Direitos das crianças e adolescentes são debatidos pelo Observatório Parlamentar da RPU

A audiência foi a 24ª realizada pela iniciativa. Participantes defenderam necessidade de maior orçamento para a proteção de crianças e adolescentes, manifestaram preocupação com órfãos da COVID-19 e lamentaram proposta que trata da redução da idade mínima para o trabalho infantil
18/11/2021 20h15

Billy Boss/Câmara dos Deputados

Direitos das crianças e adolescentes são debatidos pelo Observatório Parlamentar da RPU

Tânia Dornellas, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil

O Observatório Parlamentar da RPU, sediado na Comissão de Direitos Humanos, examinou nesta quarta-feira (17) em audiência pública o estágio de cumprimento pelo Brasil de 11 recomendações voltadas ao aprimoramento e garantia dos direitos das crianças e adolescentes.

A Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo no qual os 193 países membros da ONU se avaliam mutuamente e fazem recomendações com o objetivo de melhorar a situação dos direitos humanos.

Os participantes apontaram que é necessário um orçamento maior para garantir a proteção de crianças e adolescentes, lamentaram a proposta que trata da redução da idade mínima para o trabalho e manifestaram preocupação com órfãos da COVID-19.

Esforços necessários

Rosana Vega, Chefe Nacional de Proteção à Criança do UNICEF no Brasil, elencou recomendações para garantir os direitos de crianças e adolescentes no Brasil: suplementação das políticas públicas para combater a violência contra crianças e adolescentes, fortalecimento de canais de denúncias de violações e a necessidade de manter um sistema de informações que contribua com a formulação de políticas públicas efetivas.

A representante da UNICEF ainda reforçou a necessidade de busca ativa para crianças que estão fora da escola e da efetivação da Lei Menino Bernardo, que proíbe castigos físicos e tratamentos cruéis ou degradantes.

“Recomendamos também a implementação urgente do pacto federativo para a redução da violência letal como resposta a mortes violentas de crianças e adolescentes. Temos dados de que entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil”, apontou.

Avanços conquistados

Fernanda Ramos Monteiro, Secretária Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Adjunta do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), comentou a respeito dos avanços que se tem obtido na promoção dos direitos da Criança e do Adolescente e no enfrentamento de violações de direitos desse segmento social.

Monteiro ressaltou as ações feitas em resposta às recomendações 194, 195 e 204, citando, por exemplo, a ampliação dos canais de denúncia, a criação da Escola Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (ENDICA), em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e a participação do país na Cúpula Global de Enfrentamento à Exploração Sexual Infantil na Internet.

Monteiro também mencionou o Programa Vem Viver, destinado à prevenção da violência contra o público infanto-juvenil, em especial ao enfrentamento da evasão e do abandono escolar e ao fortalecimento de vínculos familiares. O programa, que é um piloto, está sendo aplicado em cinco municípios brasileiros.

“A gente quer validar [o programa] e quer ouvir não só aqueles que estão envolvidos, como diretores das escolas e todos aqueles que fazem parte da rede de proteção dos municípios, mas também os adolescentes que estão diretamente envolvidos”, disse.

Sobre as recomendações 199 e 206, Monteiro mencionou como exemplo de atuação do órgão a importância do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), com a criação de 766 novas vagas desde 2019 e a realização de capacitações para agentes socioeducativos e profissionais que atuam na área.

COVID- 19

“Nós temos um problema seríssimo seríssimo que são os órfãos da COVID. Milhares de famílias tiveram seus entes mortos. O Brasil precisa encontrar soluções para a proteção dessas crianças e adolescentes”, afirmou Edmundo Ribeiro, do Fórum Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Edmundo lamentou também o enfraquecimento da participação social e a interrupção das atividades do Conanda, e destacou a necessidade de compromisso de todo o Estado brasileiro com o cumprimento das recomendações da RPU.

“Nós temos 113 mil crianças que perderam ou o pai ou a mãe ou um responsável, ou ambos. Se a gente considerar crianças que têm os avós como cuidadores, esse número sobe para 130 mil. Nós vamos colocar essas crianças na invisibilidade também ou o Estado brasileiro vai assumir a responsabilidade e garantir a proteção social para essas famílias tão fragilizadas nesse momento?”, reforçou Tânia Dornellas, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil.

Estatuto da Criança e do Adolescente

A defensora pública Camila Dória Ferreira, Coordenadora da Comissão da Infância e Juventude da Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (ANADEP), afirmou que mesmo depois de 32 anos do Estatuto da Criança e Adolescente, uma das legislações mais avançadas do mundo relacionadas aos direitos humanos, ainda é preciso fazer muito para garantir os direitos de meninos e meninas no Brasil.

“Ao contrário de tudo que determinam as normatizações relativas à infância, o que se tem visto, especialmente nos últimos anos, são crianças com fome, em situação de rua, fora da escola e trabalhando nas piores formas. O que se tem visto e ouvido são discursos e decretos, projetos de lei, propostas de emenda constitucional que fragilizam os necessários programas de transferência de renda, segregam meninos e meninas com deficiência, visam à redução da idade mínima para o trabalho e da maioridade penal, atentam contra a doutrina da proteção integral e ignoram a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento das crianças e dos adolescentes”, afirmou a defensora.

