Observatório Parlamentar da RPU debate direitos dos migrantes

Participantes apontaram que Lei de Migração deve ser efetivamente cumprida, reforçaram a importância da ratificação da Convenção sobre os direitos dos trabalhadores migrantes e suas famílias e lamentaram diferenças de tratamento dadas de acordo com a procedência do migrante durante a pandemia
17/11/2021 16h15

Paulo Sergio/Câmara dos Deputados

Observatório Parlamentar da RPU debate direitos dos migrantes

Irmã Rosita, do Instituto Migrações e Direitos Humanos

O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na Comissão de Direitos Humanos, realizou nesta quarta-feira (10) audiência pública com o objetivo de verificar o estágio de cumprimento pelo Brasil das recomendações voltadas ao aprimoramento dos direitos dos migrantes.

A audiência foi a 23ª realizada pela iniciativa e se concentrou em 10 recomendações da RPU, como as voltadas à ratificação da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias (ICRMW), ao combate ao tráfico de pessoas e à expansão dos serviços de acolhimento aos refugiados.

“Nós aprovamos junto ao Senado a Comissão Mista de Migrantes e Refugiados, que está vigente e atuante. Nós iniciamos uma série de caminhadas, discussões e debates, semana passada foi na Universidade Federal de Pernambuco, sobre a questão dos venezuelanos, principalmente os indígenas, com relação ao mercado de trabalho e o que o governo federal, estadual e municipal haviam feito em termos de suporte para essas pessoas que estavam chegando de outros países”, apontou o deputado Túlio Gadêlha (PDT/PE), sobre atuação de Comissão Mista voltada ao tema.

Socorro Tabosa, da Organização Internacional para Migrações (OIM) das Nações Unidas, afirmou que o Brasil tem uma das legislações mais avançadas relativas ao refúgio e que a Lei de Migração brasileira é considerada uma referência internacional.

Tabosa explicou que a OIM trabalha com os governos, outras organizações internacionais e a sociedade civil para fazer frente aos desafios da migração e destacou que o informe da organização de 2020 apontou que, em 2019, 3,5% da população mundial eram compostos por migrantes internacionais, totalizando 272 milhões de pessoas. E que em 2018 essa população movimentou 689 bilhões de dólares aos seus países de origem, mostrando a importância dos migrantes para o fomento da economia global.

“A ratificação da Convenção [sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e de suas Famílias] é um passo muito importante para a promoção universal dos direitos das pessoas migrantes e um ato coerente com o histórico legislativo brasileiro”, afirmou, lembrando que segundo dados de 2019, o Brasil tinha população de cerca de 1,1 milhão de migrantes.

Capacitação para atendimento de refugiados

Juliana Sampaio, Coordenadora-Geral da População em Situação de Risco do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, afirmou que a atuação do MMFDH tem como base o princípio da não discriminação, a Constituição Federal e a Lei de Imigração de 2017.

A coordenadora ainda destacou que o Ministério lançou, em parceria com a OIM, um curso online aberto para capacitar servidores brasileiros para atender migrantes em igualdade com os brasileiros que aqui residem, para que possam acessar serviços públicos, e curso focado em jovens imigrantes inseridos no mercado de trabalho, além de dois projetos-piloto de interiorização de mulheres venezuelanas e em processo de implementação de ouvidoria itinerante em Roraima.

“A convenção só reafirma aquilo que o Estado brasileiro já está atuando a partir da sua Constituição e dos normativos nacionais”, reforçou.

Bernardo Laferté, Coordenador-geral do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE/MJSP), destacou que na última década o Brasil voltou para a rota das migrações internacionais e parabenizou o Congresso Nacional pela aprovação da Lei de Migração de 2017, alinhando o país à defesa dos direitos humanos. “Somos uma referência para o mundo quando o assunto é migração e legislação migratória”, disse, lembrando que o rechaço à xenofobia e à proteção ao migrante são aspectos presentes na legislação.

Necessidade de cumprimento efetivo da legislação

Marianna Borges, Assessora na Área de Proteção do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), reforçou a necessidade de implementação efetiva da Lei de Migração e apontou a discriminação seletiva que ocorre durante o período de pandemia, com a edição de mais de 30 portarias que criaram diferenciação entre fronteiras aéreas e terrestres, além da demora na análise dos pedidos de reunião familiar. “É urgente que o Estado brasileiro garanta a implementação dos direitos que já estão previstos na nossa legislação migratória. Seria inócua a existência de uma lei tão avançada em matéria de direitos como a nossa se esses direitos não são garantidos na prática”, disse.

