (BA, PI e ES) há entre 11% e 15% de participação de mulheres na Mesa Diretora; e 23,08% das Assembleias Legislativas, ou seja, em seis estados (RJ, PB, SE, MT, AL e CE), possuem de 15,01% a 20% de participação feminina na Mesa Diretora; em 42%, ou seja, cinco estados (RR, PE AP, TO e MA), a participação feminina na Mesa Diretora fica entre 21% e 34%; e, por fim, o Estado do Pará se destaca com uma participação feminina de 42,86% na Mesa Diretora.
Razões para a sub-representação - O estudo leva em conta a combinação de diversos fatores que influenciam a ocupação (ou não) das mulheres em cargos de destaque nas casas legislativas para as quais foram eleitas: exigências de ocupação dos cargos segundo a regra de proporcionalidade de representação partidária no Parlamento (e como isso replica a primazia masculina nesses espaços de poder); decisões intrapartidárias, determinadas por subjetivos como prestígio e influência dos/as parlamentares escolhidos/as pelas lideranças partidárias para ocuparem os postos de destaque; além das escolhas pessoais dos/as parlamentares, influenciadas pela proximidade com suas trajetórias de atuação. “É importante salientar que tanto as decisões dos líderes de partidos quanto ‘a escolha pessoal’ das parlamentares sobre que lugar ocupar nos parlamentos são também influenciadas pela maneira como os papéis são estruturados dentro de uma sociedade patriarcal como a nossa. Não por acaso o estudo mostra, como já prevíamos, que a maioria das comissões ocupadas e presididas por mulheres são as de temas relacionados a políticas de cuidado e outros assuntos considerados ‘mais femininos’”, pondera Ermelinda Ireno, uma das autoras do estudo.
A consolidação dos dados sobre a participação das mulheres nas comissões e nas mesas diretoras das Casas Legislativas em âmbito federal e estadual, em perspectiva comparada e considerando também o fator racial nesta distribuição, é algo inédito e que serve para chamar a atenção para a necessidade de se desenvolver políticas de alcance nacional que garantam não só a eleição de mais mulheres para a política formal, mas também para ampliar seu protagonismo nos espaços de poder internos ao campo político. “Ter esse protagonismo é algo fundamental para a construção do capital político necessário para que elas se destaquem e permaneçam na arena política por mais tempo. Não adianta apenas garantir a presença de mulheres na política, é preciso que haja perenidade e qualidade nessa representação”, avalia a coordenadora-geral de pesquisa do Observatório, Ana Cláudia Oliveira.
Ações afirmativas - O estudo conclui que é necessário constituir políticas afirmativas para aumentar a representatividade das mulheres no exercício do poder quando elas estão exercendo seus mandatos parlamentares. E, para tanto, cita iniciativas em andamento, tanto em âmbito federal como estadual, com o objetivo de dar mais visibilidade e ampliar o protagonismo feminino nas Casas Legislativas.
Entre as ações citadas está a aprovação da Resolução 31/2013 da Câmara dos Deputados que, além de criar a Secretaria da Mulher (órgão com estrutura física e pessoal próprio que dá suporte às atividades da Procuradoria da Mulher e da coordenação da bancada feminina da Casa), garantiu voz e voto da representante da bancada feminina no Colégio de Líderes. Essa mesma iniciativa vem sendo replicada em todo o País, ação impulsionada pela própria Secretaria da Mulher da Câmara e que já levou à criação de 19 Procuradorias da Mulher em Assembleias Legislativas Estaduais e em mais de 400 Câmaras Municipais.