Década de 70
MUNDO
Na América Latina, ao contrário, é o capitalismo que triunfa, mas por meio de ditaduras militares. Caso do Chile (1973-1990), onde os militares põem fim ao primeiro governo socialista do mundo eleito democraticamente. E também do Paraguai (1954-1989), Brasil (1964-1985), Bolívia (1971-1978), Equador (1972-1979), Uruguai (1973-1985), Argentina (1976-1983), além de praticamente toda a América Central. Os únicos governos de esquerda são os de Cuba (1959-), Peru (1968-1975) e Bolívia (1970-1971), também ditatoriais, bem como os do Chile (1970-1973) e da Nicarágua, onde em julho de 1979 os sandinistas conquistam o poder após quase quatro anos de guerra civil.
Em Portugal, a Revolução dos Cravos (25/4/1974) acaba com a ditadura salazarista de 43 anos e as guerras contra as colônias africanas insurrectas. Um ano depois, termina na Espanha após 38 anos a ditadura franquista, seguindo-se um período de transição para a democracia que culmina com a assinatura do Pacto de Moncloa (25/10/1977), o qual possibilita a refundação do Estado espanhol. Em decorrência da revolução em Portugal, Guiné-Bissau, Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor Leste tornam-se independentes antes do fim de 1975, começando então guerras civis em Angola e Moçambique tendo por trás a disputa entre os blocos capitalista e comunista, ao passo que Timor Leste é invadido pela Indonésia. Outros países que se emancipam são: Bangladesh (1971), Bahamas (1973), Seicheles, Saara Ocidental (1976), Santa Lúcia, Kiribati (1979).
No Oriente Médio, a quarta guerra entre árabes e Israel, conhecida como Guerra do Yom Kipur, acontece de 6 a 26 de outubro de 1973 e termina com nova vitória israelense. Dessa vez, no entanto, as nações árabes membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) resolvem retaliar e suspendem o fornecimento do produto aos EUA e às potências européias que apoiavam Israel. Em seguida, a Opep estabelece cotas de produção e triplica o preço do barril. Tem início assim a primeira crise do petróleo, que desestabiliza a economia mundial e provoca severa recessão nos países industrializados, além de elevados déficits nas balanças comerciais mundo afora. Em 1979, desta vez ocasionada pela Revolução Islâmica no Irã, uma nova crise do petróleo eleva os preços a níveis recordes e agrava a recessão econômica mundial. Devido a essas turbulências, os anos 70 são considerados do ponto de vista econômico como a pior década desde a Grande Depressão de 1929.
Mas para o Japão e muitos países do Terceiro Mundo, entre eles o Brasil, o período é de prosperidade, e, para a China comunista, de muitas reviravoltas. Rompida com a União Soviética, a nação superpopulosa se aproxima dos EUA e em conseqüência o Ocidente passa a vê-la – e não mais a Formosa (Taiwan) – como a China de fato. O reconhecimento permite-lhe entrar em 1972 para a Organização das Nações Unidas (ONU), cujo Conselho de Segurança passa também a integrar como membro permanente. Já a partir de dezembro de 1978, a China, sem se afastar do comunismo, dá uma guinada na direção da economia de mercado e se abre ao capital internacional, deslanchando um processo de crescimento vertiginoso (média anual de cerca de 10%) que em duas décadas fará dela a "fábrica do mundo".
O contínuo crescimento da economia, do consumo e da população mundiais ao preço, porém, da devastação do meio ambiente e da ameaça ao futuro da vida no planeta faz despontar nessa época uma nova ideologia política: o ecologismo. A Nova Zelândia e o Reino Unido são os primeiros países a ter um partido ecologista, respectivamente em 1972 e 1973. Contudo, o movimento só alcançaria repercussão internacional a partir de 1983, ano em que o partido alemão Os Verdes obtém quase 1 milhão de votos e com eles 28 cadeiras no Parlamento da Alemanha Ocidental de então.