“Para impedir retrocessos é preciso garantir a regularização migratória do cidadão de todas as nacionalidades, bem como a reunião familiar e a acolhida humanitária e assim fazer cumprir o compromisso internacional de proteção dos direitos humanos da população migrante refugiada no Brasil”, reforçou Mariana Borges.

Irmã Rosita, do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), deu destaque a dois pontos: atenção à regularização migratória de pessoas que chegaram antes da Lei de Migração de 2017 e que o Brasil comece a pensar a começar a construção de uma política migratória. “É muito triste ver que nós estamos fazendo um grande esforço para documentar tanto as pessoas que estão chegando agora e não conseguimos documentar pessoas que se encontram no país há anos”

“Os imigrantes podem ser documentados com base no trabalho de carteira assinada, mas não podem ser documentados com base no trabalho de microempreendedor individual”, complementou Rosita, falando da necessidade de atualização de aspectos da regularização.

Ratificação da Convenção

André de Carvalho Ramos, Procurador-Regional da República, representante da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, defendeu a ratificação da Convenção sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e de suas Famílias, citando que ela é a única entre nove tratados sobre direitos humanos ainda não ratificada pelo Brasil.

“Essa convenção possui total compatibilidade com nossa Constituição. O Brasil é amigo dos direitos humanos, em todos os poros da nossa Constituição está a presença dos direitos humanos”, afirmou, e pediu o empenho do Congresso na ratificação.

Matheus Alves do Nascimento, Defensor Público Federal, do Grupo de Trabalho Migrações, Apatridia e Refúgio da Defensoria Pública da União (DPU), também defendeu a ratificação do tratado internacional e defendeu um atuação ativa do Brasil e do sul global na construção de uma nova convenção sobre direitos humanos, que aborde a questão da mobilidade, para que não predomine apenas a visão dos países do norte.

“É importante lembrarmos do princípio da chamada não criminalização da migração. O que nós verificamos é que em muitos Estados, entre eles o Brasil, muitas vezes, em vez de haver sanção de ordem administrativa, existe a própria criminalização do imigrante e dos movimentos sociais e daqueles que lutam em favor dos direitos dos imigrantes”, reforçou o defensor.

Vulnerabilidades vivenciadas

Yury Puello Orozco, da Campanha Regularização Já, apontou que a condição de imigrante ou refugiado já é um fator de vulnerabilidade devido às barreiras que terão que enfrentar no país e que a campanha surgiu por entender que a pandemia afeta ainda mais esses grupos mais vulnerabilizados. “Não encontramos uma política humanitária de acolhida plena, ao contrário, a escolha foi manter as pessoas indocumentadas, ocasionando graves transtornos para a vida concreta dessa população”, afirmou, sobre as dificuldades encontradas para assinar contratos de moradia formal ou de trabalho e o acesso a benefícios sociais.

“Feliz é o país que tem a oportunidade de viver a experiência em seu território de pessoas de diferentes culturas, línguas, sabedorias e conhecimentos, porque são fatores de crescimento”, refletiu Orozco.

Relatório preliminar

Relatório preliminar sobre o estágio de cumprimento das recomendações apontou que seis recomendações (9, 10, 11, 12, 13, 17), relacionadas diretamente à ratificação da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias (ICRMW), foram consideradas não cumpridas, pois o Brasil ainda não ratificou o tratado.

A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias foi submetida à apreciação do Congresso Nacional, mas seu processo de ratificação ainda não foi iniciado.

A recomendação 14, realizada pelas Filipinas, apesar de parte também estar relacionada à ratificação da ICRMW, tratava da ratificação da Convenção 189 da OIT realizada pelo Brasil e foi considerada em progresso.

Sobre as recomendações do Estados Unidos (128), do Azerbaijão (129) e do Líbano (130), relacionadas ao combate efetivo ao tráfico de pessoas, com assistência às vítimas e treinamento para representantes de governo, o relatório apontou progresso, pois o Brasil mantém programa de cooperação com a UNODC e adotou, em 2018, seu III Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

As recomendações do Timor-Leste (244), da Grécia (245) e Canadá (246), relacionadas à implementação efetiva da Lei de Migração e sobre a expansão de serviços para refugiados e o direito a um padrão de vida digno através do estabelecimento de um Plano Nacional de Integração, também foram consideradas em progresso. O documento aponta que a lei está sendo implementada e que a construção de abrigos para migrantes em situação vulnerável e sua posterior realocação no território nacional também está sendo feita, embora ainda seja necessário seu incremento.

RPU

A Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo no qual os 193 países membros da ONU se avaliam mutuamente e fazem recomendações com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos.

O Observatório Parlamentar da RPU é uma parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos das Nações Unidas, e verifica o cumprimento das mais de 240 recomendações aceitas pelo país no último ciclo da Revisão, iniciado em 2017.

Fábia Pessoa/CDHM