Evolução do direito à educação é examinada em audiência pública da CDHM

Os participantes defenderam a necessidade de maior orçamento para a área, especialmente, para o Plano Nacional de Educação, e argumentaram que a política de austeridade pode inviabilizar sua implementação. Além disso, demonstraram preocupação com propostas que podem dificultar a inclusão de pessoas com deficiência e com os impactos da pandemia para os alunos da rede pública
29/06/2021 16h34

Captura e montagem: Fernando Bola/CDHM

Evolução do direito à educação é examinada em audiência pública da CDHM

O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), verificou, na última sexta-feira (25), a evolução do direito à educação no Brasil. A audiência pública foi a oitava realizada pelo Observatório, uma parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas, que tem como objetivo examinar o cumprimento das recomendações feitas ao Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal, para melhorar a situação dos direitos humanos em diferentes áreas.

Linair Moura, da Diretoria de Educação Especial do Ministério da Educação, destacou que houve crescimento expressivo no número de matrículas em classes inclusivas no Brasil desde o início dos anos 2000, resultado de ações e programas desenvolvidos pelo Ministério da Educação (MEC), que partem de uma perspectiva de inclusão.

"Nós temos um modelo de inclusão. E queremos possibilitar que realidades locais possam implementar modelos também, desde que obedeçam aos princípios a que o Brasil tem se aliançado na perspectiva de proporcionar a igualdade de participação entre os estudantes com e sem deficiência. O Brasil tem realizado esforços e tem alcançado os resultados expostos nos dados oficiais”.

Linair Moura ressaltou que, devido às diferentes realidades locais, culturais e socioeconômicas em um território com a dimensão do Brasil, a questão é um grande desafio. “O Fundeb tem sido um grande instrumento para proporcionar essa igualdade de condições. Uma política que subsidiou e potencializou o crescimento da inclusão no Brasil”, afirmou.

Igor Miranda, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, reforçou que a inclusão de pessoas com deficiência está presente tanto no texto constitucional brasileiro formal quanto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, inserida no ordenamento jurídico brasileiro.

Miranda apontou que o MEC deveria se posicionar pela revogação do Decreto 10.502/2020, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial, por incentivar a criação de escolas e classes especializadas. O decreto está suspenso por liminar em razão de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), relatada pelo Ministro Dias Toffoli, que considerou que a política contraria o modelo brasileiro expresso na Constituição ao deixar de enfatizar a absoluta prioridade da matrícula de pessoas com deficiência no sistema educacional geral, e não em classes apartadas. Miranda também adiantou que em agosto ocorrerá audiência pública para discutir a questão.

César de Oliveira Gomes, Diretor da Escola Nacional da Defensoria Pública, destacou que a Defensoria expediu recomendações para a continuidade do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) neste contexto de pandemia, especialmente em regiões rurais e comunidades quilombolas, e do fornecimento de merenda escolar a alunos de baixa renda. Gomes também ressaltou que a Defensoria vem atuando para buscar viabilizar instrumentos tecnológicos que possibilitem que comunidades periféricas possam continuar estudando no atual momento.

O defensor informou que a DPU possui grupo de trabalho focado em avaliar a implementação da Lei 10.639/2003, que dispõe sobre a inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira no currículo da Rede de Ensino, e da Lei 11.645/2008, que inclui a História e a Cultura Afro-Brasileira e Indígena no âmbito do ensino fundamental e médio.

A deputada Rosa Neide (PT/MT), que presidiu a audiência, enfatizou que a Comissão de Educação vem debatendo o Sistema Nacional de Educação (SNE) e que é preciso incluir as minorias e a diversidade nacional dentro do Sistema.

 

Necessidade de mais investimento

Andressa Pellanda, Coordenadora-Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, reforçou a importância do financiamento do Plano Nacional da Educação (PNE) e de ações de combate à discriminação de gênero e raça, e apontou que a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 cortou 27% do orçamento da educação, sendo que o recurso inicial já era insuficiente, e que balanço sobre o PNE indica que menos de 15% dos objetivos do Plano serão cumpridos no prazo.

Pellanda destacou que apenas 5 das 20 metas do PNE estão parcialmente cumpridas depois de 7 anos de existência do documento. Sobre a meta 4 do PNE, que trata da universalização do acesso à educação para população de 4 a 17 anos com deficiência, reforçou que os dados utilizados ainda são os do Censo de 2010, que indicavam 190 mil crianças, adolescentes e jovens com deficiência fora da escola, e argumentou que a ausência de dados compromete o monitoramento.

A coordenadora ressaltou que a meta 20 do PNE, de ampliar o investimento em educação pública até atingir o mínimo de 7% do PIB, foi prejudicada desde 2016, com a emenda de teto de gastos, e que a situação ainda foi agravada durante a pandemia. E destacou sugestões que podem auxiliar no cumprimento das recomendações da RPU relacionadas ao direito à educação: encerrar políticas de austeridade e destinar investimentos adequados; o fim de políticas discriminatórias, como a militarização das escolas, o aparelhamento do Enem e a desconstrução da Política Nacional de Educação Especial em uma perspectiva inclusiva, além da contenção de proposições autoritárias que vão na contramão do PNE, como propostas sobre educação domiciliar, de desconstrução do PNAE e a PEC 32 (Reforma Administrativa), que desvaloriza os profissionais.

“O Fundeb é um grande passo para o financiamento e a valorização dos profissionais da educação, mas não é suficiente. A gente precisa de mais recursos para fazer frente aos impactos da pandemia”, afirmou Andressa.

