Década de 60

MUNDO

Em outubro de 1962, ocorre a Crise dos Mísseis em Cuba, considerada o auge da Guerra Fria e o momento em que mais se esteve próximo de uma terceira guerra mundial. A crise começa com a descoberta pelos Estados Unidos (EUA) de que a União Soviética (URSS) estava instalando uma base de mísseis nucleares em Cuba e se torna ainda mais tensa quando, poucos dias depois, os soviéticos derrubam um avião norte-americano que espionava a ilha socialista. Mas, prudentemente, as superpotências beligerantes logo chegam a um acordo, com a URSS se comprometendo a desmontar a base cubana e os EUA a não invadir nem apoiar uma invasão a Cuba (um precedente disso havia sido a fracassada invasão da baía dos Porcos, em abril de 1961), e também a retirar seus mísseis nucleares instalados na Turquia, país então fronteiriço à URSS.

Outra medida que se toma é o estabelecimento de uma linha direta entre a Casa Branca e o Kremlin, o lendário "telefone vermelho", com o fim de agilizar as negociações no caso de novas crises. Isso, contudo, não impede que em 1964 comece a Guerra do Vietnã, conflito cuja escalada desperta uma onda de indignação em todo o mundo.

Confrontos bélicos à parte, a pacífica disputa espacial se tornava a cada ano mais empolgante, ainda mais que a televisão já se fazia presente em milhões de lares, fazendo do mundo uma aldeia global. A URSS, que saíra na frente, é a primeira a mandar um homem (1961) e uma mulher (1963) ao espaço sideral e a ter um cosmonauta a sair da espaçonave em órbita da Terra e flutuar no vácuo (1965), sendo também pioneira em pousar uma sonda na Lua (1966) e receber imagens obtidas à sua superfície. Já os EUA são os primeiros e únicos a levar homens à órbita da Lua (1968) e depois à própria (1969).

Enquanto isso, os países coloniais europeus, com exceção de Portugal, perdem quase todas as suas colônias, surgindo no mapa mais de 30 novas nações, a maioria no continente africano, mas também no Caribe (Jamaica, Barbados), América do Sul (Guiana) e Ásia (Samoa). Na China, a Revolução Cultural (1966-1976) reacende o fervor revolucionário das massas maoístas, que passam a perseguir e punir as pessoas consideradas "burguesas reacionárias". No Oriente Médio, a Guerra dos Seis Dias (1967) aumenta a tensão entre Israel e seus vizinhos árabes. Na Tchecoslováquia, a conciliação de marxismo com liberdade individual na chamada Primavera de Praga (1968) sucumbe à invasão do país pelas tropas do Pacto de Varsóvia.

Mas o que acima de tudo faz a fama dessa época são as revoluções cultural e comportamental que aí se desenrolam, protagonizadas por uma juventude rebelde e idealista. Geração especialmente numerosa e coesa, nascida na explosão demográfica que se seguiu ao fim da Segunda Guerra Mundial, os jovens dos anos 60, sequiosos por liberdade, passam a contestar a ordem social e mundial em múltiplos aspectos, como a sexualidade, os costumes, a moral, o consumismo, as guerras. É o tempo do feminismo e de movimentos em favor dos negros e homossexuais, da liberação sexual e da propagação das drogas, do pacifismo e da contracultura (como no caso dos hippies buscando viver à margem do sistema oficial), bem como de protestos contra a Guerra do Vietnã. A onda de rebeldia culmina em 1968 com manifestações estudantis massivas em diversas partes do mundo, e continua a se desenvolver nos anos seguintes.

Entre as invenções que surgem nessa década estão a pílula anticoncepcional, o circuito integrado ou chip, o transplante de coração e a Arpanet, embrião da Internet. A informática começa a ser utilizada comercialmente, embora ainda em pequena escala, e o Tupolev Tu-144 e o Concorde, aviões de passageiros supersônicos, fazem seus primeiros vôos.