É na década de 70 que aparecem os primeiros microprocessadores (1971), que se desenvolvem e dão origem aos microcomputadores ou computadores pessoais (1978). Em 1972, começa a produção de fibras ópticas passíveis de utilização em cabos hoje imprescindíveis à transmissão de dados, entre outras aplicações. Outra novidade é o primeiro bebê de proveta, uma menina, que nasce no Reino Unido em 1978.
Personagens do mundo
- Richard Nixon (1913-1994): Presidente estadunidense (1969-1974) que aproxima os EUA da China ao visitá-la em 1972.
- Henry Kissinger (1923-): Intensa atividade diplomática com a China, Vietnã e URSS como secretário de Estado na gestão Nixon; Prêmio Nobel da Paz de 1973.
- Gerald Ford (1913-2006): Presidente estadunidense (1974-1977) que conclui a saída dos EUA do Vietnã.
- Jimmy Carter (1924-): Presidente dos EUA (1977-1981) que articula a paz entre Israel e Egito (1978).
- Francisco Franco (1892-1975): Ditador da Espanha entre 1939 e 1975.
- Deng Xiaoping (1904-1997): Dirigente chinês (1978-1997) responsável pelo projeto de reforma econômica que mudaria a China de maneira radical.
- Golda Meir (1898-1978): Uma das fundadoras do Estado de Israel em 1948 e sua primeira-ministra entre 1969 e 1974.
- Yasser Arafat (1929-2004): Líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) a partir de 1969.
- Reza Pahlevi (1919-1980): Xá da Pérsia (1941-1979) pró-ocidental deposto na Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini.
- Faiçal (1903-1975): Rei saudita (1964-1975) que lidera o boicote do petróleo ao Ocidente.
- Pol Pot (1925-1998): Governante comunista cambojano (1975-1979) responsável pelo genocídio de cerca de 1,5 milhão de compatriotas.
- Idi Amin Dada (1920-2003): Ditador de Uganda (1971-1979) notório por seu temperamento megalômano e cruel.
- Salvador Allende (1908-1973): Presidente do Chile entre 1970 e 1973 e primeiro chefe de Estado marxista do mundo a ser eleito por voto popular.
- Augusto Pinochet (1915-2006): Ditador do Chile de 1973 a 1990.
- John Travolta (1954-): Ator e dançarino protagonista do filme Os embalos de sábado à noite (1977), que faz dele o galã da "década das discotecas".
BRASIL
Política interna
Durante a década de 1970, três generais se sucedem no governo do Brasil. A ditadura militar implantada em 1964 atinge o apogeu durante a primeira metade do decênio, ao fim da qual começa a se abrandar. O AI-5 vigora por quase todo o período, assim como o sistema bipartidário, com a Aliança Renovadora Nacional (Arena) dando sustentação ao governo e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) fazendo oposição. Os primeiros cinco anos são de prosperidade sob os auspícios do chamado "milagre brasileiro", mas depois a economia entra em crise com a alta dos juros internacionais e do preço do petróleo. A década se aproxima do fim com o ressurgimento dos movimentos sociais e se fecha com o início da redemocratização.
Governo Médici
No início dos anos 70, o regime militar contava com um vasto e verticalizado sistema de inteligência e repressão política que incluía, do topo para a base, órgãos como o Serviço Nacional de Informações (SNI), os centros de informações do Exército (CIEx), Marinha (Cenimar) e Aeronáutica (Cisa), as Delegacias de Ordem Política e Social (Dops), os Destacamentos de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), etc. Dispunha, ainda, do AI-5, o mais discricionário e duradouro dos atos institucionais o qual garantia a supremacia do Poder Executivo sobre os demais poderes – além de manter suspensas as garantias constitucionais, o AI-5, editado em 1968, dava poderes ao presidente da República para fechar por tempo ilimitado o Congresso Nacional, as Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais; suspender direitos políticos, cassar mandatos eletivos e demitir ou aposentar juízes e funcionários; decretar estado de sítio e prorrogá-lo por tempo indeterminado. Fazendo decidido uso de recursos como esses, o presidente Emílio Médici, que havia assumido o poder em 30 de outubro de 1969 para um mandato de quatro anos e meio, protagoniza o governo do período militar em que a repressão, o silenciamento das forças de oposição, o cerceamento das liberdades públicas e as denúncias de violação dos direitos humanos atingem o ápice.
