Audiência Pública examina evolução de Instrumentos Internacionais, Tribunal Penal e crimes de guerra

O encontro foi realizado no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, que tem como objetivo verificar a evolução das recomendações feitas ao Brasil para melhorar a situação dos direitos humanos
28/05/2021 18h09

Captura e montagem: Fernando Bola/CDHM

Audiência Pública examina evolução de Instrumentos Internacionais, Tribunal Penal e crimes de guerra

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias realizou nesta sexta-feira (28), no âmbito do Observatório Parlamentar da RPU, audiência pública que examinou as recomendações da RPU voltadas para os Instrumentos Internacionais, Tribunal Penal e crimes de guerra feitas ao Brasil no início do III Ciclo, em 2017. A Revisão Periódica Universal (RPU) é um mecanismo de avaliação da situação dos direitos humanos nos 193 países membros da ONU.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, o deputado Carlos Veras (PT/PE), presidiu a audiência, que se concentrou em cinco recomendações: reforçar a cooperação com os organismos do Órgão de Tratados (Costa do Marfim);  reforçar ainda mais seu envolvimento com a comunidade internacional para promover os direitos humanos em todas as áreas (Mianmar); ratificar as emendas de Kampala ao Estatuto de Roma com o objetivo de contribuir para a ativação da jurisdição do Tribunal Penal Internacional sobre o crime de agressão (Liechtenstein); ratificar a Convenção sobre a Não Aplicação de Limitações Estatutárias a Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade (Armênia); e alinhar plenamente a legislação nacional com todas as obrigações decorrentes do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (Estônia).

O Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal é uma parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas e tem como objetivo acompanhar a evolução das recomendações feitas ao Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal (RPU).

O Ministro Adriano Pucci, diretor do Departamento de Nações Unidas do Ministério das Relações Exteriores, elogiou a iniciativa. “O Itamaraty considera esse exercício valioso e buscará recolher as sugestões, as impressões e as preocupações dos parlamentares brasileiros, de outros órgãos de governo e da sociedade civil, no sentido de alinhar as percepções e promover as conclusões desse debate”, disse.

Ao abordar a evolução da recomendação da Costa do Marfim, que trata da cooperação com os Órgãos de Tratado, o Ministro Marcelo Araújo, chefe da Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores, apontou que dos nove principais tratados, apenas um não foi ratificado pelo Brasil. Araújo também destacou a entrega pelo Estado brasileiro dos relatórios periódicos. “Isso não é um feito menor, pois apenas 15% dos Estados partes cumprem essa obrigação”, afirmou.

Sobre a recomendação de Liechtenstein, Pedro Sloboda, Secretário da Divisão de Nações Unidas do Ministério das Relações Exteriores, informou que o Brasil é signatário das emendas e que o Brasil está em processo de ratificação das emendas de Kampala. “Os textos autenticados das emendas de Kampala, com a respectiva tradução para a língua portuguesa, e a exposição de motivos se encontram no gabinete do Ministro de Estado das Relações Exteriores para que seja assinado e encaminhado à Casa Civil”, adiantou.

Sobre a recomendação da Estônia, de alinhar a legislação nacional às obrigações decorrentes do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, Pedro Sloboda apontou a importância do Projeto de Lei 4038/2008, que regulamenta o Estatuto de Roma e já se encontra no Congresso Nacional. “O Brasil não tem regulamentado os crimes da competência do Tribunal Penal Internacional, com exceção do crime de genocídio. É essencial a regulamentação do Estatuto de Roma, que se daria por meio da aprovação desse projeto de lei de 2008”, reforçou.

Para Yuri Costa, Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, as atividades do Observatório Parlamentar demonstram o empenho e protagonismo  da Câmara dos Deputados com a pauta de direitos humanos. “Essa revisão é um parâmetro muito seguro para o Brasil, do caminho a ser trilhado, pautado em não retrocessos, para o fortalecimento dos direitos humanos”, diz.

Sobre as recomendações da Costa do Marfim e Mianmar, Costa afirmou que é fundamental que o Brasil seja visto como um país que se aproxima dos parâmetros internacionais e não como um país que se afasta de regras voltadas à defesa de direitos humanos. “A forma como o Brasil vem nos últimos anos conduzindo essa política no plano internacional, parece aos olhos do Conselho Nacional de Direitos Humanos uma política bem menos voltada a essa aproximação, a esse fortalecimento e a essa cooperação, e muito mais um ingresso em uma dinâmica de atuação que não agrega e que não une o Brasil a esses organismos”, criticou.

