Observatório Parlamentar da RPU examina evolução dos Direitos das Comunidades Quilombolas

Sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o Observatório acompanha a evolução das recomendações feitas ao Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal. Os representantes da sociedade civil destacaram a diminuição da titulação das comunidades quilombolas e o enfraquecimento da participação popular
21/05/2021 18h40

Captura e montagem: Fernando Bola/CDHM

Observatório Parlamentar da RPU examina evolução dos Direitos das Comunidades Quilombolas

O deputado Bira Pindaré (PSB/MA) presidiu, nesta sexta-feira, audiência pública do Observatório Parlamentar focada na evolução das recomendações voltadas aos direitos das Comunidades Quilombolas no âmbito da RPU. O parlamentar, que preside a Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, destacou que o Maranhão, estado que representa, possui o maior número de comunidades quilombolas do Brasil, solicitou à Fundação Cultural Palmares quadro comparativo sobre as certificações e alertou para o risco que a lei 3729/2004 de licenciamento ambiental representa para os territórios.

“Esse novo licenciamento ambiental torna ainda mais vulnerável a situação dos territórios quilombolas, a ameaça é permanente. Os empreendimentos poderão ser implantados sem qualquer licenciamento prévio, isso é uma ameaça muito grande às comunidades quilombolas e também para as comunidades indígenas que não têm suas terras tituladas”.

Laércio Fidelis Dias, Diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio-Afro-Brasileiro – DPA/FCP da Fundação Cultural Palmares, disponibilizou o relatório de gestão de 2020 e citou políticas como a de certificação da Fundação, de regulação fundiária, e programas como Brasil Quilombola, Mais Luz e Bolsa Permanência, além do Plano Nacional de Enfrentamento à Covid, que, segundo ele, contribuem especialmente com os objetivos da recomendação 221, de assegurar acesso igualitário de afro-brasileiros a políticas de redução da pobreza e programas de benefícios sociais como meios de proteção de seus direitos fundamentais (Botsuana).

O Secretário Adjunto da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Esequiel Roque, declarou que as comunidades quilombolas são prioridade na atuação da Secretaria e destacou o pagamento do auxílio emergencial, a distribuição de mais de 1,7 milhão de cestas durante a pandemia, o projeto cisternas e a parceria com o Incra para titulação territorial como formas de contribuir com a evolução dos direitos das comunidades quilombolas.

Em 2020, a taxa de certificação pela Fundação Cultural Palmares atingiu 11%, a menor proporção desde 2004, início do acompanhamento da série histórica.

Leandro Mitidieri, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, falou sobre a atuação do Ministério Público para garantir a prioridade de vacinação para as comunidades quilombolas, e demonstrou preocupação com a baixa participação social e com a queda das certificações. “Nós tivemos uma notória diminuição da participação nos conselhos e isso é objeto de procedimento na Procuradoria do Distrito Federal e o número de certificações é o menor já registrado desde 2004”, disse. Segundo Leandro, estariam sendo realizados cálculos de custo-benefício por família para desapropriação de terras, prejudicando a reforma agrária e a titulação de comunidades quilombolas. “É uma preocupação muito grande, se partimos para essa ideia de custo-benefício, é colocar uma pá de cal na regularização das terras quilombolas”.

“A única terra quilombola titulada no atual governo foi a de Rio dos Macacos. E sobrou uma série de questões, a área titulada foi muito menor do que a reivindicada. E hoje aquela comunidade sofre uma permanente ameaça de segurança. Reforçamos aqui a necessidade de um monitoramento por câmeras da área”, completou o procurador, que também enfatizou que já existe recomendação do MP para não acontecer remoção durante a pandemia em Alcântara.

Gabriel Saad, Secretário-Geral de Articulação Institucional da Defensoria Pública da União (DPU), demonstrou preocupação com a redução de recursos voltados para a distribuição de alimentos para as comunidades quilombolas e reforçou que é obrigação do Estado garantir a segurança alimentar e nutricional como direito fundamental. “O direito à segurança alimentar e nutricional compõe o mínimo existencial, tendo em vista que sem alimentos não existimos, o alimento é a base da vida e do desenvolvimento social. A origem das comunidades quilombolas é essencialmente vinculada à resistência a um poder de opressão, escravização e extermínio da população negra no Brasil”, afirmou.

Para Célia Cristina, do Centro de Cultura Negra do Maranhão, as ações precisam ir além da distribuição de cestas, que devem ser estruturadas a longo prazo, reconhecer os territórios, incentivar a produção de alimentos de qualidade e fortalecer a questão das sementes crioulas, e assim garantir efetivamente a soberania e a segurança alimentar.