Trabalho infantil

“Infelizmente, ele [trabalho infantil] ainda é uma realidade no Brasil. Nós temos um milhão e 800 mil crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos no trabalho. A maioria desses trabalhadores são meninos. Outro dado que nós temos é o de 66% de meninos negros no trabalho infantil, ou seja, tem recorte de classe e de raça. Quem defende o trabalho não defende para todas as crianças”, lamentou Tânia, afirmando que o foco deveria ser a erradicação de todas as formas de trabalho infantil até 2025, mas que a Câmara dos Deputados vai na contramão e discute proposta de redução da idade mínima para trabalho.

“Quando a gente fala em trabalho infantil, nós estamos falando de pobreza, de racismo estrutural, das desigualdades sociais e da exclusão escolar. O trabalho infantil afeta o pleno desenvolvimento cognitivo, as habilidades e a definição dos interesses das crianças e dos adolescentes. E o mais grave: infelizmente nós temos uma sociedade que naturaliza o trabalho infantil, especialmente em momentos de crise”, complementou.

Crianças invisibilizadas

Marcos Antônio da Silva Souza, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, apontou a necessidade de um orçamento maior para dar conta dos desafios e lamentou que ainda hoje a violência e a letalidade sejam algo presente na vida de crianças e adolescentes negros e pobres.

“Nós temos um agrupamento que termina ficando de fora, estamos chamando de crianças invisíveis ou crianças invisibilizadas. É inadmissível não termos políticas educacionais, por exemplo, para crianças e adolescentes em situação de rua. São basicamente crianças de famílias chefiadas por mulheres, na sua maioria descendentes indígenas ou negras e que são filhos da classe trabalhadora mais precarizada deste país”.

Tânia apontou também a questão da invisibilização das crianças do campo. “A gente sabe historicamente que o campo sempre esteve ausente das políticas públicas, nos últimos anos nós tivemos mais de 80 mil escolas do campo fechadas”.

“Lugar de criança é na escola. Quando criança eu tinha que andar nove quilômetros todos os dias, ia e voltava, para poder estudar na cidade. É importante a gente fazer esse debate: da educação do campo, no campo”, afirmou o deputado e presidente da CDHM, Carlos Veras (PT/PE).

Relatório preliminar

Relatório preliminar aponta que o Brasil deu continuidade aos esforços que foram responsáveis por avanços nas últimas décadas, como o programa Bolsa Família, mas também indica um baixíssimo esforço orçamentário e problemas consideráveis na organização e gestão das políticas públicas associadas aos direitos da criança e do adolescente, colocando o Brasil ainda muito distante da proteção e promoção adequada desses direitos.

Segundo o documento, seis recomendações (199, 195, 203, 204, 205 e 206) foram consideradas como não cumpridas, como a da Estônia, para aprimorar o sistema de responsabilidade para com a juventude, de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, pois não foram encontrados programas novos ou reestruturação relacionados ao tema, o orçamento permanece baixo e, segundo dados da Controladoria Geral da União, 48% das políticas voltadas para as crianças não possuem nem coleta de dados e 79% não divulgam seus resultados.

O relatório também destaca que não foram identificados esforços para fortalecer programas que combatam a prostituição infantil (Indonésia), implementar a Lei Menino Bernardo (Liechtenstein), para combater a violência sexual, especialmente de crianças e adolescentes que vivem nas ruas e em abrigos (Maldivas), enfrentar o trabalho infantil (Liechtenstein) e para rejeitar propostas legislativas que preveem a redução da maioridade penal (Uruguai).

A recomendação da Armênia (201), para dar continuidade aos esforços direcionados à promoção dos direitos das crianças, foi considerada cumprida, já que políticas exitosas, a exemplo do Bolsa Família e do programa Criança Feliz, foram continuadas. Foram identificados progressos em três recomendações: 202, 194 e 208.

Na recomendação da Sérvia (202), para priorizar instalações de cuidado do tipo familiar em detrimento de abrigos e incluir o acolhimento temporário como um instrumento de proteção especial para crianças, foi percebido aumento de 3,9 para 6,8% na participação do acolhimento familiar nos serviços de acolhimento.

Sobre a recomendação da Austrália (194), para aumentar o foco na implementação de políticas de combate à violência familiar, em especial a violência contra mulheres e crianças, apesar do baixo orçamento, o relatório reconhece como avanços a aprovação da Lei n°13.431/2017, que estabelece o “sistema de garantia de direitos da criança e adolescente vítima ou testemunha de violência” e o desenvolvimento pelo UNICEF e MMFDH de aplicativo com finalidade educativa e de formulação de denúncias, por parte das crianças e adolescentes, da violação de seus direitos.

Outro avanço apontado é relacionado à recomendação da Suíça (208), sobre medidas para eliminar efetivamente os casamentos infantis e forçados: o documento destaca que o Congresso Nacional aprovou a Lei n° 13.811/2019, que suprimiu qualquer brecha legal para o casamento de menores de 16 anos.

A recomendação da Turquia (207), para eliminar a discriminação contra crianças em situação de rua e em áreas rurais, bem como crianças com deficiências e pertencentes a outros grupos minoritários, e tomar todas as medidas necessárias para prevenir o abuso de suas vulnerabilidades, foi considerada em retrocesso. O Relatório destaca que o Decreto nº 10.502/2020, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, vai contra a implementação de uma política educacional inclusiva.

Fábia Pessoa/CDHM