 

Personagens do mundo

  • John Kennedy (1917-1963): Presidente dos EUA (1961-1963) que lança o desafio de em uma década enviar homens à Lua e trazê-los de volta a salvo.
  • Lyndon Johnson (1908-1973): Presidente estadunidense (1963-1969) responsável pela entrada definitiva de seu país na Guerra do Vietnã.
  • Leonid Brejnev (1906-1982): Líder soviético (1964-1982) em cujo governo a União Soviética atinge o auge do seu poderio político e militar.
  • Charles de Gaulle (1890-1970): Presidente francês (1959-1969) que concede a emancipação às colônias africanas e leva a França a se tornar potência atômica.
  • António de Oliveira Salazar (1889-1970): Ditador português entre 1932 e 1968.
  • Ho Chi Minh (1890-1969): Herói da luta contra a França pela independência do Vietnã e seu presidente de 1946 a 1969.
  • Indira Gandhi (1917-1984): Primeira mulher a se tornar chefe de governo da Índia (1966-1977 e 1980-1984).
  • Che Guevara (1928-1967): Revolucionário comunista e ícone dos estudantes simpatizantes da esquerda.
  • João XXIII (1881-1963): Papa (1958-1963) responsável pelo Concílio Vaticano II, que modernizou o catolicismo.
  • Nelson Mandela (1918-): Condenação em 1964 à prisão perpétua por sua luta armada contra o apartheid sul-africano.
  • Martin Luther King (1929-1968): Nobel da Paz em 1964 por sua campanha pacífica nos EUA pelo fim da segregação racial e pelos direitos civis da população negra.
  • Yuri Gagarin (1934-1968): Primeiro homem a viajar no espaço (um vôo orbital de 48 minutos em 12 de abril de 1961) e a descobrir que a Terra é azul.
  • Neil Armstrong (1930-): Primeiro homem a pôr os pés na Lua – "Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade" – em 20 de julho de 1969.
  • Beatles (1960-1970): Banda de rock responsável pelo fenômeno musical mais popular e revolucionário da história.
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BRASIL

Política interna

Renúncia de um presidente, adoção casuística do regime parlamentarista, radicalismo político, golpe de Estado seguido de ditadura militar, fechamentos do Congresso, elevado número de diferentes governos e subversão armada são alguns dos acontecimentos que movimentam o Brasil na conturbada década de 60.

 

Governos civis

O presidente Juscelino Kubitschek, que vinha implementando em ritmo acelerado o seu programa de industrialização e desenvolvimento econômico, ao preço, porém, do endividamento externo, inflação, concentração de renda e acentuado êxodo rural, inaugura Brasília em 21 de abril de 1960. Nesse contexto, pelo Partido Democrata Cristão (PDC) e com o apoio da União Democrática Nacional (UDN), Jânio Quadros vence as eleições de 3 de outubro, derrotando o marechal Teixeira Lott, candidato governista pelo Partido Social Democrático(PSD), com grande folga de votos: 5,6 milhões (48% do total) contra 3,8 (32%). No mesmo pleito, João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e da mesma chapa de Lott, é eleito vice-presidente (pelo sistema eleitoral então vigente, votava-se separadamente para presidente e vice). No dia 31 de janeiro de 1961, Jânio é o primeiro presidente da República a tomar posse na nova capital.

No governo, Jânio adota uma política interna austera ao mesmo tempo em que inaugura uma política externa independente e aberta a relações com as nações em geral. Em 13 de março, com vistas ao equilíbrio da balança de pagamentos, faz uma reforma cambial em que desvaloriza o cruzeiro e reduz os subsídios às importações. Também investe contra os gastos excessivos com o funcionalismo público e, intervindo no plano da moral e dos costumes, proíbe as rinhas de galo e o uso de biquíni nos concursos de miss transmitidos pela televisão. Sua aproximação com os países do bloco socialista em plena Guerra Fria desperta a desconfiança de setores influentes que defendiam o alinhamento com os Estados Unidos. A desconfiança vira crise política quando, em 18 de agosto, Jânio condecora Ernesto Che Guevara, ministro cubano, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta comenda brasileira. Rompido com a UDN, atacado na imprensa e no Congresso e fustigado por Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, que o acusa de estar tramando um golpe de Estado, Jânio renuncia no dia 25, menos de sete meses após ter tomado posse. Nesse mesmo dia, como o vice-presidente João Goulart estava em visita à China, o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, assume o governo interinamente.