Apoiado na tortura, o combate à luta armada iniciada pelos grupos radicais de esquerda a partir de 1967 recrudesce e, já no dia 4 de novembro de 1969, o líder da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Marighela, é emboscado e morto em São Paulo. Acuada, a guerrilha urbana fica ainda mais audaz e em 1970, ano de seu apogeu (e também de seu abrupto declínio), cinco integrantes da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) desviam para Cuba um Caravelle da Cruzeiro que voava de Montevidéu ao Rio de Janeiro (1/1); a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) seqüestra o cônsul do Japão em São Paulo, Nobuo Okuchi (11/3), e em troca exige a libertação de cinco presos políticos, que são enviados para o México cinco dias depois; um guerrilheiro armado com frascos de nitroglicerina seqüestra um Boeing 737 da Vasp e segue para Havana (25/4); o embaixador da Alemanha Ocidental, Ehrenfried von Holleben, é seqüestrado no Rio de Janeiro (11/6) e trocado por 40 presos políticos que seguem para a Argélia; idem o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher (7/12), cujo seqüestro rende a libertação de 70 prisioneiros que vão para o Chile. Paralelamente, desenrolam-se duas guerrilhas rurais: a do Vale do Ribeira, em São Paulo (1970), comandada pelo capitão Carlos Lamarca, membro da VPR, e a do Araguaia (1970-1975), promovida por militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na região do Bico do Papagaio, no então norte de Goiás. Com a prisão, morte ou exílio dos principais líderes guerrilheiros, o aparato repressivo estatal consegue desmantelar as organizações clandestinas e pôr fim à luta armada.
Igualmente intolerante a críticas e à contestação pacífica, o governo Médici baixa um decreto-lei estabelecendo a censura prévia a livros e periódicos, o qual é ratificado pelo Congresso em maio de 1970. Jornais, revistas, livros, peças de teatro, filmes e músicas são censurados e tudo aquilo que desagrada às autoridades governamentais é proibido.
Em 1970, a televisão já atingia mais de um quarto da população brasileira. Buscando construir uma imagem positiva do governo, Médici faz intenso uso da propaganda. Como o jornalista Carlos Castelo Branco assinala em janeiro de 1970, "as ditaduras querem a propaganda para substituir a informação e impor uma reação uniforme às medidas governamentais". Com efeito, um dos slogans dessa propaganda dirá: "Brasil, ame-o ou deixe-o". Já outros, como "País que vai pra frente" e "Ninguém segura este país", celebrarão com ufanismo os fatos marcantes da época: crescimento extraordinário da economia, expansão das telecomunicações, conquista do tricampeonato mundial de futebol no México, vitórias de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1, realização de grandes obras de infra-estrutura, construção de espigões nas cidades, comemorações do Sesquicentenário da Independência, etc. A propaganda oficial infunde um clima de euforia e a massa da população adere ao "Brasil Grande" apregoado pelos militares.
No plano da política institucional, as propostas dos dois partidos visando ao restabelecimento do poder do Parlamento, revogação da legislação de exceção e abertura política invariavelmente esbarram no estilo centralista do presidente, que marginaliza a classe política e governa por decretos. No pleito indireto realizado em outubro de 1970, as Assembléias Estaduais referendam os 22 novos governadores, 11 dos quais haviam sido escolhidos por Médici à revelia do próprio partido governista. Com exceção da Guanabara, único Estado onde vence, o MDB se abstém de votar em sinal de protesto. Nas eleições legislativas de 15 de novembro, em pleito marcado por grande número de abstenções e votos nulos (acima de 30% do eleitorado), a Arena conquista outra vitória expressiva, tanto nas Assembléias como no Congresso, onde faz 233 deputados e 40 senadores, contra 87 deputados e 6 senadores do MDB. O mesmo ocorre nas eleições municipais de novembro de 1972, quando a Arena elege cerca de 80% dos prefeitos e 85% dos vereadores. Na ocasião, o presidente nacional do MDB, deputado Ulysses Guimarães, desabafa declarando ser impossível "ganhar uma eleição que não é realmente uma eleição", tantos eram os embaraços ditados pela legislação eleitoral e os obstáculos interpostos pelo governo para impedir o avanço do partido oposicionista.
