Observatório Parlamentar da RPU debate direito à saúde no Brasil

Participantes salientaram que a pandemia atingiu de maneira mais intensa os mais vulneráveis, e apontaram como desafios o racismo estrutural, o estigma relacionado ao HIV/AIDS e a desigualdade como um fator que interfere na eficácia e no alcance de políticas públicas
06/12/2021 17h52

A Comissão de Direitos Humanos realizou nesta quarta-feira (01/12), no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, audiência pública com o objetivo de verificar o estágio de cumprimento pelo Brasil das recomendações voltadas à garantia do direito à saúde. 

A audiência foi a 25ª realizada pelo Observatório e se concentrou em 14 recomendações da Revisão Periódica Universal (RPU), iniciativa na qual os 193 países da ONU se avaliam mutuamente e fazem recomendações com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos.

"Nós precisamos fazer o debate da saúde com relação aos determinantes sociais. O acesso à saúde é diferente, quem sofre mais são as mulheres, são negros e negras, são LGBTS, as pessoas com deficiência, os povos tradicionais”, afirmou a deputada Vivi Reis (PSOL/PA), 3ª vice-presidente da CDHM, que presidiu a audiência.  

Reis reforçou que apesar do argumento de que a pandemia é democrática e atinge a todos, a COVID-19 atingiu de forma mais dura as mulheres, o povo negro, pessoas que foram expulsas dos seus territórios, a população LGBTQIA+. “Quantas pessoas não se sentiram inseguras dentro de suas próprias casas por causa da violência LGBTfóbica?”, questionou a parlamentar. 

Dia Mundial de luta contra a AIDS

Ariadne Ribeiro Ferreira, do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), em alusão às ações do Dia Mundial de luta contra a AIDS, reforçou que é preciso manter uma mobilização constante e não apenas no mês de dezembro. 

“Pessoas ainda morrem em decorrência da AIDS, ainda têm suas vidas afetadas diante da desigualdade. E isso também diz respeito às pandemias, a gente já via isso na pandemia do HIV, mas ficou evidente agora com a pandemia da COVID-19. Então, o acesso à saúde, o acesso igualitário e equitativo aos dispositivos de saúde no Brasil são direitos que devem ser garantidos principalmente para as pessoas mais vulneráveis”, reforçou Ariadne, apontando que o estigma e a discriminação afetam o acesso dessas populações aos serviços. 

Racismo estrutural 

Luana Silva, Oficial de Programa para Gênero, Raça e Etnia do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil (UNFPA), abordou a diferença de tratamento dado a pessoas negras no país. “O Brasil tem um sistema público de saúde muito robusto, mas a equidade é um dos principais desafios. Não basta oferecer, tem que garantir que esse tratamento seja igualitário. O Brasil tem 75% das mortes maternas relacionadas à COVID-19, mais de 1500 mulheres gestantes faleceram, esse dado é muito preocupante”, disse, falando que o UNFPA vem procurando respostas para tamanha mortalidade. 

“Uma mulher negra gestante é menos tocada durante o pré-natal, tem menos tempo de orientação quanto à amamentação. Esse tratamento diferenciado sobre os corpos que merecem o cuidado é um tema que a gente precisa trabalhar”, afirmou. 

“O racismo é considerado pela OMS um determinante social, talvez a maior luta que se tenha hoje em dia nessa sociedade para o caminho da equidade seja o racismo. Eu não tenho dúvida que a luta antirracista tem que ser a prioridade da população negra e da população branca. Não teremos respostas se não nos envolvermos na luta antirracista”, reforçou Heliana Hemetério, da Articulação de Organizações de Mulheres Negras do Brasil.

Desafios 

Para Neyde Glória Garrido, Coordenadora-Geral de Planejamento e Programação das Ações da Saúde do Ministério da Saúde, muitos dos problemas vivenciados pelo SUS acontecem pelo sistema ainda não ser utilizado por todos os brasileiros, mas sim pelos mais pobres.

Neyde defendeu que é necessário sair do discurso de garantir o acesso aos mais vulneráveis, que o olhar não pode ser distante, e sim que é preciso sentir na pele. Para a coordenadora, essa questão cultural faz com que muitos recursos acabem sendo transferidos para o setor privado, além da disputa e divisão dos profissionais da área. 

