Observatório Parlamentar da RPU debate direitos das populações rurais no Brasil
O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, examinou nesta quarta-feira (6) o cumprimento pelo Brasil das recomendações feitas ao Brasil para garantir os direitos humanos das populações rurais.
A Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo no qual os 193 países membros da ONU se avaliam mutuamente e fazem recomendações com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos.
A audiência pública foi a 18ª realizada no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, uma parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos da Nações Unidas, e se concentrou no cumprimento de 12 recomendações, das mais de 240 aceitas pelo país no último ciclo da Revisão, iniciado em 2017.
“Sou agricultor familiar do sertão pernambucano e sei como a população do campo tem sofrido, não só durante essa pandemia, mas desde 2016, quando se estabelece uma série de retrocessos nas políticas: na assistência técnica; na questão do crédito; na política de um milhão de cisternas, que não está sendo executada; no PAA; no PNAE, em todas as áreas. Nós, que representamos a agricultura familiar, o semiárido brasileiro, temos um desafio enorme para que os trabalhadores e trabalhadoras não sofram tanto, principalmente em períodos de pandemia”, afirmou o presidente da CDHM, deputado Carlos Veras (PT/PE).
Os Ministérios da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), convidados para participar da audiência pública, não enviaram representantes.
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)
Rafael Zavala, representante da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO - Food and Agriculture Organization of the United Nations) do Brasil, apontou que os efeitos da pandemia atingem ainda mais as pessoas mais vulneráveis, como as populações rurais, especialmente as mulheres.
Zavala lembrou a experiência do Brasil com a Campanha "Mulheres rurais, mulheres com direitos” e defendeu o fortalecimento do trabalho intersetorial. “O Brasil precisa ampliar seu conjunto de políticas, transformando os setores agrícolas para que sejam mais eficientes, sustentáveis e inclusivos, com políticas ampliadas de proteção social, melhorando o uso de recursos naturais e promovendo empregos rurais não agrícolas e a agricultura familiar”.
Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola
“Entendemos que é necessário fortalecer o arcabouço de políticas públicas de desenvolvimento rural e de proteção social que garantem ao agricultor a inclusão produtiva, principalmente aos mercados internacionais, e a resiliência durante períodos de crise econômica. É de fundamental importância evitar o retrocesso do desenvolvimento que foi alcançado nas últimas décadas no Brasil”, afirmou Claus Reiner, Diretor do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) no Brasil, sobre o enfrentamento da pobreza e desigualdade no campo.
Reiner destacou ainda que a organização tem observado o aumento de relatos de casos de violência contra a mulher rural, especialmente durante a pandemia. “É importante que todos os Poderes da República estejam atentos a esta situação preocupante e direcionem ações e recursos para combatê-la”, disse, reforçando a necessidade de fortalecimento de mecanismos de denúncia e empoderamento da mulher dentro da economia rural.
Sociedade civil
“O Brasil está longe, muito longe de alcançar a igualdade, a paz e a justiça que desejamos. Aliás, muitas das recomendações poderiam ser avaliadas como em retrocesso, além de não cumpridas”, afirmou Mazé Morais, da Marcha das Margaridas.
“A fome e a violência são estruturais e mais evidentes no meio rural. E para combatê-las é preciso haver mudanças estruturais fundamentais, como a questão da democratização da terra, o reconhecimento dos territórios indígenas, quilombolas e das populações tradicionais. Além disso, qualquer caminho para o enfrentamento à fome e à pobreza, deverá passar pelo fortalecimento da agricultura familiar”, reforçou.
Alexandre Henrique Pires, da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), destacou a diminuição de recursos voltados para programas e políticas públicas para as populações do campo, especialmente o programa de cisternas.
“O programa de cisternas é um dos programas que atendem de forma direta as milhares de mulheres agricultoras, que são quem normalmente recebe a tarefa de abastecimento de água das casas na zona rural, sobretudo no semiárido, onde a gente não tem fontes de água destinada para o consumo humano, para cozinhar e para a atividade produtiva”.
“O programa de cisternas não só assegura o direito à água para o consumo humano, para a saúde da população rural, como também contribui para a melhoria da qualidade de vida de milhares de mulheres agricultoras”, acrescentou o representante da ASA..
Ayala Ferreira, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), reforçou a concordância com as avaliações realizadas pelo relatório preliminar sobre o cumprimento das recomendações e lamentou a ausência de participação do Executivo na audiência.
“A gente tem percebido que o governo tem assumido um papel de violador e inviabilizador das possibilidades de implementação dessas recomendações e dos direitos das populações do campo”.
Ayala ainda destacou aspectos adotados pelo Estado que iriam abertamente contra os direitos das populações do campo: ausência de medidas emergências para as populações rurais, o veto a Lei Assis de Carvalho, os despejos realizados mesmo no contexto de pandemia, a paralisação da reforma agrária e o aumento de conflitos nos territórios causados pelo aumento da mineração e pelo avanço da pulverização de agrotóxicos nos territórios.
“Lamentavelmente, além do capital, dos empreendimentos privados, nós temos o Estado brasileiro como violador dos direitos das populações do campo”, completou.
Relatório preliminar
Relatório preliminar que se debruçou sobre as 12 recomendações diretamente relacionadas aos direitos das populações rurais avaliou todas as recomendações como não cumpridas até o momento.
A análise de recomendações voltadas a enfrentar a violência contra a mulher nas zonas rurais (109, 183 e 186) apontou a alta concentração de serviços e redes de atendimento nos municípios das capitais, orçamento para 2021 aproximadamente 20% menor do que o proposto para 2020 e redução de recursos públicos destinados especificamente ao enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes.
Sobre a recomendação 127, para estabelecer uma estratégia nacional para lidar com a escravidão moderna, o relatório destacou que entre 2017 e 2019, 2.076 trabalhadores foram resgatados de situações análogas à escravidão. O documento destaca ainda que o Brasil ainda não ratificou o protocolo de 2014 da OIT à Convenção sobre o Trabalho Forçado e que foram realizados cortes orçamentários e humanos na fiscalização.
Em recomendações que tratam de promoção da igualdade de gênero e da diminuição da pobreza (140 e 176), o relatório apontou o desmonte de iniciativas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Cisternas e o descumprimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o que afeta diretamente parcela significativa da população rural e os diferentes segmentos de mulheres rurais.
O documento ainda cita o aumento da extrema pobreza no meio rural e o veto do presidente da República à inclusão dos agricultores e agricultoras familiares para o recebimento do auxílio emergencial pago pelo governo como medida de combate à pandemia de Covid-19.
Ao abordar recomendações que tratam da educação em zonas rurais e da proteção de direitos de minorias nessas áreas (167,172, 207 e 210), o documento aponta que a escolaridade média no campo não está avançando o suficiente e que a meta do PNE não será cumprida no prazo, além de indicar a redução do número de matrículas em escolas do campo em 2019.
O relatório destaca também que a Emenda Constitucional 95/2016 resultou em uma perda de bilhões de reais de investimentos em educação em 2019, e que a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) 2014 – 2024 com relação à educação inclusiva também não foi cumprida. Além disso, o relatório aponta que o Decreto que institui a Política Nacional de Educação Especial foi altamente criticado por segregar os estudantes e contrariar a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Fábia Pessoa/ CDHM