Bolsonaro sanciona com vetos programa de promoção da saúde menstrual e deputadas protestam
O Presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou a lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214/2021), mas vetou os principais pontos da proposta aprovada pelos parlamentares, como a previsão de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias. A lei é fruto do PL 4968/2019, da deputada Marília Arraes (PT-PE), aprovado em agosto pela Câmara dos Deputados e em setembro pelo Senado Federal.
Conforme a lei, o programa tem por objetivo combater a precariedade menstrual – ou seja, a falta de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessários ao período da menstruação. A norma prevê que o programa será implementado de forma integrada entre todos os entes federados, mediante atuação, em especial, das áreas de saúde, de assistência social, de educação e de segurança pública.
O texto publicado determina que o Poder Público promova campanha informativa sobre a saúde menstrual e as suas consequências para a saúde da mulher e autoriza os gestores da área de educação a realizar os gastos necessários para o atendimento da medida.
*Protestos* - Em Plenário, a coordenadora da bancada feminina da Câmara, deputada Celina Leão (PP-DF), criticou a medida do Planalto e disse que o Congresso Nacional precisa derrubar os vetos. “Se 84 milhões de reais é muito dinheiro para dar a mínima condição para meninas e mulheres, então o governo tem que repensar a forma de tratar as meninas e mulheres deste Brasil. Nós definimos os valores no Orçamento. Se pode comprar papel higiênico para as escolas, por que não pode comprar absorvente?", indagou, pedindo ajuda da bancada feminina para derrubar o veto. "A justificativa foi no mínimo indelicada, um desrespeito para com as mulheres do Brasil", concluiu Celina.
A deputada lembrou que de acordo com o estudo da Unicef - “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. "Também são 4 milhões de meninas sem condição adequada de higiene nas escolas (desde falta de acesso a absorventes até instalações básicas inadequadas, como banheiros e sabonetes). Dessas, quase 200 mil alunas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação no ambiente de ensino, o que impacta em ausências nas atividades pedagógicas e até no rendimento escolar", completou. E lembrou que quando a proposição foi votada, muitos parlamentares desconheciam o termo pobreza menstrual. "O projeto foi apensado a outros 34 que tratavam do mesmo tema e teve aprovação unânime. Recebemos com tristeza o veto do Planalto", disse Celina (acesse aqui o pronunciamento).
A autora do projeto, deputada Marilia Arraes (PT-PE), agradeceu a fala de Celina Leão que, em sua opinião, "representou muito bem toda a bancada feminina em torno de um projeto que teve união e sem considerar coloração partidária. Mulheres de todos os espectros políticos se uniram para aprovar que mulheres brasileiras tenham mais dignidade na sua vida em geral e, principalmente, durante esse período, que é da natureza fisiológica feminina, e que precisa do apoio e do aparato estatal para ser vivido com mais dignidade", afirmou. Ela se disse "impressionada com o veto, porque tratou de questões que já estavam resolvidas, que foram alvo de negociações exaustivas entre os autores do projeto". Lamentou que tivesse sido vetado, “inclusive diante de pontos que tinham sido negociados com as próprias lideranças do governo”.
Também a deputada Érika Kokay (PT-DF), criticou o veto em Plenário: “É muito duro que escutemos que o governo vetou um projeto que foi aprovado por unanimidade nesta Casa, que se destinava a enfrentar a pobreza menstrual e dar dignidade menstrual. São 4 milhões de meninas que se sentem constrangidas e que, em função da pobreza menstrual, não frequentam, em determinados dias do ano, a escola, e até meninas que saem da escola. Há um cálculo que aponta que há meninas que perdem por volta de um mês e meio de escola, porque não têm condição de estabelecer uma dignidade menstrual”, declarou.
Também a deputada Tereza Nelma (PSDB-AL), procuradora da Mulher da Câmara, enviou sua manifestação sobre o veto: “Vivemos num País marcado pela desigualdade social e misoginia. Infelizmente, uma em cada quatro estudantes pobres já faltou à aula por não ter absorvente em casa. Precisamos agora trabalhar para a derrubada desse veto. É triste ver que a saúde e dignidade da mulher não são uma pauta importante para essa gestão. Sigamos juntas nessa batalha!”, afirmou.
Apoio -Deputados também se manifestaram contrários aos vetos. “Em 31 de agosto, aprovamos a Lei nº 2.134, que disponibiliza absorventes para as alunas da rede municipal, e a Prefeitura foi além, e vamos disponibilizá-los para todas que necessitarem desses absorventes. Então, queria mostrar mais uma vez que, quando o gestor quer, as coisas acontecem. Por isso, vou mandar uma cópia ao Presidente da República dessa lei que a Câmara Municipal de Sobral aprovou”, disse Leônidas Cristino (PDT-CE).
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), também pontuou que “foi um projeto aprovado pela bancada feminina e festejado por todo o Parlamento brasileiro, da pobreza menstrual, e que representa dignidade humana, humanidade! Sinceramente, é absurdo (o veto)! O governo diz que o projeto contraria o interesse público, uma vez que não há compatibilidade com autonomia das redes de estabelecimento de ensino, e também que não indica as fontes de custeio, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso é a cara do governo Bolsonaro!”, disse. “Peço que façamos uma grande corrente de compromisso de derrubada desse veto e de denúncia, inclusive porque atende às mulheres presidiárias, também beneficiárias, e os recursos vêm do Funpen”, concluiu Valente.
Trechos vetados - Entre os argumentos da justificativa do veto estão que a oferta gratuita de absorventes higiênicos femininos não se compatibiliza com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino, além de não indicar a fonte de custeio ou medida compensatória, em violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, à Lei de Diretrizes Orçamentárias 2021 e à Lei Complementar 173/20, que criou o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus. Foi vetado o trecho da proposta que previa que os recursos financeiros para o atendimento das presidiárias seriam disponibilizados pelo Fundo Penitenciário Nacional (Fupen). A justificativa do governo é de que a lei que criou o Fupen (Lei Complementar 79/94) "não elenca o objeto do programa no rol de aplicação de recursos do fundo".
Bolsonaro também vetou o trecho da lei que previa que outras despesas do programa correriam à conta das dotações orçamentárias disponibilizadas pela União ao Sistema Único de Saúde (SUS) para a atenção primária à saúde. "A proposição legislativa contraria o interesse público, uma vez que criaria despesa obrigatória de caráter continuado, sem haver possibilidade de se efetuar gasto público em saúde sem antes relacioná-lo ao respectivo programa, sem indicar a área responsável pelo custeio do insumo, e sem apontar a fonte de custeio ou medida compensatória e de compatibilidade com a autonomia das redes e dos estabelecimentos de ensino", diz a justificativa do veto.
O governo alega ainda que "os absorventes higiênicos não se enquadram nos insumos padronizados pelo SUS, portanto não se encontram na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, além disso, ao estipular as beneficiárias específicas, a medida não se adequaria ao princípio da universalidade, da integralidade e da equidade no acesso à saúde do SUS".
Foi vetado ainda o artigo que previa que teriam preferência de aquisição pelo Poder Público os absorventes higiênicos femininos feitos com materiais sustentáveis. Novamente, a justificativa foi a incompatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino e a não indicação de fonte de custeio ou medida compensatória.
Com a mesma justificativa, foi vetado ainda o artigo que previa que as cestas básicas entregues pelo Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) deveriam conter como item essencial o absorvente higiênico feminino. Os vetos serão analisados pelo Congresso Nacional, podendo ser mantidos ou derrubados.
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Ascom - Secretaria da Mulher, com Agência Câmara de Notícias