Observatório Parlamentar da RPU: modelo para acompanhamento da situação dos direitos humanos no mundo

Metodologia e resultados da pioneira iniciativa brasileira de monitoramento das recomendações da Revisão Periódica Universal foram compartilhados em Genebra nesta segunda. Considerado referência, o Observatório sediado na CDHM realizou 27 audiências públicas, com participação de cerca de 300 representantes da sociedade civil, governo e organismos internacionais, e entregou 26 relatórios finais temáticos
21/11/2022 13h50

Observatório Parlamentar da RPU: modelo para acompanhamento da situação dos direitos humanos no mundo

Evento “Brazilian UPR Parliamentary Observatory” em Genebra

A metodologia e os resultados da experiência brasileira do Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal foram apresentados no evento “Brazilian UPR Parliamentary Observatory” na manhã desta segunda-feira (14), em Genebra. 

Sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) desde 2020, o Observatório Parlamentar monitorou as recomendações referentes ao 3º Ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU). A RPU é o mecanismo por meio do qual os 193 países-membros da ONU contribuem entre si com avaliações e recomendações, com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos no mundo.

O evento paralelo aconteceu momentos antes da avaliação do Brasil pelo 4º ciclo da RPU na 41ª Sessão do Mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). O país recebeu mais de 300 recomendações durante o exame, sobre diversos temas de direitos humanos, incluindo revogação do marco temporal, igualdade de gênero, promoção dos direitos das pessoas LGBTQIA+, combate à violência contra mulheres e crianças, e proteção de pessoas defensoras dos direitos humanos e do meio ambiente.

Na ocasião, a iniciativa do Observatório Parlamentar foi ressaltada, pela Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, como uma contribuição do Estado brasileiro em seus compromissos internacionais, e saudada pelas delegações do Paraguai, do Timor Leste, do Butão e de Angola.

“O Observatório é um projeto pioneiro no mundo ao inserir o Parlamento como protagonista do processo de avaliação e monitoramento das recomendações. E, por ser um projeto pioneiro, precisou desenvolver metodologia própria, a partir da realização de consultas às partes interessadas e da coleta de experiências de outros países e orientações da ONU sobre o assunto”, explicou o deputado Helder Salomão, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados do Brasil, que representou o presidente da Comissão, deputado Orlando Silva, e o Observatório Parlamentar na ocasião. 

“O Observatório pode servir como referência para outros parlamentos e contribuir com a construção de soluções efetivas relacionadas às recomendações, principalmente por ter identificado tantas violações de direitos humanos, que merecem atenção de todos os Poderes do Estado brasileiro”, disse. O parlamentar também ressaltou que ainda estão sendo desenvolvidos, com financiamento do Fundo RPU, painéis de dados com indicadores estatísticos que têm como objetivo oferecer aportes para a atuação legislativa na construção de políticas públicas que estejam em sintonia com as recomendações da ONU e a garantia dos direitos humanos.

A mesa contou ainda com a participação do embaixador Tovar da Silva Nunes, Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra, de Soledad Pazo, Oficial Sênior de Direitos Humanos do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, de Eloy Terena, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, de Mãe Nilce de Iansã, Coordenadora Nacional da Renafro e Coordenadora de Projetos do Ilê Omolu Oxum e Fernanda Lapa, representante da organização da sociedade civil  Coletivo RPU. 

Avaliação das recomendações

O Observatório Parlamentar da RPU verificou que apenas quatro recomendações das mais de 240 recebidas e aceitas pelo Brasil foram cumpridas, e que houve progresso em outras 51. A iniciativa destacou ainda o descumprimento de 136 recomendações e retrocesso em outras 35. 13 recomendações foram avaliadas como híbridas, sendo uma parte positiva e outra negativa. 

Direitos humanos em risco

“O que estamos assistindo é uma erosão dos direitos indígenas”, afirmou Eloy Terena, reforçando que, apesar da Convenção 169 e da Constituição de 1988, o direito à terra vem sendo intensamente atacado no Brasil. “O que estamos observando nos últimos anos é um processo intenso de invasão a essas terras indígenas, um alto índice de invasão de garimpo, madeireiros, grileiros. No atual governo, nenhum processo de demarcação foi adiante, pelo contrário, 17 processos foram desenvolvidos”. 

“A demarcação de terras indígenas no Brasil é um compromisso firmado com seus povos originários, não pode estar submetida a discricionariedade política”, reforçou Terena. 

“O racismo religioso, que é determinante social para a nossa saúde, não só nos adoece, ele nos mata. É importante que o povo conheça as práticas do terreiro e que se junte, dê as mãos ao povo de terreiro”, reforçou  Mãe Nilce de Iansã, pedindo respeito aos terreiros no Brasil. 