A renúncia abre uma grave crise política, com a UDN e os três ministros militares se manifestando, ao arrepio da Constituição, contra a posse de Goulart, considerado "esquerdista". Imediatamente, o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, encampa a Rádio Guaíba, de Porto Alegre, e forma com emissoras de outros Estados a Cadeia da Legalidade, dispondo-se a resistir à insinuação golpista. Em 28 de agosto, o comandante do III Exército, general José Machado Lopes, recusa-se a cumprir as ordens do ministro da Guerra para depor Brizola e no dia 29 ocorrem manifestações em todo o País em defesa da posse de Goulart, que retorna em 1 de setembro, desembarcando na capital gaúcha. No dia seguinte, o impasse é solucionado com a aprovação pelo Congresso de uma emenda constitucional instituindo o regime parlamentarista e conseqüentemente reduzindo os poderes presidenciais. Garantido dessa forma o seu mandato, Goulart toma posse na Presidência em 7 de setembro de 1961 e, para o cargo de primeiro-ministro, indica o deputado Tancredo Neves, do PSD.

A experiência parlamentarista, que duraria pouco mais de 14 meses, começa com Tancredo sendo confirmado no cargo por 259 votos de um total de 288. Em 26 de junho de 1962, ele renuncia e o indicado para sucedê-lo é o ex-chanceler San Tiago Dantas (PTB), nome que o Congresso veta numa articulação do PSD com a UDN. Então, Goulart aponta Auro de Moura Andrade (PSD), presidente do Senado, que tem seu nome aprovado em 3 de julho, mas que renuncia nesse mesmo dia ante a recusa de Goulart em homologar o gabinete ministerial que ele propunha. Em 10 de julho, o Congresso resolve o impasse da nomeação, aprovando por 215 votos contra 58 o nome de Brochado da Rocha (PSD), que na época era secretário do Interior e de Justiça do Rio Grande do Sul. À frente do Gabinete, Brochado da Rocha tenta em vão que o plebiscito destinado a decidir sobre a continuidade do parlamentarismo, previsto inicialmente para realizar-se em 1965, seja antecipado para 7 de outubro de 1962. A derrota parlamentar leva-o a renunciar em 14 de setembro, ironicamente um dia antes de se aprovar uma lei antecipando a consulta popular para 6 de janeiro de 1963. O terceiro e último a tornar-se primeiro-ministro é o deputado Hermes Lima (PSB), que, mesmo sem sanção prévia, assume o cargo em 18 de setembro – depois, no final de novembro, seu nome seria confirmado por 164 votos contra 137. No plebiscito, para júbilo das lideranças políticas que vinham lutando incansavelmente para derrubar o parlamentarismo, Goulart entre elas, 9,5 milhões de eleitores (82% do total) votam pelo retorno ao presidencialismo, decisão que passa a valer a partir de sua homologação pelo Congresso, no dia 23 de janeiro de 1963.

Aproveitando-se do restabelecimento dos poderes presidenciais, associações de classe de trabalhadores e estudantes, algumas fortemente influenciadas por comunistas, intensificam as pressões para a implementação das chamadas "reformas de base". Uma bandeira do próprio governo, tais reformas diziam respeito a um conjunto de propostas que, mediante mudanças nas estruturas econômicas, sociais e políticas, visava promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades sociais, além de ampliar a presença do Estado na economia. Com esse intuito, Goulart encaminha em 1963 propostas de reformas agrária e urbana que o Congresso, no entanto, rejeita, provocando forte reação por parte dos grupos de esquerda. Em setembro, são os sargentos, suboficiais e cabos das Forças Armadas que se rebelam, reivindicando o direito de exercer mandato parlamentar nas três esferas de governo, o que contrariava a Constituição de 1946. No campo, invasões promovidas pelas Ligas Camponesas exacerbam os conflitos pela posse da terra.

Ante o avanço dos movimentos populares e a ameaça de esquerdização do governo, ou o que chamavam de "perigo de comunização" do Brasil, os setores mais conservadores do empresariado e da classe política articulam uma poderosa contra-ofensiva. Organizações sob seu controle, como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), entram na luta política e passam a fazer campanhas de propaganda no rádio, televisão e jornais de ataque ao comunismo e ao reformismo, bem como de difusão dos valores norte-americanos. O trabalho de persuasão repercute nas diferentes camadas sociais e em especial na classe média. O Ibad cria ainda a Ação Democrática Popular, que arregimenta e financia candidatos a cargos políticos contrários a Goulart, e o Ipes articula a formação no Congresso de um bloco interpartidário de oposicionistas denominado Ação Democrática Parlamentar.