André Ribeiro, Defensor Nacional dos Direitos Humanos da Defensoria Pública da União  (DPU), elencou ações da Defensoria que têm como objetivo contribuir para que o Brasil cumpra as recomendações: acordos bilaterais, memorando de entendimentos em matéria de assistência penal gratuita com a Guatemala, opiniões consultivas sobre matérias de direitos humanos, realização de capacitações em parcerias com a ACNUDH e intercâmbios de documentos. “São incontáveis acordos bilaterais com organismos internacionais que demonstram a intenção multilateral da Defensoria Pública da União”, afirmou o defensor.

André também reforçou a atuação da Defensoria de assistência jurídica aos impactados por grandes empreendimentos, como no caso de rompimento de barragem em Barcarena, no Pará, da remoção e acompanhamento das famílias atingidas pelas obras do anel viário de Belo Horizonte, na BR 381, e doa pescadores prejudicados pela construção da usina hidrelétrica no Salto da Divisa no Rio Jequitinhonha.

Nesse contexto, o presidente da CDHM, Carlos Veras, destacou que existe uma preocupação com a construção de uma usina nuclear em Pernambuco. “Existe uma preocupação muito grande da população no meu estado de Pernambuco, ali na região de Itacuruba, com a possibilidade da construção de uma usina nuclear. É uma preocupação muito grande, que caso venha se concretizar, será fruto de audiência pública aqui nesta comissão”, adiantou.

 

Retrocessos

Gustavo Huppes, representante da Conectas Direitos Humanos, destacou que nos últimos anos não observa uma cooperação frutífera por parte do Estado brasileiro. “O país não apenas tem descumprido as recomendações, mas em quase 30% dos casos há retrocessos nas recomendações”.

Para exemplificar a falta de cooperação e retrocesso em relação às recomendações, Gustavo destacou o Decreto de 2019, que exonerou os membros do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura e  inviabiliza a atuação do órgão que tem como atribuição verificar as condições em que são mantidas as pessoas privadas de liberdade no país e prevenir tortura e maus tratos. “O decreto atinge a autonomia funcional e financeira do Mecanismo Nacional, violando não só a lei federal, mas também todas as obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro em matéria de direitos humanos”, afirmou.

“O Brasil, apesar de ter promulgado a convenção interamericana sobre desaparecimento forçado e a convenção internacional em 2016, ainda não tipificou o crime de desaparecimento forçado. Por não reconhecer como um crime permanente, acaba não investigando, não trazendo reparação, o direito à verdade, à memória e à justiça, uma barreira à responsabilização”, completou o representante da Conectas.

Rodrigo Deodato, representante do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares- Gajop e também do Coletivo, apresentou dados que indicam que o Estado brasileiro está na contramão das recomendações para promover os direitos humanos em todas as áreas. “Abster-se no cenário internacional ou votar contrariamente em resoluções importantes para os avanços dos direitos humanos não dialoga em nenhum nível com o envolvimento ativo com a comunidade internacional para promover os direitos humanos em todas as áreas, como sugere a recomendação de Miamar”, lembrou.

Rodrigo destacou que posturas contrárias às previstas nas convenções internacionais, como o aprofundamento de discursos de ódio, ausência de políticas públicas específicas e de uma estratégia efetiva de combate à pandemia geraram grande impacto nas comunidades periféricas, nas populações ribeirinhas, indígenas e quilombolas.

“Não basta ratificar uma convenção, é necessário implementá-la, assumi-la como pedra de toque de efetivação de direitos em diálogo com a sociedade. Instamos o Estado brasileiro que busque efetivamente conduzir suas relações internacionais pela prevalência dos direitos humanos de todas e todos”.

“E que no âmbito interno apure e julgue com celeridade os responsáveis pelas atrocidades ocorridas, sobretudo pelos desmandos de agentes do Estado, fortalecendo desde mecanismos de prevenção e combate à tortura até políticas públicas concretas de proteção a defensoras e defensores dos direitos humanos. Há muito por fazer, sobretudo quando em tempos atrozes, discursos e ações estatais mais impulsionam o recrudescimento do que possibilitam efetivamente o avanço dos direitos humanos no nosso país”, finalizou Rodrigo.

Para a deputada Érika Kokay, o Brasil vive um retrocesso em várias medidas. “Nós temos um sistema carcerário que é medieval. O Estado sabe que convive como método de implementação de cumprimento de sentença com a tortura, e desconstrói ou asfixia os instrumentos que a sociedade construiu com muita dor, mas com esperança de coibir a lógica de suplício do corpo que perpassa tantas unidades nesse país”, afirmou.

A audiência contou ainda com a participação de Milton Nunes, Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos.

 

Fábia Pessoa/CDHM