Observatório Parlamentar examina direito à moradia no Brasil
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, examinou nesta quarta-feira (22) o cumprimento de três recomendações feitas ao Brasil para melhorar o acesso ao direito à moradia: reforçar as políticas públicas para reduzir a falta de moradia e criar moradias acessíveis para famílias de baixa e média renda (Angola); implementar esforços para garantir habitação adequada para todos (Bangladesh) e melhorar a promoção e proteção dos direitos da criança, com o objetivo de erradicar completamente a falta de moradia entre crianças (Croácia).
Os participantes apontaram o não cumprimento pelo Brasil das recomendações, percebido no enorme déficit habitacional brasileiro, especialmente para famílias de baixa renda, e reforçaram que a pandemia aprofundou as desigualdades de acesso ao direito à moradia já existentes.
“Já havia uma pandemia de despejos e desabrigados no Brasil, antes mesmo da eclosão da Covid-19. O vírus tornou os impactos muito mais sérios e generalizados, especialmente em comunidades marginalizadas, incluindo comunidades quilombolas”, afirmou Balakrishnan Rajagopal, Relator Especial da ONU sobre moradia adequada.
O Relator da ONU parabenizou os estados que interromperam os despejos e também o Congresso Brasileiro pela aprovação do projeto que proíbe despejos e pela derrubada do veto que manteve a iniciativa. Rajagopal apontou que essas pessoas ainda estarão em condições frágeis em 2022 e defendeu que o Parlamento brasileiro deve atuar para pensar alternativas. “Em dezembro de 2021, nem a pandemia, nem as várias centenas de milhares de famílias que estão sob ameaça de despejo terão acabado”.
“Um dos principais padrões internacionais de direitos humanos é que ninguém deve ser despejado em situação de rua, com obrigação do Estado de fornecer moradias alternativas que respeitem os padrões básicos de adequação”, disse.
Para Balakrishnan Rajagopal, despejar aqueles que não têm meios para encontrar moradias alternativas aumentará a situação de desabrigados e as crises sociais e econômicas.
“Os despejos devem ser sempre evitados e somente realizados quando todas as outras alternativas possíveis tenham sido exploradas. Se não puderem ser evitados, devem ser realizados em total conformidade com as normas internacionais de direitos humanos que regem os despejos”.
Localização e oportunidades
Vanessa Gapriotti Nadalin, da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) destacou que a habitação é indissociável da sua localização. “A habitação não é adequada se estiver desconectada de oportunidades de emprego, serviços de saúde, escolas, creches e outros equipamentos sociais, ou se estiver em áreas poluídas ou perigosas”, afirmou.
A pesquisadora explicou também que existe o ônus por aluguel, e que o valor gasto com a habitação não pode ultrapassar 30% da renda da família, para não comprometer outras necessidades. Ela ainda reforçou que as melhores oportunidades estão ligadas às melhores localizações, mas que nessas regiões os valores de aluguel são mais altos.
“As políticas habitacionais que fazem um subsídio à demanda, como o Minha Casa, Minha Vida, contribuem para o aumento do preço da terra nas grandes cidades. Ao invés de aumentar a acessibilidade econômica, está piorando, então é necessário planejar outras estratégias”, disse, defendendo que as políticas devem ser pensadas para reduzir esses valores.
Despejos durante a pandemia
Raquel Ludemir, da Campanha Despejos Zero, ressaltou que aproximadamente 20.000 famílias foram despejadas durante a pandemia da Covid-19 no Brasil e que mais de 93 mil famílias se encontram em situação de ameaça de despejo atualmente.
“O que será que vai acontecer com essas 93 mil famílias que estão hoje ameaçadas de despejo? A gente está falando de um país que, mesmo antes da pandemia, tinha um déficit habitacional de quase seis milhões de domicílios, e isso sequer inclui a população em situação de rua, que não entra nesses dados, e inadequação de 25 milhões de domicílios”.
“Nós precisamos parar definitivamente os despejos no Brasil. Mesmo com esse arcabouço jurídico construído, que tem sido muito importante para diminuir a situação dos despejos, a gente tem percebido que os despejos estão ocorrendo com extrema violência. É fundamental que a gente possa estender esses prazos e que as famílias possam ter a garantia do seu direito à moradia”, reforçou Benedito Roberto Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo.
Função social
Getúlio Vargas, Coordenador da Comissão Permanente de Direito à Cidade do Conselho Nacional de Direitos Humanos, afirmou que no entendimento da instituição qualquer despejo é uma violação do direito humano, por ser uma violência.
Vargas ainda destacou que a Emenda 95 impactou negativamente a política habitacional, e que mais de 90% do déficit brasileiro está nas famílias de baixa renda.
“Os artigos 182 e 183 da Constituição determinam que a cidade e a propriedade precisam cumprir sua função social. Nesse sentido, nos preocupa que não haja retomada da construção do processo de participação popular e de elaboração junto à sociedade de uma política habitacional, de desenvolvimento urbano no Brasil”, disse.
Para o coordenador, a situação brasileira só não está ainda pior devido à ADPF 828, que proíbe despejos durante a pandemia, e à Lei 827/20, que proíbe o despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021, que teve o veto presidencial derrubado pelo Congresso.
Relatório preliminar
O relatório preliminar considerou as três recomendações relacionadas ao direito à moradia como não cumpridas. Na realizada pela Angola, para reforçar as políticas públicas que reduzam a falta de moradia e criem moradias para famílias de baixa e média renda, o documento aponta que o Programa Minha Casa, Minha Vida sofreu mudanças estruturais e considerável diminuição de orçamento, sobretudo na faixa de renda mais baixa.
Na recomendação de Bangladesh para continuar os esforços para garantir habitação adequada para todos, o relatório destaca que em 2019, 21,6% da população brasileira residia em domicílios nos quais havia ao menos uma inadequação domiciliar, o que significa que 45,2 milhões de pessoas, residentes em 14,2 milhões de domicílios, enfrentavam algum tipo de restrição ao direito à moradia adequada. E que entre 2016 e 2019, o déficit habitacional absoluto apresentou tendência de aumento. A habitação precária cresceu de 1.296.754 de domicílios em 2016 para 1.482.585 em 2019.
Ao examinar a recomendação da Croácia para melhorar a promoção e proteção dos direitos da criança, com o objetivo de erradicar completamente a falta de moradia entre crianças, o documento demonstra que mais de 6,35 milhões de famílias no Brasil não tinham casa em 2019, o que significa mais de 30 milhões de pessoas sem teto, e que a população em situação de rua cresceu 140% a partir de 2012.
Fábia Pessoa/CDHM