“Esse passo de levar assistência à saúde para toda a população o SUS cumpriu, e é motivo de orgulho para todos nós brasileiros termos construído um sistema público desse tamanho. Mas desde a própria construção, que foi na Constituição de 1988, a gente nunca conseguiu, porque é um problema cultural nosso enquanto brasileiro garantir todas as condições para que o sistema fosse eficaz, equitativo e universal como se projetou. A gente tem falta de recursos, problemas de gestão, pouca eficácia de algumas políticas, fazendo com que a própria população não seja a grande defensora do SUS. Esse sistema só será igualitário, só conseguirá chegar de fato e de direito a todas as pessoas, se ele for nosso também, se a gente usar o sistema público”, defendeu.

Indicadores 

Edilson Vitorelli Diniz Lima, Procurador da República, Coordenador do Grupo de Trabalho Saúde da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República, afirmou que o SUS é uma importante conquista para a população brasileira, e que isso é percebido em vários indicadores. “Nos últimos 20 anos o número de mulheres que têm sete ou mais consultas de pré-natal saltou de pouco mais de 40% para quase 80% em um espaço reduzido de tempo. Também temos avanços de contracepção, na redução da mortalidade infantil", citou.

“O relatório também mostra o copo meio vazio, ainda temos índices muito alarmantes de mortalidade infantil entre a população indígena, uma restrição significativa de acesso ao aborto legal, o que sugere acesso ao ilegal, que é de grande impacto para a saúde da mulher, e nos mostra que as desigualdades sociais e regionais continuam impactando as políticas de saúde”, disse, reforçando a necessidade de investir mais recursos na atenção básica. 

Trabalhadores da saúde 

“Os profissionais da saúde fizeram a diferença, o Sistema Único de Saúde fez a diferença durante essa pandemia, tem feito a diferença”, afirmou o deputado e presidente da CDHM, Carlos Veras (PT/PE), apontando que muitos não têm acesso aos equipamentos de proteção adequados e que necessitam de remuneração justa. 

“Nos momentos mais graves da pandemia a gente viu muitos aplausos, muitos elogios aos trabalhadores da saúde, mas nós precisamos concretizar esse reconhecimento com direitos. O Sistema Único de Saúde vem sofrendo, e quando ele tem dificuldade de funcionar de forma plena, é o cidadão, a cidadã lá na ponta que são penalizados. Recurso na saúde não é gasto, é investimento, é cuidar da vida da população ”, afirmou Veras. 

Relatório preliminar 

Foram reconhecidos avanços nas recomendações 152, sobre esforços para implementar políticas de saúde que beneficiem a todos, e na 155, para atrair recursos financeiros e humanos, com o documento identificando aumento de profissionais no SUS.

Nas recomendações 158, 160 e 161, relacionadas ao acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, o relatório também reconhece avanço, já que houve aumento da cobertura de pré-natal, do uso de contraceptivos e do número de abortos legais. 

Em retrocesso o documento destaca as recomendações 154, sobre esforços para acesso a serviços de saúde, especialmente para mulheres afrodescendentes; a 156, para ampliar a abrangência da rede de serviços, promovendo a inclusão de minorias; e a 159, para assegurar acesso universal a serviços de saúde reprodutiva e sexual sem discriminação, pois foi percebida diminuição no número de mamografias e exames, e a mortalidade materna se manteve estável – e maior entre mulheres pretas. Além disso, a mortalidade infantil aumentou em grupos de maior vulnerabilidade.

As recomendações 164, para continuar desenvolvendo políticas de atendimento básico; a 200, pra adotar programas para fortalecer direitos das crianças e adolescentes; a 157, que trata da continuidade das estratégias de combate à HIV/AIDS, especialmente entre os jovens; a 162, para reduzir a morbidade e mortalidade materna e infantil; e a 163, para melhorar e reduzir a mortalidade infantil foram consideradas como cumpridas, pois houve aumento na cobertura da rede de atenção básica, redução da mortalidade infantil, número de casos e de óbitos de HIV/AIDS diminuiu e houve aumento da cobertura pré-natal e redução da mortalidade materna e perinatal. 

A recomendação 153, para continuar fortalecendo os serviços para reduzir a diferença de expectativa de vida entre as populações, foi considerada não cumprida, visto que as disparidades regionais se mantêm. 

 

Fábia Pessoa/CDHM