Participantes de evento do ONMP cobram melhor governança de recursos do fundo eleitoral
O financiamento público de campanhas eleitorais femininas foi tema de encontro promovido pelo Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP), nesta quinta-feira (29). A intenção do órgão é ampliar a conexão com a sociedade sobre os temas eleitorais para compartilhar dificuldades e oportunidades para auxiliar e estimular mulheres nas eleições municipais deste ano. Além de ampliar o conhecimento, os encontros promovidos pelo Observatório levantam questões que podem ser aprimoradas por meio de soluções legislativas.
O evento contou com a participação de pesquisadores, servidores responsáveis por sistema de dados eleitorais desenvolvido para o Observatório e mulheres que se candidataram nas últimas eleições, com depoimentos sobre dificuldades enfrentadas no acesso ao Fundo Eleitoral.
Palestrantes
Os pesquisadores do Instituto Sciences Po Paris e colaboradores do ONMP, Felipe Lauritzen e Olivia Tsoutsoplidi, apresentaram estudo que estão desenvolvendo sobre os efeitos das cotas de gênero e raciais em fundos eleitorais públicos na representatividade de mulheres e pessoas negras desde as eleições de 1994 até as de 2022. De acordo com Lauritzen, a principal motivação da pesquisa é descobrir porque a Câmara conta apenas com 17% de parlamentares mulheres e 26% de negros, apesar de representarem 28% e 47% dos candidatos, respectivamente.
Lauritzen salientou que o estudo, além de contar com extensa base de dados de eleições de mais de duas décadas, também traz extratos de uma pesquisa de opinião realizada em parceria com o DataFolha para averiguar a percepção do eleitorado sobre as reformas eleitorais adotadas nos últimos anos. Ao final das eleições de 2022 foram entrevistadas mais de 2 mil pessoas, com 16 anos ou mais, em 120 municípios. Entre os achados da pesquisa, constatou-se que 53% da população acredita que o número de mulheres na Câmara dos Deputados não é suficiente. Apenas 37% da população brasileira afirmou conhecer o Fundo Eleitoral, que é a principal fonte de financiamento nas eleições. Somente 36% da população brasileira acredita que estabelecer cotas de financiamento para as mulheres é uma ótima ou boa política.
Em sua pesquisa, Lauritzen e Tsoutsoplidi também entrevistaram líderes partidários com o objetivo de confirmar a eficácia das ações afirmativas vigentes para mulheres e pessoas negras. Uma das constatações da pesquisa é a de que a falta de regulamentação sobre a governança na distribuição dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é um problema, já que as candidatas não contam com informações suficientes para contestar as decisões partidárias e entender se houve motivação estratégica ou apenas discriminatória na sua distribuição. As dificuldades enfrentadas pelas mulheres nos partidos não se restringem somente à distribuição desigual dos recursos, porém. “Desde se tornar candidata até o pós-eleição, as mulheres enfrentam barreiras dentro de seus partidos. É comum partidos utilizarem candidaturas-laranja para cumprir com as cotas. Em geral, colocando as mulheres para concorrerem onde as legendas são menos populares”, afirmou o pesquisador.
Já Olivia Tsoutsoplidi fez sua explanação com foco nas três reformas ocorridas na legislação eleitoral brasileira estimular mulheres a serem mais competitivas nas eleições: a implementação das cotas de gênero nas listas de candidaturas, o estabelecimento de piso de financiamento para campanhas de mulheres e a bonificação dos partidos relacionada ao desempenho das candidatas para o recebimento de recursos. Com o passar do tempo, a efetividade das normas aumentou, segundo a pesquisadora. “Em 2002, 100 diretórios partidários respeitaram a lei da cota de gênero, em 2022 foram mais de 700. Levou muito tempo, 20 anos, para o cumprimento desta medida. Em termos de resultados em cadeiras conquistadas por mulheres, a parcela de votos está seguindo a tendência, porém, muitas candidaturas ainda são fictícias. Vemos o aumento do gasto nas campanhas, mas o resultado eleitoral não aumentou a contento”, frisou.