Em junho de 1973, com vistas à sua sucessão, Médici lança o nome do general Ernesto Geisel, então presidente da Petrobras e um "castelista" (moderado) com prestígio junto à "linha dura" militar, e para vice indica o general Adalberto Pereira dos Santos, à época presidente do Superior Tribunal Militar. Em setembro seguinte, o MDB decide concorrer e lança os nomes de Ulysses Guimarães e do jornalista e ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, que, por encarnarem candidaturas de protesto contra a forma da eleição e não terem a mínima chance de vitória, são chamados de "anticandidatos" – para evitar surpresas, o governo havia alterado a composição do Colégio Eleitoral, até então formado pela Câmara e Senado Federais, acrescentando-lhe seis representantes de cada Estado, escolhidos dentro das respectivas Assembléias Legislativas. Assim, em 15 de janeiro de 1974, em pleito indireto, o Colégio Eleitoral sufraga por maioria esmagadora os candidatos arenistas (400 votos contra 76, afora 21 votos em branco e 6 abstenções), e dois meses depois Geisel toma posse na presidência da República para um mandato de cinco anos.
Governo Geisel
Nos governos precedentes, fora maciça a presença de ministros militares em pastas civis. Aliás, a militarização da administração pública pós-1964 não se dava apenas na cúpula governamental, senão também no comando de empresas estatais e em cargos de segundo escalão. Outra peculiaridade da máquina administrativa da época era a ênfase na tecnocracia ou tecnoburocracia, caracterizada pela ocupação de cargos técnicos por técnicos, e não por políticos. Em sua gestão, Geisel mantém essas características, mas diminui a militarização do ministério ao pôr civis em pastas civis.
Porém, é na esfera política que ocorre a principal transformação. Favorável à devolução gradativa do poder aos civis, Geisel dá início ao que ele próprio denomina de "distensão lenta, gradual e segura". A nova orientação favorece a retomada do diálogo com a oposição, a Igreja e setores intelectuais, mas não se faz notar nas eleições indiretas de outubro de 1974. Nestas, as Assembléias Estaduais elegem os governadores indicados pelo governo, todos da Arena, com a abstenção ou a ausência do MDB (o futuro Estado do Rio de Janeiro, fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, teve o seu governador nomeado anteriormente, em setembro). Já nas eleições de novembro para a renovação das Assembléias, da Câmara dos Deputados e de um terço do Senado, um marco na política de distensão, a mudança é flagrante. Geisel garante liberdade de propaganda a ambos os partidos, inexistente desde a edição do AI-5, e como resultado a oposição conquista expressiva vitória. O MDB elege 335 deputados estaduais (de um total de 787), 160 deputados federais e 16 senadores contra seis da Arena, vencendo nos principais Estados, como São Paulo, Guanabara, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Em conseqüência, a bancada arenista no Senado cai de 59 para 46 cadeiras, enquanto a do MDB aumenta de 7 para 20. Na Câmara, a Arena diminui sua bancada de 223 para 199 deputados e a oposição passa de 87 representantes para 165.
A despeito da política de distensão, Geisel volta e meia recorre ao AI-5 para fazer punições e cassações, da mesma maneira que os órgãos de repressão continuam atuantes contra as organizações clandestinas e os opositores do regime. Em 1974, circulam denúncias sobre o desaparecimento de 14 dirigentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que haviam sido presos, e em janeiro do ano seguinte a polícia descobre a gráfica clandestina desse partido num subúrbio de Campo Grande, no Rio. Esse último fato leva o ministro da Justiça, Armando Falcão, a fazer um pronunciamento oficial na televisão em que afirma que "o PCB, o comunismo e a subversão não terão mais vez neste País".
