Observatório Parlamentar da RPU debate meio ambiente e mudanças climáticas

Participantes apontaram retrocessos no cumprimento das metas de desmatamento e indicaram que o Brasil estaria 176% acima do previsto para 2020. Defenderam que é possível zerar o desmatamento, hoje o maior responsável pela alta emissão de carbono, por meio de políticas eficientes e fiscalização séria
29/10/2021 10h30

Reila Maria/Câmara dos Deputados

Observatório Parlamentar da RPU debate meio ambiente e mudanças climáticas

O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), realizou nesta quarta-feira (27) audiência pública com o objetivo de verificar o cumprimento pelo Brasil de duas recomendações relacionadas ao meio ambiente e às mudanças climáticas: esforços de implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima no que diz respeito à redução do desmatamento na região amazônica (Etiópia) e assegurar que atividades econômicas considerem o respeito ao meio ambiente e à biodiversidade (Vaticano). 

A Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo no qual os 193 países membros da ONU se avaliam mutuamente e fazem recomendações com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos.

A audiência foi a 21ª realizada pelo Observatório Parlamentar da RPU, uma parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos da Nações Unidas que tem como objetivo avaliar o cumprimento das mais de 240 recomendações aceitas pelo Brasil no último ciclo da Revisão, iniciado em 2017. 

Retrocessos 

Renata Camargo, especialista em Política Climática do WWF Brasil, apontou a desconstrução das metas de redução de desmatamento dentro da política nacional levadas para o acordo de Paris. “O Brasil está hoje entre os quatro maiores emissores históricos de carbono do mundo, entre os seis emissores anuais, e a grande causa das emissões é o desmatamento descontrolado”, disse.

“A gente chegou agora num estado de total retrocesso, em que a gente tem novamente um cenário de desmatamento descontrolado e descontrole das emissões”, complementou a especialista, destacando que a revisão feita pelo Brasil permite mais emissão e coloca o Brasil entre os maiores emissores do G20. “A gente chegou em 2020 e a meta não só não foi cumprida como a gente chegou com uma proporção de desmatamento 176% maior acima do previsto”, disse.

Renata também citou preocupação com o PL 1539/2021, que criaria falsas soluções por não apresentar base de cálculo confiável e poderia levar ao aumento de emissão de gases de efeito estufa. A especialista argumentou que é possível reduzir essa emissão com políticas efetivas e vontade política e que isso ainda melhoraria a renda dos brasileiros e reduziria o desemprego. “Quando a gente fala de mudanças climáticas, a gente está falando de vidas. A crise climática é uma crise de direitos humanos”. 

Redução possível 

Ritaumaria Pereira, Diretora-Executiva do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), destacou que entre 2004 e 2012 o Brasil mostrou que é possível reduzir o desmatamento por meio de políticas em diferentes áreas, como a moratória da soja, fiscalização eficiente, acordos com frigoríficos. “A gente percebeu que essas ações trouxeram resultados positivos na luta contra o desmatamento, e que é possível reduzir e chegar ao desmatamento zero”. 

“Há a possibilidade de aumentar a produtividade sem a necessidade de desmatar nenhuma árvore sequer”, defendeu, citando que a pecuária é hoje a principal atividade responsável pelo desmatamento. 

“A gente vê que após 12 anos de acordos, apenas 50% dos frigoríficos assinaram os acordos com o MPF. A gente está falando de uma cadeia produtiva que não é rastreável”, citou, afirmando que a falta de fiscalização específica contribui para atividades ilegais como a grilagem e invasão de terras de áreas protegidas e que a expectativa de futuras anistias desencadeadas por propostas legislativas aumenta as ações ilegais.  

Observatório do Meio Ambiente 

Lívia Cristina Marques Peres, Juíza Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, relembrou que em fins de 2020, foi construído o Observatório do Meio-Ambiente e a partir de então o CNJ trabalha com mais afinco na gestão dessa política judiciária ambiental, e mencionou a aprovação de resolução da política judiciária ambiental, ainda não publicada, de vanguarda, um normativo dedicado à capacitação dos magistrados e servidores na temática ambiental, com pontos de grande relevo, como a consulta prévia livre e informada da Convenção 169 da OIT.

“O que está ao alcance do Conselho Nacional de Justiça, enquanto comandante da gestão estratégica do Poder Judiciário, para essa temática, para que se dê uma resposta mais rápida e efetiva para as demandas que são judicializadas, está sendo feito”, disse.

Limites necessários 

Gustavo Luedemann, técnico de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Economia Aplicada (IPEA), enfatizou a necessidade de se cumprir a lei quanto às relações entre economia e bens ambientais. “Nós precisamos entender que essa economia que paga alguma coisa por um bem ambiental existe por conta de reconhecer a escassez. A gente precisa entender e enfrentar que algumas políticas são restritivas, sim. O ambiente impõe restrições. Invadir áreas indígenas para retirar madeira é um exemplo de como existe uma dificuldade cultural de se entender o que é um limite”, comentou.

Para ele, é preciso enfrentar limites também no caso das emissões. Segundo Luedemann, as proposições legislativas em tramitação parecem não levar em conta que, quando se fala em mercado de carbono, não é somente receber, é preciso criar a demanda. “De onde vem a demanda? Da restrição. E é da restrição que vem a necessidade de alguém pagar por um serviço ambiental”, finalizou.

Relatório Preliminar 

Relatório Preliminar apontou retrocesso no cumprimento das duas recomendações analisadas. Sobre a Recomendação 55, da Etiópia, para dar continuidade aos esforços de implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima no que diz respeito à redução do desmatamento na região amazônica, o documento aponta que a descontinuidade do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) e mudanças infralegais levaram à inexistência de ações claras para enfrentamento do desmatamento na Amazônia legal.

Destaca ainda o enfraquecimento do próprio objetivo de redução do desmatamento para as próximas décadas. Esse enfraquecimento pode ser constatado inequivocamente ao se comparar a primeira e a segunda versões da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira submetidas à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

Ao analisar o cumprimento da recomendação do Vaticano (226) para assegurar que atividades econômicas levem em consideração os direitos dos povos indígenas e o respeito ao meio-ambiente e à biodiversidade, o relatório reforça recrudescimento da atividade ilegal dentro das terras indígenas, o que originou a necessidade de intervenção do STF para garantir o direito básico à segurança. O documento ainda cita como problemáticas as iniciativas de mudança da legislação indigenista com potencial para levar agricultura, pecuária e mineração em larga escala para as terras demarcadas.

    

Fábia Pessoa/ CDHM