Com o passar dos dias, aumenta perigosamente a tensão política e social, com um lado se encaminhando para a revolução e o outro para o golpe de Estado. Então, desiludido com o Congresso, Goulart resolve promover uma série de grandes comícios a fim de mobilizar a população em favor das reformas de base. A cidade escolhida para o início da investida é o Rio de Janeiro, onde no dia 13 de março de 1964 é realizado o Comício das Reformas, a que comparecem cerca de 200 mil pessoas. Na ocasião, acompanhado de todo o ministério, deputados, autoridades e líderes sindicais, Goulart proclama a necessidade de mudar a Constituição e anuncia a adoção de medidas polêmicas, como o tabelamento dos aluguéis, a nacionalização das refinarias de petróleo pertencentes ao capital privado e, o que seria o princípio da reforma agrária, a desapropriação das terras em torno dos grandes açudes públicos e às margens das rodovias e ferrovias. Seis dias depois, as forças conservadoras dão o troco, promovendo em São Paulo a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, manifestação que reúne cerca de 500 mil pessoas e simboliza a sustentação civil ao que estava por vir: a deposição de Goulart pelos militares em 1 de abril de 1964.

 

Governos militares

No dia 2 de abril, Ranieri Mazzilli assume interinamente o governo e no dia seguinte, com o poder de fato na mão dos militares, desencadeia-se em todo o País uma onda de prisões de líderes políticos, sindicais e camponeses, enquanto Goulart se refugia no Uruguai. No dia 9, o Supremo Comando Revolucionário, formado pelo general Costa e Silva, o vice-almirante Augusto Rademaker e o tenente-brigadeiro Correia de Melo, decreta o Ato Institucional n. 1 (AI-1), permitindo a cassação de mandatos legislativos, a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão e a punição dos integrantes da administração pública, além de determinar a eleição indireta do presidente da República para um mandato até 31 de janeiro de 1966. No dia seguinte, é divulgada a primeira lista dos atingidos pelo AI 1, à qual se seguiriam várias outras nos dias e meses seguintes, num expurgo de cerca de 3.500 pessoas entre deputados federais e estaduais, oficiais das Forças Armadas, lideranças políticas, funcionários públicos, dirigentes sindicais, etc. Tudo em nome do combate à "infiltração comunista". No dia 11, numa eleição de candidato único, o Congresso Nacional elege para a presidência da República o marechal Castelo Branco, um dos principais articuladores da derrubada de Goulart e até então chefe do Estado-Maior do Exército. O vice-presidente eleito é José Maria Alkmin, deputado federal (PSD) e secretário de Finanças de Minas Gerais, Estado cujo governador, Magalhães Pinto (UDN), fora um dos líderes civis do golpe.

Castelo Branco assume o poder em 15 de abril e três meses depois obtém do Congresso a prorrogação de seu mandato até 15 de março de 1967, adiando-se por um ano, para 3 de outubro de 1966, as eleições presidenciais. O adiamento desagrada importantes lideranças civis que haviam apoiado o movimento militar, algumas das quais pretendiam disputar a presidência da República em 1965. Destaca-se nesse grupo o governador Carlos Lacerda, que a partir de então se torna crítico do governo. Em 3 de outubro de 1965, na primeira eleição após o golpe (para o cargo de governador em 11 Estados), candidatos da oposição vencem na Guanabara, Minas Gerais e outros três Estados. Considerando esse resultado uma ameaça ao governo, militares radicais passam a pressionar por um maior fechamento do regime e, com efeito, no dia 27 é editado o AI-2. O novo ato extingue todos os partidos políticos, reabre o ciclo de cassações e demissões, e estabelece eleição indireta para presidente. Em 24 de novembro, o Ato Complementar n. 4 institui o sistema bipartidário, criando-se o partido governista Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o oposicionista Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

