Observatório Parlamentar da RPU debate segurança pública

Participantes defenderam a necessidade da capacitação efetiva dos agentes das forças de segurança pública e o combate à impunidade e lamentaram o descumprimento da ADPF 635
08/11/2021 15h35

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias realizou nesta quarta-feira (3), no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, audiência pública com o objetivo  de verificar o estágio de cumprimento pelo Brasil das recomendações voltadas ao aprimoramento da segurança pública.

A Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo no qual os 193 países membros da ONU se avaliam mutuamente e fazem recomendações com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos

A audiência pública, presidida pelo deputado Helder Salomão (PT/ES), foi a 22ª realizada no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, uma parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, que verifica o cumprimento das mais de 240 recomendações aceitas pelo país no último ciclo da Revisão, iniciado em 2017. 

Violência policial atinge principalmente população afrodescendente 

Morris Tidball-Binz, Relator Especial da ONU para execuções sumárias extrajudiciais ou arbitrárias, destacou que o Brasil enfrenta um cenário preocupante com o aumento das mortes violentas. “Mesmo com a pandemia, a letalidade da polícia brasileira aumentou e mais uma vez ela afeta desproporcionalmente a população afrodescendente, jovem e masculina”, disse.

Morris destacou também que seus antecessores já reforçaram a necessidade de capacitar as forças de segurança e garantir investigações imparciais, inclusive com a independência de institutos médicos legais.

O relator apontou que a ADPF 635 [que suspende a realização de operações policiais no RJ] teria reduzido o número de ações violentas, mas ressaltou a enorme violência vivenciada pela comunidade do Jacarezinho em maio de 2020, lembrada como a operação policial mais letal dos últimos anos, com 28 mortes. Ele lembrou que as mortes ocorreram em condições suspeitas, com alteração das cenas das mortes e com indicativos de possíveis execuções sumárias e de ameaças a testemunhas. 

O relator reforçou ainda a necessidade da adoção do Protocolo de Minnesota, que reúne diretrizes internacionais para que as investigações de assassinatos cometidos por policiais sejam livres de qualquer influência indevida que possa surgir das cadeias institucionais de comando e de interferências de grupos sociais poderosos. “Toda falha da obrigação dos estados em investigar toda morte arbitrária equivale de fato a uma violação do direito à vida”, argumentou. 

"Todos os responsáveis por mortes arbitrárias, incluindo aqueles que as ordenaram, devem ser levados à justiça, e as vítimas devem ter assegurada a sua garantia à reparação integral, incluindo garantia de não repetição, isto é, a prevenção efetiva de todas as mortes arbitrárias”, destacou, lembrando os casos de George Floyd, nos Estados Unidos, e Luana Barbosa e João Pedro Matos, no Brasil, pessoas afrodescendentes vítimas da violência do Estado. Morris ainda manifestou desejo de visitar o Brasil em breve. 

Ministério da Justiça e Segurança Pública 

Ana Cristina Melo Santiago, Secretária de Gestão e Ensino em Segurança Pública (SEGEN) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que o órgão vem movendo esforços para capacitar os agentes neste momento de pandemia por meio de EAD. Destacou que atualmente são oferecidos cerca de 21 cursos, totalizando 450 mil servidores de segurança pública inscritos em capacitações. 

Márcio Brito Rosa, da Coordenação-Geral de Políticas de Prevenção à Violência e à Criminalidade da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, complementou afirmando que, além dos cursos, a instituição vem expedindo manuais, protocolos, diretrizes e orientações nacionais com o objetivo de capacitar os agentes e garantir que preceitos fundamentais não sejam descumpridos. “Existe uma preocupação grande nesse sentido de qualificar o atendimento policial e auxiliar no atendimento de forma humana, mas obviamente ainda temos muito para evoluir. No relatório que foi passado aos participantes a gente pode observar ações em que podemos melhorar, algumas que ainda não foram nem iniciadas, mas estamos andando no sentido correto”. 

Capacitação em direitos humanos 

Geórgia Belisário Mota, Coordenadora de relatórios internacionais de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, destacou que o órgão vem atuando em educação, em treinamento em direitos humanos, prevenção e combate à tortura e promoção da igualdade racial. 

Controle externo 

Eduardo Santos de Oliveira Benones, Procurador da República, Coordenador do Controle Externo da Atividade Policial no Rio de Janeiro e representante da 7ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, apontou o crescimento da violência policial nos últimos anos e comentou que as investigações encontram dificuldades que devem ser discutidas, como padronizar o controle externo em todo o país e enfrentar a resistência encontrada nas próprias polícias contra qualquer tipo de investigação.