Em 25 de outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog é morto sob tortura nas dependências do Doi-Codi de São Paulo e no dia seguinte o comandante do II Exército, general Ednardo Dávila Melo, divulga nota oficial segundo a qual o jornalista se suicidara por enforcamento. O caso tem grande repercussão e o ato ecumênico celebrado seis dias depois em memória de Herzog reúne cerca de 10 mil pessoas, acabando por se transformar em manifestação contra o governo. O mesmo fato se repete em 17 de janeiro de 1976 com o metalúrgico Manuel Fiel Filho e a versão oficial é de que ele se enforcou "com suas próprias meias". Então, mostrando-se disposto a acabar com os excessos cometidos pelos órgãos de repressão, Geisel enfrenta a chamada "linha dura" existente nas Forças Armadas, a qual se opunha à distensão, e prontamente exonera o general Ednardo do comando do II Exército, bem como promove mudanças em seus escalões intermediários.
Em 1 de julho de 1976, de olho nas eleições municipais que se aproximavam e ciente de que a liberdade de propaganda havia influído na vitória eleitoral do MDB em 1974, o presidente Geisel sanciona a Lei Falcão, que altera o Código Eleitoral reduzindo a propaganda política no rádio e na televisão a níveis mínimos. No pleito de 15 de novembro, a Arena obtém 53,58% dos votos válidos e triunfa na maioria dos Municípios, enquanto o MDB vence principalmente nas cidades grandes.
Em 30 de março de 1977, a proposta de reforma do Judiciário encaminhada pelo governo é votada no Congresso e não obtém os dois terços de votos necessários à sua aprovação. Geisel se irrita e fecha o Congresso dois dias depois por duas semanas. Durante esse tempo, o presidente não só decreta a reforma pretendida, como, em reforço ao controle do governo sobre o processo político, baixa um conjunto de medidas que ficou conhecido como "Pacote de Abril". Com o pacote, as emendas constitucionais passam a depender de maioria absoluta para serem aprovadas, e não mais do quórum de dois terços; as eleições para governador continuam indiretas; cria-se a figura do senador "biônico", ou seja, um terço dos senadores passa a ser eleito indiretamente pelas Assembléias Estaduais; os Estados menos desenvolvidos (a maioria dos quais controlados pela Arena) têm suas bancadas de deputados federais aumentadas; o mandato presidencial passa a ter duração de seis anos a partir do sucessor de Geisel; as limitações à propaganda eleitoral previstas na Lei Falcão são estendidas às eleições gerais; etc.
A partir de 1977, entidades civis, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e setores sociais, como o recém-reorganizado movimento estudantil, ampliam sua atuação em defesa das "liberdades democráticas". A primeira manifestação estudantil fora do câmpus, uma passeata de 5 mil pessoas, ocorre em São Paulo em 30 de março sob vigilância de forte aparato policial. Daí a menos de dois meses, uma outra contando com a participação de 10 mil estudantes por pouco não termina em batalha com os policiais. Em junho, mais de 400 estudantes são presos em Belo Horizonte quando tentavam realizar o III Encontro Nacional da categoria. Também era a cada dia mais forte a pressão exercida pelos setores progressistas do clero católico.
Em outubro, Geisel adota uma medida decisiva para a continuidade da abertura. No dia 12, mais uma vez enfrentando a "linha dura", exonera o ministro do Exército, general Sílvio Frota, que aspirava sucedê-lo na presidência da República. Ficava assim aberto o caminho para o general João Batista Figueiredo, chefe do SNI, cuja candidatura é lançada em 5 de janeiro de 1978, em chapa com o governador de Minas Gerais, Aureliano Chaves.
