ONU divulga relatório sobre racismo sistêmico e pede o fim da violência
O Alto Comissariado da Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) divulgou no último dia 28 de junho relatório sobre racismo sistêmico, violações dos direitos humanos no âmbito do direito internacional contra pessoas africanas e afrodescendentes, respostas dos governos a protestos pacíficos antirracismo, bem como responsabilização e reparação para as vítimas. A análise foi solicitada em junho de 2020, pela resolução 43/1 do Conselho de Direitos Humanos, depois do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos.
O relatório detalha as desigualdades e a forte marginalização socioeconômica e política enfrentadas por pessoas afrodescendentes, que vivem de forma desproporcional em condição de pobreza e enfrentam barreiras no acesso à educação, saúde, emprego, moradia adequada e água potável, bem como à participação política e a outros direitos humanos fundamentais, em países da América do Norte e do Sul e na Europa.
Padrão em mortes cometidas por agentes de aplicação
Ao examinar as mortes cometidas por agentes de aplicação da lei em diferentes países com sistemas jurídicos diversos, o relatório identificou três contextos principais nos quais as fatalidades relacionadas com a polícia ocorreram com mais frequência: o policiamento de delitos menores, paradas no trânsito e buscas; a intervenção de agentes da aplicação da lei como primeiros socorristas em crises de saúde mental; e a condução de operações policiais no contexto da “guerra às drogas” ou relacionadas com gangues.
As informações indicam que nos casos examinados as vítimas não pareciam representar uma ameaça iminente de morte ou ferimentos graves aos encarregados da aplicação da lei ou ao público, que justificasse o nível de força usado.
Impunidade
Segundo o relatório, as investigações, processos, julgamentos e decisões judiciais, com raras exceções, deixam de considerar o papel que a discriminação racial, os estereótipos e o preconceito institucional podem ter desempenhado nas mortes. Foram examinados sete casos: Luana Barbosa dos Reis Santos e João Pedro Matos Pinto (Brasil); George Floyd e Breonna Taylor (Estados Unidos); Kevin Clarke (Reino Unido); Janner (Hanner) García Palomino (Colômbia) e Adama Traoré (França).
Os familiares declararam à equipe de direitos humanos da ONU que precisavam estabelecer a verdade sobre como seus entes queridos morreram, responsabilizar os envolvidos e evitar que outras pessoas sofram um destino semelhante. Falaram ainda que se sentiram continuamente traídos e que desconfiavam do sistema.
“Várias famílias me descreveram a agonia que enfrentaram na busca por verdade, justiça e reparação, e a angustiante presunção de que seus entes queridos de alguma forma ‘mereciam’”, disse Bachelet.
Tratamento desproporcional
O relatório apresenta preocupações com o “policiamento excessivo de corpos e comunidades negras, fazendo-os se sentirem ameaçados em vez de protegidos”, destacando a criminalização de crianças afrodescendentes como uma questão fundamental.
Também foram recebidas informações sobre o tratamento diferenciado e o uso desnecessário e desproporcional da força no contexto de protestos antirracismo, especialmente nos Estados Unidos.
O relatório afirma que a repressão aos protestos antirracismo deve ser vista dentro de um contexto mais amplo no qual os indivíduos que se levantam contra o racismo enfrentam represálias, incluindo assédio, intimidação e às vezes violência. O documento afirma que o ativismo da sociedade civil é crucial para o avanço de ideias e uma forma construtiva de mudança.
Recomendações
O ACNUDH recomendou que o Conselho de Direitos Humanos estabeleça um mecanismo específico, com prazo determinado, ou fortaleça um mecanismo existente para promover a justiça e igualdade racial no contexto da aplicação da lei em todas as partes do mundo.
O relatório também aponta que há uma necessidade de confrontar os legados da escravidão, o comércio transatlântico de pessoas africanas escravizadas e o colonialismo, e de buscar reparação. E destaca que nenhum Estado prestou contas pelo passado e que permanece uma falha generalizada em reconhecer a existência e o impacto do racismo sistêmico e suas ligações com a escravidão e o colonialismo.
A alta-comissária encorajou todos os Estados a adotarem planos de ação nacionais e regionais com recursos adequados e medidas concretas desenvolvidas por meio de diálogos nacionais, com a participação e representação significativas de pessoas afrodescendentes.
Bachelet reforçou que é preciso desmascarar falsas narrativas que permitiram a persistência de uma sucessão de políticas e sistemas racialmente discriminatórios e possibilitaram que as pessoas e os governos negassem tanto o presente quanto o que aconteceu no passado. “Os Estados devem mostrar uma vontade política mais forte para acelerar a ação por justiça, reparação e igualdade racial por meio de compromissos específicos e com prazo determinado para alcançar resultados”, disse, destacando que isso envolverá a reinvenção do policiamento e do sistema de justiça, que produzem resultados discriminatórios para pessoas afrodescendentes.
“É essencial que finalmente ajamos para garantir que ciclos e padrões problemáticos não continuem se repetindo. Não há desculpa para continuar evitando mudanças verdadeiramente transformadoras”, afirmou Bachelet. “A discriminação racial na aplicação da lei não pode, como o Conselho de Direitos Humanos reconheceu, ser separada das questões de racismo sistêmico”, concluiu a alta-comissária.
Bachelet defendeu que somente abordagens que interpelam as deficiências endêmicas na aplicação da lei e abordam o racismo sistêmico farão justiça à memória de George Floyd e de tantas pessoas cujas vidas foram perdidas ou irreparavelmente danificadas.
Com informações das Nações Unidas Brasil
Fábia Pessoa/CDHM