Célia também destacou que o Maranhão é o estado com maior número de comunidades quilombolas, com o maior número de processos no Incra e de certificação na Palmares. Segundo ela, o processo que analisaria a situação de Alcântara estaria parado na Casa Civil, e a entrega de títulos individuais na região prejudica as comunidades quilombolas. “Esses títulos individuais foram entregues para pessoas que foram expulsas desse território étnico para as agrovilas. Não são títulos de território, e sim de um pedacinho de terreno. E isso pra gente não significa titulação de território quilombola. É até preocupante. Chegar dentro de um território étnico e dar títulos individuais pode acirrar ainda mais o conflito”.

Para Célia, o Programa Titula Brasil aumenta conflitos dentro dos territórios, pois, ao priorizar títulos individuais, possibilita a venda e provoca embates na comunidade, inclusive com venda para estrangeiros. Ela também destacou que o Incra estaria alegando falta de recursos para dar continuidade aos processos.

 

COVID-19

 “A pandemia veio para mostrar aquilo que nós temos denunciado há muito tempo: a situação de vulnerabilidade das comunidades quilombolas, uma condição sub-humana. O negacionismo sobre a nossa situação, a situação do país, uma situação de vulnerabilidade muito grande. Tanto é que nós chegamos a 442 mil mortes, muitas delas quilombolas. Nossas bibliotecas estão sendo perdidas, perderam suas vidas  e nós não podemos nem chorar os nossos mortos por causa da Covid”, declarou Denildo Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ).

Para Denildo, as políticas públicas universais, como o Auxílio Emergencial, ou outras que utilizam o Cadastro Único como base, não deveriam ser utilizadas pelo governo para fazer referência à evolução dos direitos quilombolas, é necessário políticas públicas específicas a essas comunidades. Segundo ele, a CONAQ acionou o Ministério Público por causa da dificuldade encontrada por muitos para acessar o benefício pelo celular.

 

Preocupação com projetos de lei

Para Maira de Souza Moreira, da Terra de Direitos, existe hoje no Brasil descumprimento das normas relacionadas aos Direitos Humanos, e a população estaria sendo subdimensionada pelas políticas. Considerando os dados do IBGE, apenas 5,4% das comunidades estariam tituladas, representando um déficit expressivo. Maíra também destacou preocupação com reformas legislativas, que poderiam prejudicar os direitos dos quilombolas. “Nós vemos na verdade uma contramarcha legislativa contra os quilombolas”, disse.

Maíra manifestou preocupação com o PDL 177/2021, que pretende autorizar o governo a denunciar a Convenção 169 da OIT, com o PL 2633, que trata da regulação fundiária e desrespeitaria os territórios quilombolas, o PL 3729, que dispensa licenciamento ambiental para inúmeras atividades, o PL 3292/2020, que não prioriza a compra de alimentos de alimentos produzidos por comunidades quilombolas e assentamentos de reforma agrária. Segundo ela, as legislações representam grave retrocesso e risco para as comunidades quilombolas.

“A Convenção 169 determina a consulta prévia, livre e informada diante de qualquer medida relacionada aos povos originários, aos povos tribais, aos povos tradicionais, como é o caso das comunidades quilombolas. A convenção está incorporada ao nosso ordenamento jurídico e tem força constitucional”, reforçou o Deputado Bira do Pindaré.

Além dos representantes da sociedade civil, a audiência contou com a participação dos deputados Helder Salomão (PT/ES), Camilo Capiberibe (PSB/AP),  Vivi Reis ((PSOL/PA) e Erika Kokay (PT/DF).

 

Recomendações examinadas:

36. Realizar uma reforma legislativa específica para fortalecer as medidas contra a discriminação baseada no gênero e na etnia (Uganda);

37. Tomar medidas para eliminar casos de discriminação contra determinados grupos da sociedade (Iraque);

38. Apoiar iniciativas e estratégias para combater a discriminação e promover a inclusão de pessoas vulneráveis (Madagascar);

42. Re-duplicar os esforços de capacitação para todas as forças de segurança com o objetivo de evitar práticas de viés racial ou dirigidas de acordo com a raça, entre outros, contra minorias vulneráveis, como contra pessoas LGBTI (Colômbia)

46. Reforçar as medidas de prevenção e punição do racismo, da discriminação e da violência contra os povos indígenas e pessoas de ascendência africana, e da violência contra mulheres e meninas (Ruanda);

47. Reforçar as políticas relacionadas à luta contra a discriminação das crianças indígenas e afro-brasileiras e de outras pessoas em situações vulneráveis, a partir de uma perspectiva integral e intersetorial (Chile);

49. Continuar a implementar medidas destinadas a erradicar a discriminação das mulheres afro-brasileiras com base no seu gênero e etnia (Namíbia);

221. Assegurar o acesso igualitário de afro-brasileiros a políticas de redução da pobreza e programas de benefícios sociais como meios de proteção de seus direitos fundamentais (Botsuana).

243. Dar continuidade aos esforços voltados à nutrição de diálogos socialmente inclusivos com todos os grupos étnicos da sociedade brasileira (Santa Sé).

 

Fábia Pessoa/CDHM