“Nós queremos um Estado que compreenda a RPU como mecanismo estratégico para o reconhecimento dos desafios em direitos humanos, a fim de poder enfrentar melhor e ser capaz de avançar na pauta de direitos humanos. Queremos um Estado que dialogue com a sociedade civil, que fortaleça espaços permanentes de diálogo, e não que realize consultas pontuais para legitimar relatórios. Queremos um Estado que construa, em diálogo com a essa sociedade e atores relevantes, um sistema nacional de monitoramento para todas as recomendações internacionais”, defendeu Fernanda Lapa, apontando que esse é um dos desafios para o 4º ciclo. 

Sociedade civil 

“Queria agradecer à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, por hoje e por ter se mantido como um dos únicos espaços institucionais para o diálogo sobre direitos humanos no Brasil neste último ciclo. As portas das instituições no Brasil estavam fechadas para a sociedade civil. A gente tinha uma Funai com uma política antiindígena, uma Palmares racista, a gente teve a paralisação das políticas de reforma agrária e a gente não tinha onde falar com o Estado brasileiro sobre direitos humanos no Brasil”, afirmou Camila Gomes, da  organização Terra de Direitos.

“Nós temos nesse momento um saldo de violações gigantesco. O Brasil é um dos lugares mais perigosos para defensores de direitos humanos, para pessoas da comunidade LGBTQIA+, para os povos indígenas, nós temos 700 mil pessoas mortas por Covid, sendo que estudos mostram que 400 mil pessoas poderiam ter sido poupadas por uma gestão mais responsável da pandemia. Então não está tudo bem, nós precisamos de reparação, de justiça, precisamos reconstruir um estado que tenha respeito pelos direitos humanos, e nós vamos precisar  muito do apoio da comunidade internacional. Que ela continue com os olhos voltados para o Brasil”, complementou Camila.

“Os povos indígenas não estão bem, no sábado três do povo Yanomami foram assassinados”, denunciou emocionado Maurício Ye’kwana, do povo indígena Yanomami de Roraima, após relatar o impacto ambiental causado pelo mercúrio que já alcança a alimentação e impacta a saúde dos indígenas. 

“As terras indígenas já demarcadas precisam de proteção, de fiscalização e monitoramento, a invasão nos últimos anos tem gerado muitos conflitos. Existe uma violência muito grande do garimpo ilegal dentro dos nossos territórios”, apontou Maial Kaiapó, da terra indígena Kaiapó no Pará.  

“Ano após ano os índices de desmatamento da Amazônia só subiram, e nós chegamos em 2020 com mais de 10 mil km² de desmatamento, a meta estabelecida na política nacional é de 4 mil km². Em 2021 chegou a 13 mil km². E tudo indica que em 2022 esse número será ainda pior. O desmatamento na Amazônia é responsável por mais de 35% das emissões do Brasil e tudo isso aconteceu porque o estado deixou de aplicar a lei e a Constituição brasileira”, afirmou Rafael Giovanelli da WWF Brasil, reforçando que as mudanças climáticas impactam diretamente todos os direitos humanos. 

Observatório Parlamentar da RPU

​O Observatório Parlamentar da RPU é uma parceria entre a Câmara dos Deputados e o Sistema ONU Brasil. Sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, é o primeiro mecanismo do Poder Público a monitorar a efetividade do cumprimento das recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU). 

Lançado formalmente em Sessão Solene da Câmara dos Deputados, em 2020, além do monitoramento das recomendações recebidas pelo Brasil no 3º Ciclo da RPU, iniciado em 2017, o Observatório Parlamentar tem como objetivos aumentar o engajamento brasileiro na defesa dos Direitos Humanos, contribuir para a efetividade das recomendações aprovadas, fortalecer as políticas públicas de direitos humanos no Brasil e disseminar informações sobre os mecanismos de defesa dos direitos humanos das Nações Unidas.

No âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, em 2021 e 2022, foram realizadas 27 audiências públicas, que tiveram mais de 300 participações, sendo 127 do Estado (Executivo, Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Judiciário), 40 de organismos internacionais e 160 da sociedade civil e academia.

Foram avaliados diversos temas, como população negra e combate ao racismo; comunidades quilombolas; pessoas LGBTQIA+; violência contra a mulher; povos indígenas; prevenção e combate à tortura e sistema de justiça; trabalho, redução da pobreza e da desigualdade; direito das populações rurais; meio ambiente e mudanças climáticas, e elaborados 24 relatórios temáticos, com respectivos infográficos. 

Com o objetivo de colaborar com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), o então presidente da CDHM, deputado Carlos Veras (PT/PE), entregou em março os relatórios finais produzidos pela iniciativa à secretária nacional de Proteção Global, Mariana Neris. O MMFDH é o órgão coordenador do processo de revisão nacional da RPU.

Acesse os relatórios do Observatório.

 

Fábia Pessoa/CDHM