Em 1978, começa o movimento pela anistia política com a fundação em janeiro do Comitê Brasileiro pela Anistia. Em maio, os metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP) realizam a primeira greve desde o AI-5, a qual projeta nacionalmente o nome do presidente do sindicato da categoria, Luiz Inácio Lula da Silva; outras 23 greves são deflagradas durante o ano. Em junho, em atendimento a algumas das reivindicações dos movimentos sociais, o governo envia ao Congresso um pacote de medidas liberalizantes incluindo desde a revogação do AI-5 e do Decreto-Lei n. 477/69, que previa a expulsão de estudantes por motivos políticos, ao restabelecimento do habeas corpus para crimes políticos e a abolição das penas de morte, prisão perpétua e banimento. Já em agosto sanciona decreto-lei transferindo da Lei de Segurança Nacional para a legislação trabalhista o julgamento de movimentos grevistas.
Em 1 de setembro, as eleições indiretas para governador transcorrem conforme o previsto, ou seja, a Arena só não vence no Estado do Rio de Janeiro. O mesmo ocorre na eleição indireta para presidente da República em 15 de outubro, embora aqui pela primeira vez haja certa disputa. A chapa Figueiredo-Aureliano Chaves é eleita por 355 votos contra 226 dados à oposição, no caso a Frente Nacional pela Redemocratização, que congregava, além do MDB, setores militares descontentes e políticos arenistas dissidentes, e tinha como candidatos a presidente e a vice o general Euler Bentes Monteiro e o senador Paulo Brossard (MDB-RS). No pleito de 15 de novembro para a renovação das Assembléias Estaduais, da Câmara Federal e de um terço do Senado (o outro terço foi eleito indiretamente), a vitória é também governista: a Arena elege 493 deputados estaduais, 15 senadores e 231 deputados federais contra 353 deputados estaduais, 8 senadores e 189 deputados federais do MDB, que em compensação permanece majoritário nas Assembléias dos principais Estados.
Em 31 de dezembro de 1978 o AI-5 é finalmente abolido e em 15 de março de 1979 Figueiredo assume a presidência da República. Em 28 de agosto, dando continuidade à abertura política, agora em fase de redemocratização, o novo presidente sanciona a Lei de Anistia, que beneficia 4.650 pessoas entre presos, cassados ou destituídos dos seus empregos e permite a volta dos exilados e banidos, anistiando-se também os responsáveis pelas arbitrariedades cometidas em nome do combate à subversão. Em 21 de novembro, o Congresso aprova emenda constitucional que extingue a Arena e o MDB e restabelece o pluripartidarismo. O ano de 1979 é marcado ainda por alguns atentados terroristas contra a abertura e por mais de uma centena de greves operárias.
Economia
Entre 1968 e 1974, o Brasil cresce como nunca antes em sua história e se torna a oitava maior economia do mundo, graças ao que se chamou de "milagre brasileiro". Durante esse período, tendo como base a expansão da indústria, das exportações, do emprego e do mercado interno, além de vultosos empréstimos externos, o Produto Interno Bruto (PIB) cresce em média 10% ao ano. Ao mesmo tempo, através de medidas de controle da moeda, dos salários – que ficou conhecido como "arrocho salarial" – e dos preços dos produtos industrializados, a inflação, anteriormente descontrolada, é mantida estável em torno de 20%.
Destacam-se no governo Médici diversas iniciativas nas áreas econômica e social, tais como: o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra); o Plano de Integração Social (PIS); o Programa de Integração Nacional, que previa a construção das rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e Manaus-Porto Velho; o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), que pretendia erradicar o analfabetismo em 10 anos; o Estatuto do Índio; a institucionalização do Projeto Rondon, que promovia o atendimento das populações carentes do interior por alunos de medicina e odontologia, entre outras especialidades; o Projeto Radam, de levantamento aerofotogramétrico da Amazônia (1970); o sistema Telebrás (1972); o acordo com a Bolívia para a construção de um gasoduto entre Santa Cruz de la Sierra e Paulínia (SP) e o acordo com o Paraguai para a construção da hidrelétrica de Itaipu (1973). Também são inauguradas importantes obras iniciadas em governos anteriores, como o sistema de transmissão de televisão em cores e a refinaria de petróleo de Paulínia (1972); a usina hidrelétrica de Ilha Solteira, o asfaltamento das rodovias Belém-Brasília e Belém-São Luís e a ponte Rio-Niterói (1974).