A pesquisadora destacou que, sob o aspecto do recorte racial, de 2002 a 2022, os candidatos pardos ou negros têm tido mais votos que mulheres e cerca de 30% deles foram eleitos. O desempenho de mulheres brancas acompanha o de homens brancos e negros, o grupo mais prejudicado é o de mulheres pardas e negras. “Mulheres brancas experimentaram um aumento de 53% na proporção de votos; homens negros tiveram um aumento de 37% na proporção de votos; enquanto mulhres negras tiveram um decréscimo de 12% na proporção de votos. Qual o preço de se corrigir uma discriminação?”, indagou Tsoutsoplidi.
As soluções, de acordo com os pesquisadores, passam por questões como melhorar a transparência sobre os critérios de alocação dos fundos públicos utilizados pelos partidos e regular a governança dos fundos públicos para as mulheres, estabelecendo que as decisões sobre alocação interna serão realizadas pelas secretarias das mulheres dos partidos. O financiamento público eleitoral é um passo na direção certa, segundo os estudiosos, mas os critérios de distribuição entre partidos deveriam ser mais democratizados para que os resultados eleitorais possam ser também mais diversos e democráticos.
Monitoramento
O evento contou ainda com uma breve apresentação dos servidores da Diretoria de Inovação e Tecnologia da Informação (Ditec) da Câmara dos Deputados, Thamara Ribeiro e Marcos Chevitarese, das funcionalidades do Sistema de Monitoramento sobre Mulheres e Eleições desenvolvido pela diretoria a pedido do ONMP.
A plataforma, disponível para acesso público desde 2021, permite ao usuário monitorar e analisar dados eleitorais com diferentes recortes como gênero, cor, raça, idade, grau de instrução, profissão, estado civil, entre outros. O sistema foi formulado a partir de dados abertos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) das eleições de 2002 a 2022.
Durante a apresentação, os servidores destacaram a importância de se ter acesso aos dados em formato acessível para ampliar a fiscalização da sociedade sobre o cumprimento das normas eleitorais de incentivo de candidaturas de mulheres e pessoas negras. A coordenadora de pesquisas do Observatório, Ana Cláudia Oliveira, que fez parte da mediação do evento, ressaltou que durante o pleito municipal de 2024 o sistema, disponível na página do ONMP, poderá ser uma excelente ferramenta de consulta por todos os interessados no tema, mas especialmente para as candidatas, que poderão verificar diariamente como os seus partidos estão atuando com relação à distribuição do Fundo Eleitoral para as campanhas femininas.
Depoimentos
Com o objetivo de conectar os resultados de pesquisas à sociedade, especialmente às mulheres que atuam na política, o evento teve um momento dedicado ao compartilhamento de depoimentos de mulheres que enfrentaram dificuldades no acesso a recursos de campanha nos últimos pleitos eleitorais.
Entre os relatos compartilhados está o de Blenda Nascimento, advogada brasiliense, que se declarou frustrada durante sua campanha em 2018. "Meu partido não alocou os recursos de forma equitativa e direcionou para alguns candidatos específicos, o que atrasou em 15 dias o início da minha campanha. Enquanto os outros já tinham cabos eleitorais na rua nós ainda estávamos iniciando as contratações. A mulher é chamada, atraída, para cumprir cota, mas a intenção não é que ela se eleja. A minha sugestão é que o recurso não seja gerido via partido, pois não estão chegando às candidatas. Tive que fazer campanha com recursos próprios”, lamentou a advogada.
Ao longo de todo este ano eleitoral, novas edições dos Encontros do ONMP estão previstas para acontecer bimestralmente, com a apresentação de dados de pesquisa e o compartilhamento de relatos em temas diversos que afetam a participação feminina na política.
Veja aqui a íntegra do encontro de hoje, com todas as participações. Acompanhe a programação dos próximos encontros na página do Observatório.
Da Assessoria da Secretaria da Mulher