“A gente não precisa inventar a roda. O Plano Nacional de Educação é um dos grandes norteadores e a gente precisa investir para que esse plano saia do papel”, afirmou Marcele Frossard, também da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

 

Pandemia e o alargamento das desigualdades sociais  

 

Enio Pontes, do Fórum Nacional Popular de Educação, destacou que a pandemia intensificou as desigualdades, com o aumento da pobreza, da fome e do desemprego, e que a educação pública foi gravemente afetada, pois grande parte dos alunos não teve condições de aderir ao ensino remoto, pela falta de acesso à internet e a equipamentos. “A pandemia atinge a todos, mas os efeitos dessa crise afetam os mais pobres de uma maneira muito mais cruel”.

Pontes argumentou que as alternativas tecnológicas antecipadas pela pandemia não podem desconsiderar as desigualdades social, econômica e estrutural vivenciadas no Brasil, e defendeu que a retomada das aulas presenciais só aconteça no momento em que sejam tomadas todas as medidas de saúde e segurança sanitária.

“A educação deve desenvolver o ser humano na sua completude, aliando o conhecimento científico ao saber humanístico, tendo como objetivo a formação de cidadãos aptos a se inserir de maneira produtiva, reflexiva e crítica na complexa sociedade em que estamos vivendo. Educação é um direito, e garantir a educação de forma eficiente, qualitativa e inclusiva é um dever do Estado. Sem educação não tem desenvolvimento, sem educação não tem cidadania, não tem dignidade”, disse.

Fátima Silva, Secretária-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, apontou retrocesso em todas as políticas devido à Emenda Constitucional 95 (teto de gastos). Fátima reforçou que é preciso considerar o impacto da pandemia em todas as áreas e que a ausência de políticas específicas aumentou a exclusão. Silva destacou que somente este ano, com a Lei 14172, foi garantido o acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública.

“O Fundeb, o qual nós consideramos uma agenda positiva, que foi aprovada neste parlamento, no meio da pandemia, em função da austeridade fiscal, se encontra bastante ameaçado na sua efetivação”, afirmou.

 

 

Representantes de Organizações de estudantes

Iago Montalvão, da União Nacional dos Estudantes (UNE), destacou que o Brasil vive um momento de ausência de políticas públicas educacionais, e que isso pode ser percebido em pesquisas atuais, que apontam a falta de perspectiva da juventude brasileira.  O Atlas das Juventudes apontou que mais da metade dos estudantes brasileiros com idade entre 17 e 24 anos não sabem se vão realizar a prova do Enem. Para Iago, isso demonstra a falta de incentivo para ingressar no ensino superior. Montalvão destacou que isso é um sintoma grave de retrocesso, reforçando ainda que a evasão vem aumentando, e que em 2021 já chega a 36%.

Montalvão também demonstrou preocupação com as pessoas de baixa renda, em especial com a situação de indígenas e quilombolas, que vêm sofrendo com a diminuição de bolsas permanência.

 Para o estudante falta estratégia, diálogo, mas principalmente financiamento. Iago apontou que as universidades tiveram uma redução de 1 bilhão de reais em seus orçamentos. “É preciso recompor o orçamento da Universidade Brasileira, da educação brasileira. Isso passa por rediscutir a emenda constitucional do teto de gastos, mas passa também por uma urgente liberação de créditos extraordinários, porque senão as universidades não vão dar conta de funcionar”.

Para Rozana Barroso, da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), a educação básica é hoje o setor mais afetado pela pandemia e pela falta de acesso. Rozana defendeu que é preciso debater um plano nacional sobre educação em tempos de pandemia, pois crianças e adolescentes estão há mais de um ano sem acessar a educação por falta de acesso à internet, computador, ou sem alimentação.

“Vida, pão, vacina e educação. Essas quatro palavrinhas resumem a luta dos estudantes brasileiros neste momento em que a gente tem enfrentado tantas dificuldades. Mas seguimos firmes na luta em defesa da educação, em defesa da escola pública, que é o foco neste momento. Nós precisamos falar dos milhões de estudantes que estão sem estudar e lutar pelo nosso direito de estudar”, afirmou, reforçando que a educação básica pública precisa de investimento.

 

 

Ataques à educação

“Nós estamos assistindo não só à desconstrução das políticas educacionais, mas à reconfiguração das políticas educacionais para uma educação a serviço da obediência, a serviço de uma sociedade cada vez mais desigual”, afirmou Denise Carreira, da plataforma Dhesca Brasil.

Denise defendeu a necessidade de atuação contra a política econômica de austeridade, exemplificada pela Emenda 95, que tem inviabilizado o Plano Nacional de Educação, e contra grupos ultraconservadores que defendem projetos como o Escola Sem Partido e o de educação domiciliar e atuam na perseguição de profissionais da educação. “Estudos comprovam que a educação domiciliar contribui para o aumento da violência doméstica e para abusos sexuais contra crianças e adolescentes, fragiliza políticas de educação inclusiva e corrói a democracia, por impossibilitar por meio da escolarização o convívio social e a aprendizagem para a diferença”, disse.

Carreira ainda reforçou que é preciso fazer uma defesa das políticas de ação afirmativa. “A lei de cotas, a Lei 12.711, completará dez anos. É necessário que a lei seja renovada e as políticas de ação afirmativas sejam fortalecidas e ampliadas para a maior democratização do ensino superior e o enfrentamento das profundas desigualdades raciais e sociais no país”.

“Aqueles que querem uma escola amordaçada, que fazem um discurso para a sociedade dizendo que os meninos precisam ir para a escola aprender português e matemática e que o restante eles aprenderão com a família e com a vida, negam a capacidade de crescimento, interação, da diversidade que está em volta. Nós aprendemos na escola, nós aprendemos na família, nós aprendemos na vida. São nas relações que a gente é capaz de construir conhecimento”, defendeu a deputada Rosa Neide.

 

Fábia Pessoa/CDHM