Entretanto, havia senões na política de desenvolvimento seguida pelo governo Médici. Por um lado, aumentava a desigualdade na distribuição de renda, a ponto de o próprio presidente chegar a afirmar que "a economia vai bem, mas o povo vai mal". Isso porque prevaleceu a teoria do "crescimento do bolo", segundo a qual era necessário assegurar o aumento da riqueza nacional antes de repartir os benefícios do desenvolvimento. Por outro lado, crescia-se ao preço do endividamento externo, tanto que no final de 1973 a dívida externa já era de 12,6 bilhões de dólares (em 1964, era de 1,5 bi).
No governo Geisel, numa conjuntura internacional abalada pela repentina crise do petróleo, é adotado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). Com o intuito de diminuir a dependência em relação ao petróleo importado, do qual o Brasil era 80% dependente, e ao mesmo tempo realinhar a capacidade da infra-estrutura ao patamar de desenvolvimento então alcançado pelo País, o II PND prioriza os investimentos no setor energético e em transportes, comunicações e indústrias de base. Nesse sentido, em 1975 é lançado o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), assinado o acordo nuclear com a Alemanha e adotada a política de contratos de risco entre a Petrobras e empresas estrangeiras para a prospecção de petróleo em território nacional. Outras importantes iniciativas são a exploração do minério de ferro da Serra dos Carajás e a construção das usinas hidrelétricas de Itaipu, Tucuruí e Sobradinho.
Contudo, a queda na taxa de crescimento econômico, o impacto das crises do petróleo, o contínuo aumento da dívida externa e o crescente desequilíbrio no balanço de pagamentos e na balança comercial tornam as metas do II PND inatingíveis. Além disso, Geisel tem de enfrentar a alta da inflação, que sobe para 27,6% em 1974 e continua subindo nos anos seguintes. Em 1979, os principais problemas da economia continuavam sendo o crescimento da taxa de inflação (alimentado pelos seguidos aumentos dos preços dos combustíveis no mercado interno) e da dívida externa, a qual atinge 49,9 bilhões de dólares nesse ano.
Política externa
Denominada Diplomacia do Interesse Nacional, a política externa do governo Médici privilegia a questão do desenvolvimento, primando por relações bilaterais em que os interesses econômicos prevalecem sobre a ideologia. Em 25 de março de 1970, a decisão de ampliar o mar territorial de 12 para 200 milhas – uma maneira de manter os navios de pesca estrangeiros afastados da costa e de salvaguardar as riquezas da plataforma continental – desagrada as potências mundiais, sobretudo os Estados Unidos, que passam a contestá-la. Em fevereiro de 1971, ao contrário, é o Brasil que se desavém ao ver a sua proposta de combate ao terrorismo nas Américas ser rejeitada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) em sessão da qual a delegação brasileira se retira em protesto. Ainda em 1971, sob a bandeira do repúdio à "formação de zonas de influência", o País vota na Organização das Nações Unidas (ONU) contra a admissão da China comunista e a conseqüente expulsão de Formosa. O acordo assinado com o Paraguai em agosto de 1970 para a construção do que é hoje a hidrelétrica de Itaipu encontra forte resistência por parte da Argentina, que chega a retirar seu embaixador do Brasil em abril de 1973, o que, no entanto, não impede a ratificação do acordo e o início das obras em agosto seguinte.