O fato de Castelo Branco ser um militar de perfil moderado não o impede de continuar adotando medidas que acentuam o predomínio do Poder Executivo sobre o Estado e a sociedade. Exemplos disso são o AI-3, que torna indiretas as eleições para governador e acaba com as eleições para prefeitos das capitais estaduais, passando estes a ser nomeados (5/2/66); o fechamento do Congresso por um mês (19/10/66); a promulgação de uma nova Constituição, feita com o Parlamento enfraquecido e sob pressão (24/1/67); a sanção de Lei de Imprensa que limita a liberdade de expressão (9/2/67). Nesse meio tempo, o Congresso elege o ministro da Guerra, marechal Costa e Silva, e o deputado federal Pedro Aleixo (Arena-MG), que era civil, para a presidência e vice-presidência da República, em eleição da qual o MDB se nega a participar em sinal de protesto (3/10/66); e, a seu turno, a Arena vence as eleições para a Câmara e o Senado, passando a contar com 277 cadeiras no Congresso Nacional contra 132 do MDB (15/11/66). Em 15 de março de 1967, Costa e Silva toma posse e a nova Constituição entra em vigor. Nesse dia, também passa a vigorar a nova Lei de Segurança Nacional, que se tornaria um poderoso instrumento de controle e vigilância política sobre todos os setores da sociedade civil.

A monopolização do poder pelos militares, todavia, não arrefece a resistência civil ao governo, antes a aguça. Destacam-se então três movimentos de oposição, cujas atividades se intensificam a partir do final de 1967. O primeiro desses movimentos, a Frente Ampla, havia sido lançado em 28 de outubro de 1966, congregando lideranças de expressão nacional pertencentes a distintas correntes políticas e ideológicas, como Carlos Lacerda, seu principal articulador, Juscelino Kubitschek, que havia sido cassado, e João Goulart, que continuava exilado no Uruguai. Sob a bandeira da restauração da democracia, a frente promove uma série de comícios, passeatas e reuniões, até ser proibida de funcionar em 5 de abril de 1968. O segundo movimento é formado por grupos dissidentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), como o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Ação Libertadora Nacional (ALN), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Partido Comunista Revolucionário (PCR), os quais optam pela luta armada, passando a praticar ações de guerrilha urbana, como seqüestros de diplomatas estrangeiros para serem trocados por presos políticos e assaltos a bancos. O terceiro movimento provém do meio universitário e é apoiado por artistas, intelectuais e representantes políticos, além de setores da classe média e da Igreja. A União Nacional dos Estudantes (UNE), apesar de então legalmente extinta e da dura repressão promovida pelas tropas de choque policiais, organiza seguidas manifestações de protesto, a maior das quais, a Passeata dos Cem Mil, acontece no Rio de Janeiro em 25 de julho de 1968. Também nesse ano ocorrem em Contagem (MG) e Osasco (SP), respectivamente em abril e julho, as primeiras greves operárias desde a ascensão dos militares.

A truculência com que o governo reprime o movimento estudantil repercute no Congresso, onde em 2 de setembro o deputado Márcio Moreira Alves (MDB) pronuncia um veemente discurso conclamando o povo a não participar das comemorações cívicas do Sete de Setembro em "boicote ao militarismo". O pronunciamento, considerado pelos ministros militares como ofensivo às Forças Armadas, leva o governo a encaminhar pedido de licença para processar o deputado. A Câmara, porém, contando com votos da própria Arena, rejeita o pedido em 12 de dezembro, o que dá o pretexto para que no dia seguinte o presidente Costa e Silva baixe o AI-5 e decrete o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado. O mais drástico dos atos institucionais, o AI-5 suspende a garantia do habeas corpus e dá ensejo a uma maior repressão militar e policial e a mais cassações, algumas atingindo o próprio partido governista (só nos primeiros cinco meses de sua vigência, o Congresso foi privado de quatro senadores e 95 deputados dos dois partidos, com o MDB perdendo 40% de seus representantes). De sua parte, os grupos clandestinos de oposição reagem intensificando suas ações de guerrilha. Em 31 de agosto de 1969, vítima de trombose cerebral, Costa e Silva fica impossibilitado de continuar na presidência, que então passa a ser exercida interinamente por uma junta constituída pelos ministros militares, o general Aurélio de Lira Tavares, do Exército, o brigadeiro Márcio de Sousa e Melo, da Aeronáutica, e o almirante Augusto Rademaker, da Marinha. A gravidade da situação interna do País, segundo a explicação dada então pela junta militar, impedia a posse do vice-presidente Pedro Aleixo, o sucessor constitucional.

Quatro dias depois, integrantes do MR-8 e da ALN seqüestram o embaixador dos EUA no Brasil, Charles Burke Elbrick, e exigem para sua soltura a libertação de 15 prisioneiros políticos e a divulgação à Nação de um comunicado de "repúdio à ditadura militar". No dia seguinte (5/9), após decidir que cederia às exigências dos seqüestradores, a junta militar edita o AI-13 e o AI-14, o primeiro instituindo a pena de banimento do território nacional e o segundo a pena de morte ou de prisão perpétua, aplicáveis a quem representasse perigo para a segurança nacional. Aprofundando o regime de exceção, a junta decreta em 27 de setembro uma nova Lei de Segurança Nacional, que praticamente institui o estado de sítio permanente, e promulga em 17 de outubro a Emenda Constitucional n. 1, que constitucionaliza o AI-5, revogando as poucas garantias da Carta de 1967. No dia 22, após mais de 10 meses fechado, o Congresso volta a funcionar, convocado para eleger o novo presidente e vice. Três dias depois o general Emílio Garrastazu Médici e o almirante Rademaker são eleitos por 239 votos, em eleição na qual a bancada do MDB, reduzida a 76 votos, mais uma vez se abstém de votar. Médici toma posse em 30 de outubro de 1969 para um mandato até 15 de março de 1974. Politicamente, seu governo se fará conhecido como o mais duro e repressivo do período militar e, economicamente, como o mais próspero, sendo a época em que ocorre o chamado "milagre econômico".

 

Política externa

As então recentes mudanças no cenário internacional, como a formação do Movimento dos Não-Alinhados sob a bandeira da neutralidade das nações do Terceiro Mundo em relação à disputa ideológica Leste-Oeste (Guerra Fria), a independência de dezenas de países africanos e a Revolução Cubana, conjugadas, no plano interno, com o crescente prestígio da crítica nacionalista ao alinhamento automático com os EUA, levam o presidente Jânio Quadros a inaugurar a chamada Política Externa Independente, que abre o Brasil a relações com todos os países do mundo. Um dos resultados dessa nova orientação, que reafirmava os fundamentos da tradição diplomática brasileira (princípio da não-intervenção e da autodeterminação dos povos, tese da igualdade jurídica das nações, etc.), ao mesmo tempo em que buscava a ampliação do mercado internacional para os produtos de uma economia cada vez mais diversificada, é a aproximação com os países do bloco socialista e da África. Jânio inicia o reatamento diplomático e comercial com a União Soviética e a China, estabelece relações com vários países africanos, condena o episódio da baía dos Porcos e, como já referido, condecora Che Guevara, que a seu pedido havia intermediado a libertação de 20 padres espanhóis presos em Cuba.

A Política Externa Independente é mantida pelo presidente João Goulart, mas com enfoque diferente. Agora a ênfase não é tanto no neutralismo, mas na questão do desenvolvimento. Em outras palavras, a disputa Leste-Oeste cede lugar ao conflito Norte-Sul (países desenvolvidos x países em desenvolvimento) como elemento definidor da política externa. Goulart reduz a participação do capital estrangeiro em setores estratégicos da economia nacional, estabelece acordo de comércio com a União Soviética e defende a manutenção de Cuba no sistema interamericano (o país socialista acabaria sendo expulso da Organização dos Estados Americanos - OEA em janeiro de 1962). Medidas como essas desagradam os EUA e vão causando a deterioração das relações entre os dois países, o que leva Washington a apoiar o golpe de 1964.

Tomando o partido dos EUA no conflito Leste-Oeste, o presidente Castelo Branco rompe com Cuba já em 2 de maio de 1964 e, descartando a Política Externa Independente, adota uma linha de inserção internacional marcada por forte conteúdo ideológico e articulada em torno de dois eixos principais: o desenvolvimento e a segurança nacional. A reorientação leva o País a buscar no exterior o financiamento para os grandes projetos industriais e de infra-estrutura e a reformular o conceito de soberania. Segundo fica estabelecido, a soberania não se limitava às fronteiras territoriais e sim às fronteiras ideológicas. Em maio de 1965, o Brasil envia tropas à República Dominicana, somando-se à força interamericana que interrompeu o processo revolucionário então em curso naquele país.

No governo Costa e Silva, a política externa ganha novo formato inspirado em parte na Política Externa Independente, tornando-se conhecida como Diplomacia da Prosperidade. Sob a sua égide, o Brasil busca a aproximação com os países do Terceiro Mundo, fortalecendo a si e ao grupo nas questões internacionais de comércio. O vínculo com os Estados Unidos é mantido, mas não de forma irrestrita. No plano regional, são firmados acordos de integração com a Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai.

 

População

A década de 60 traz duas importantes novidades em termos demográficos: o Brasil passa a ter mais gente vivendo nas cidades que no meio rural e a taxa de crescimento populacional, que vinha se expandindo continuamente, pára de progredir e entra em declínio, embora se mantenha ainda elevada. Com efeito, enquanto na década de 50 a população brasileira aumentara 35%, nesse período o acréscimo é de 33%, com o número de habitantes subindo de 70 para 93 milhões.

Proporcionalmente, a população urbana atinge seu pico de crescimento no século 20, aumentando 66% e passando de 44% para 56% do total, enquanto a rural cresce apenas 6%, recuando de 56% para 44% do total. O que explica esses números é, como na década anterior, o êxodo rural, fruto da perpetuação do latifúndio no campo e do processo de industrialização nas metrópoles, as quais atraíam um número cada vez maior de pessoas em busca de emprego e melhores condições de vida.

Outra novidade que os anos 60 trazem é que agora não são apenas os centros urbanos do Sul e Sudeste que atraem os emigrantes, mas também os do Centro-Oeste, cumprindo-se o objetivo de Brasília de povoar e desenvolver a região central do País. A nova capital, por exemplo, inaugurada em abril de 1960 já com 141 mil habitantes, recebe mais de 30 mil emigrantes por ano, com o Distrito Federal chegando ao fim da década com sua população quase quadruplicada. Entretanto, o intenso fluxo migratório faz aumentar a miséria e a violência nas grandes metrópoles.

 

Personagens do Brasil

  • Ademar de Barros (1901-1969): Candidato a presidente da República pela segunda vez em 1960 e governador de São Paulo pela terceira vez entre 1963 e 1966.
  • Jarbas Passarinho (1920-): Influente militar e político do regime militar, ministro do Trabalho no governo Costa e Silva e da Educação no governo Médici.
  • Roberto Campos (1917-2001): Ministro do Planejamento e um dos formuladores da política econômica do governo Castelo Branco.
  • Darcy Ribeiro (1922-1997): Um dos fundadores da Universidade de Brasília (1962), ministro da Educação e da Casa Civil no governo João Goulart.
  • Carlos Castelo Branco (1920-1993): Jornalista autor da Coluna do Castello, publicada diariamente entre 1962 e 1993 e considerada a peça mais importante do jornalismo político brasileiro.
  • Francisco Julião (1915-1999): Líder das Ligas Camponesas, movimento precursor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).
  • Paulo Freire (1921-1997): Desenvolvimento em 1963 do método de alfabetização popular que tem o seu nome e que o projetou internacionalmente.
  • Euryclides de Jesus Zerbini (1912-1993): Cirurgião responsável pelo primeiro transplante de coração da América Latina, em 26 de maio de 1968.
  • Roberto Carlos (1941-): Líder, ao lado de Erasmo Carlos e Wanderléa, da Jovem Guarda, movimento musical iniciado em 1965 sob influência do rock.
  • Caetano Veloso (1942-): Lançamento em 1967 do Movimento Tropicalista, com Gilberto Gil, Os Mutantes, Tom Zé e Torquato Neto.
  • Elis Regina (1945-1982): Intérprete da canção (Arrastão) que vence o I Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior (1965) e marca o início da MPB.
  • Glauber Rocha (1939-1981): Um dos principais nomes do Cinema Novo, movimento que dá projeção internacional ao cinema brasileiro.
  • Vinícius de Morais (1913-1980): Poeta lírico e um dos principais letristas da Bossa Nova.
  • Leila Diniz (1945-1972): Atriz e personalidade símbolo da liberação sexual da mulher.
  • Garrincha (1933-1983): Um dos craques responsáveis pela conquista da Copa do Mundo de 1962.
  • Éder Jofre (1936-): Campeão mundial de boxe em 1960 na categoria peso galo.