“É preciso aperfeiçoar o controle externo. É necessário pedagogicamente que a gente desconstrua essa lógica do ethos do guerreiro, até mesmo em nome da saúde mental do policial”, argumentou o procurador, citando que o embrutecimento ainda está presente na formação dos agentes, especialmente na Polícia Militar.  

Distantes do objetivo 

“Nós estamos muito longe de um efetivo controle e responsabilização de agentes de segurança que abusam do uso da força ou promovem assassinatos e extermínios”, afirmou Rita Cristina de Oliveira, Coordenadora do Grupo de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, lembrando de casos como o da comunidade do Jacarezinho e da favela Nova Brasília. 

“Em relação aos estados, nós observamos uma leniência, e muitas vezes um alinhamento das agências tde controle com uma cultura de violência em territórios periféricos consolidada na concepção das políticas públicas de segurança. Nós devemos reforçar a necessidade de que o governo nacional assuma a responsabilidade de impor limites mínimos e claros para reduzir essa violência”, complementou, lamentando ainda a não promulgação pelo Brasil da Convenção Interamericana contra o Racismo e defendendo a aprovação do PL 4471, em sua proposição inicial. 

Para Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira, Defensora do Rio de Janeiro e Coordenadora da Comissão de Política Criminal da Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (ANADEP), o Brasil precisa de práticas antirracistas nas instituições e combater efetivamente o racismo em todos os espaços. 

“O Brasil precisa investir mais em políticas relacionadas aos direitos humanos e entender que a segurança pública não é antagônica aos direitos humanos, não temos um conflito entre segurança pública e direitos humanos. A segurança pública é um dever do Estado, uma responsabilidade, e, nessa condição, é preciso que fomente a proteção aos direitos humanos”, reforçou a representante da ANADEP.. 

Monique de Carvalho Cruz, da Rede Justiça Criminal, destacou que o controle existente não vem resultando em queda da violência e das mortes. “As polícias no Brasil não têm nenhum tipo de controle”, afirmou. 

“A ADPF 635 vem sendo sistematicamente desrespeitada, sistematicamente descumprida. Os movimentos sociais, especialmente de familiares, vêm demonstrando como a ADPF e o STF vêm sendo desrespeitados e como o controle externo da polícia não está existindo”, disse, acrescentando que as operações seguem acontecendo em comunidades periféricas do Rio de Janeiro. 

Relatório preliminar 

Relatório preliminar sobre o cumprimento das 16 recomendações voltadas ao aprimoramento da segurança pública no Brasil verificou que, até o momento, 11 não foram cumpridas (32, 33, 34, 58, 59, 61, 62, 63, 69, 70 e 71) e cinco estariam em retrocesso (42, 64, 65, 68 e 98). 

O documento aponta, por exemplo, que, em relação à recomendação 98, da Indonésia, para abolir a prática do perfilamento racial (racial profiling) e a prisão arbitrária praticadas pela polícia e pelas forças de segurança, o Governo Federal não possui hoje políticas nesse sentido, indicando cursos em plataforma de ensino a distância que, além de formar um número relativamente pequeno de profissionais, teve o número de participantes reduzido no período disponibilizado para o curso “Atuação Policial Frente a Grupos Vulneráveis”.

Na avaliação da recomendação 32, do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, para introduzir o treinamento obrigatório de direitos humanos para as instituições policiais e reduzir as mortes por ação policial em 10%, o documento destaca que a capacitação parece ocorrer do ponto de vista formal, mas que não parece que o tratamento atual do tema seja suficiente para converter conhecimento teórico em práticas e atitudes, visto que as mortes decorrentes de ação policial aumentaram no período analisado.

Na avaliação da recomendação da Alemanha (71) de acabar com as execuções extrajudiciais e a impunidade a elas associadas, inclusive através da aprovação do PL n° 4471/2012, abolindo a classificação “resistência à prisão seguida de morte” e garantindo que todos os óbitos após intervenções policiais sejam investigados, o documento analisa que não foram encontradas políticas de combate às execuções extrajudiciais. Destaca que os sistemas de controle da atividade policial, de um modo geral, são precários e que não existem dados nacionais consolidados sobre a atuação do Ministério Público nesse âmbito. Além disso, não houve avanços na tramitação do projeto referido e nem nas recomendações mais amplas associadas.

Fábia Pessoa/CDHM