No governo Geisel, ocorre sensível mudança na política externa brasileira, que se torna particularmente ousada sob a doutrina do chamado Pragmatismo Responsável e Ecumênico. Pondo-se acima das "fronteiras ideológicas" que dividiam o mundo, o Brasil amplia as relações com países da África e da Ásia e fica mais próximo do Terceiro Mundo. Em 1974, o arrojo da nova orientação se faz patente em iniciativas como: o pronto reconhecimento do governo português formado após a Revolução dos Cravos, o reatamento de relações com a China comunista, o pedido a Israel de retirada dos territórios árabes ocupados em 1967 e o reconhecimento da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Em novembro de 1975, o Brasil é o primeiro país a reconhecer o governo marxista angolano ainda em fase de implantação e um dos primeiros a estabelecer relações com Moçambique, então também governado por líderes guerrilheiros de tendência comunista. Em 1976, Geisel visita a Europa e o Japão em busca de capital e tecnologia avançada para o Brasil. O anúncio em 29 de maio de 1975 de que se vinha negociando um acordo de cooperação nuclear com a Alemanha surpreende tanto a Nação quanto a comunidade internacional e, apesar das resistências aqui e lá fora, o acordo é assinado em Bonn um mês depois.
População
De 1970 a 1980, a população brasileira cresce 28% – menos que nas décadas de 1960 (33%) e 1950 (35%) –, passando de 93 para 119 milhões de pessoas. No mesmo período, a população rural, que desde a década de 40 vinha crescendo cada vez menos que a urbana, não só pára de crescer como diminui, caindo de 41 para 38,6 milhões, um recuo de 6%. Por sua vez, a população urbana aumenta 54%, saltando de 52 para 80 milhões de pessoas e passando de 56% do total para 67%.
Observa-se assim o aprofundamento da desaceleração do crescimento demográfico e do esvaziamento do campo. O que explica o primeiro desses fenômenos (o segundo encontra-se explicado no texto referente à década de 1960) é a diminuição das taxas de fecundidade em razão de mudanças comportamentais induzidas pelo processo de urbanização. Na cidade, há uma multiplicidade de fatores que inibem a formação de famílias numerosas: as mulheres dispõem de mais informações e acesso aos métodos contraceptivos, muitas ingressam no mercado de trabalho e ficam com menos tempo para se dedicar aos filhos, as despesas com a criação e formação da criança são maiores que no meio rural, etc.
Personagens do Brasil
- Mário Andreazza (1918-1998): Ministro dos Transportes (1967-1974) que preside à integração rodoviária da Amazônia.
- Delfim Netto (1928-): Ministro da Fazenda (1967-1974) que preside ao milagre econômico.
- Mário Henrique Simonsen (1935-1997): Austeridade e racionalidade econômica à frente do Ministério da Fazenda (1974-1979).
- Golbery do Couto e Silva (1911-1987): Ministro-chefe da Casa Civil da Presidência (1974-1981) e principal articulador do processo de distensão política.
- Petrônio Portela (1925-1980): Interlocução com a sociedade na construção da abertura, em seu segundo mandato como presidente do Senado (1977-1979).
- Teotônio Vilela (1917-1983): Intensa pregação em defesa da redemocratização e da anistia geral como senador pela Arena e depois pelo MDB.
- Nélson Carneiro (1910-1996): Autor da Lei do Divórcio, aprovada em 23 de junho de 1977 após 27 anos de tramitação.
- Sebastião Camargo (1909-1994): Empreiteiro responsável por obras como a ponte Rio-Niterói e as hidrelétricas de Ilha Solteira e Itaipu.
- Sílvio Santos (1930-): Inauguração em janeiro de 1976 da TV Studios (TVS), embrião do SBT.
- Dom Hélder Câmara (1909-1999): Defensor dos direitos humanos e da justiça social durante o regime militar.
- Chico Xavier (1910-2002): Caridade com o dinheiro da vendagem de seus inúmeros livros psicografados.
- Leonardo Boff (1938-): Expoente da Teologia da Libertação.
- Fernanda Montenegro (1929-): Atuações marcantes no teatro, cinema e televisão.
- Luís Gonzaga (1912-1989): Responsável pelo prestígio dos ritmos nordestinos na época do auge da música brasileira.
- Chico Buarque de Hollanda (1944-): Crítica à ditadura com canções abordando aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais.