Introdução
A transferência da Capital Federal do Rio de Janeiro para o interior do País foi uma ideia endossada por Hipólito José da Costa, o primeiro de nossos jornalistas, José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, e defendida por Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, um dos nossos maiores historiadores. Surgiu na forma de proposta de emenda constitucional, no Congresso Constituinte de 1890; constou das Constituições de 1891, 1934 e de 1946.
No dia 4 de abril de 1955, Juscelino Kubitschek visitava a cidade de Jataí, Estado de Goiás, em campanha eleitoral para Presidente da República. Durante o comício, quando discursava em uma oficina mecânica, em decorrência de forte chuva que caía sobre a cidade, foi interpelado por um cidadão jataiense chamado Antônio Soares Neto, sobre se o candidato, uma vez eleito, cumpriria artigo das Disposições Transitórias da Constituição Federal que previa a mudança da Capital Federal para o Planalto Central, o que Juscelino prometeu cumprir. A partir daí, esta decisão ganhou plataforma em sua campanha eleitoral. Já empossado na Presidência da República, Juscelino assinou, no dia 19 de abril de 1956, na cidade de Anápolis, Estado de Goiás, a Mensagem nº 156 – que dispunha sobre a mudança da Capital Federal – e a enviou ao Congresso Nacional, onde tramitou sob a forma do Projeto de Lei nº 1.234, de 1956, aprovado, na Câmara, em 23 de agosto de 1956 e transformado na Lei nº 2.874, de 1956, sancionada em 19 de setembro do mesmo ano. No dia 2 de outubro de 1956, Juscelino foi ao Planalto Central, de onde reafirmou que naquele vazio se construiria o "cérebro das altas decisões nacionais".
O projeto de construção de Brasília, em seu início, foi carregado de desconfiança. Isto porque, sendo determinação constitucional desde 1891, nenhuma medida concreta havia sido adotada desde então. Mesmo, e principalmente, no Congresso Nacional, o fato era cercado de ceticismo, embora tivesse defensores aguerridos. Entre os defensores destacou-se o Deputado Emival Caiado, que apresentou, em 27 de agosto de 1956, o Projeto de lei que fixou em 21 de abril de 1960 a mudança da Capital Federal para Brasília. Este projeto tramitou sob o nº 1.773, de 1956, aprovado, na Câmara dos Deputados, em 19 de setembro de 1957, transformado na Lei nº 3.273, de 1957, em 1º de outubro do mesmo ano. Temendo retrocesso no Projeto de mudança da capital federal, o Deputado Emival Caiado lançou, em 8 de abril de 1959, sob sua presidência, o Bloco Parlamentar Mudancista, integrado por mais de uma centena de Deputados e com o seguinte corpo de direção: Primeiro Vice-Presidente, Deputado Cunha Bueno; Segundo Vice-Presidente, Deputado Corrêa da Costa, Secretário-Geral, Deputado França Campos, Líder, Deputado Santiago Dantas, Vice-Líderes, Deputados Colombo de Souza, Aurélio Viana, Rui Ramos, Epílogo de Campos e Guilhermino de Oliveira. O objetivo do bloco era a "dinamização da luta pela interiorização da capital da República".
Os argumentos mais recorrentes do Bloco Mudancista eram: necessidade de ocupar o imenso vazio que havia no interior do País; proteger da cobiça estrangeira e levar desenvolvimento à Região Amazônica; dar condições de desenvolvimento à Região Nordeste. Enfim, promover o desenvolvimento econômico e social e reduzir a desigualdade de desenvolvimento regional vigente. Emival Caiado, da União Democrática Nacional – UDN – representante do Estado de Goiás, foi o Deputado Federal que mais se empenhou para a mudança da Capital Federal. A UDN integrava a Oposição ao Presidente Juscelino Kubitschek no Congresso Nacional. No entanto, apesar das críticas contundentes de alguns de seus membros, entre eles, Carlos Lacerda – seu mais vigilante e ferino crítico – e o Deputado Adauto Cardoso, que consideravam uma irresponsabilidade o açodamento para a construção e transferência da Capital Federal e não acreditavam ser ela possível, afirmando tratar-se de manobra eleitoreira do Presidente Juscelino, a UDN votou coesa favoravelmente ao projeto que fixou a data de mudança da Capital Federal.
No dia 9 de agosto de 1956, nas discussões do Projeto de Lei nº 1.234, de 1956 (dispõe sobre a mudança da Capital Federal e dá outras providências) percebem-se com bastante clareza as divergências de opiniões ainda existentes na Câmara dos Deputados:
O Deputado Tenório Cavalcanti, da UDN, representante do Rio de Janeiro, considerou a proposta uma quimera, simples demagogia. Utilizou-se de declarações do engenheiro Prestes Maia para rechaçar os argumentos de que a interiorização da capital era uma questão de defesa nacional, porque, segundo o engenheiro, na era atômica, não existiriam alvos inatingíveis. Ao invés da construção de nova capital, defendia a melhoria das condições de infraestrutura e a autonomia do Distrito Federal, para abrigar "... o exército de nossos irmãos jeca-tatus que fogem, tangidos pela fome do Brasil caxingó"..
O Deputado João Machado, do PTB, representante do Distrito Federal, em seu encaminhamento considerou inadequado analisar questões locais na discussão do projeto de mudança da capital porque
" .... num problema da relevância deste, qual seja o da mudança da capital para o interior do País, poderia parecer que defendíamos a tese de que esta transferência talvez não correspondesse aos legítimos e imediatos interesses da população carioca e do Distrito Federal. Muito ao contrário. Ainda que isso ocorresse, ainda que tal medida redundasse em prejuízo para esta unidade da Federação, nem por isso, deixaríamos de lutar pela interiorização da Capital, porque, – como já disse, – este problema é de maior relevância, pois interessa a todo o País..."
O Deputado João Agripino, da UDN, representante da Paraíba, em sua análise da Mensagem presidencial, manifestou-se totalmente favorável à proposta, fazendo reparos, porém, quanto à natureza jurídica da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, criada no projeto, e à possibilidade de o Presidente da República alterar o Plano Nacional de Viação, por decreto.
No dia 23 de agosto de 1957, quando se votava o projeto 1.773, de 1956, de autoria do Deputado Emival Caiado, que fixava a data da mudança da capital para 21 de abril de 1960, mais uma vez os argumentos apresentados na discussão da matéria demonstravam os matizes das opiniões que fervilhavam na Câmara dos Deputados:
O Deputado Herbert Levy, da UDN, representante de São Paulo, depositou seu total apoio à mudança da Capital Federal em virtude de não ter o Rio de Janeiro, em sua opinião, a austeridade necessária para o funcionamento de uma capital administrativa. Manifestou a expectativa de que, em Brasília, os deputados teriam condições ambientais e materiais para o melhor exercício do mandato. A fé na possibilidade do cumprimento do prazo para a mudança veio da leitura do Relatório do Presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, Israel Pinheiro, sobre a exequibilidade da mudança no prazo estipulado.
O Deputado Carlos Lacerda, da UDN, também representante do Distrito Federal, manifestou seu descrédito quanto ao cumprimento do prazo para a mudança da Capital Federal com a leitura de trecho do Programa de Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, onde S. Exa. afirmava não ser possível a construção da Nova Capital em menos de quinze anos. Manifestou sua preocupação com o futuro do Rio de Janeiro, quando deixasse de ser a Capital do País.
" ...É preciso fazer justiça ao Distrito Federal, que não tem em toda esta campanha em prol de Brasília – não tem e nunca teve – a menor eiva de regionalismo. Esta é a cidade brasileira por excelência. Não será mais do que as outras, mas sendo, como é, a síntese das outras, é, sem dúvida, a cidade que, nos seus encantos, como nas suas dores, estas mais profundas e intensas que aquelas, guarda para cada brasileiro, de cada estado, que para aqui se transporta, o melhor de suas graças, enquanto modesta, humilde, esconde as suas dores inenarráveis, as dores dos morros, as dores das favelas, acumulada por uma política que, se não mudar, mudar-se-á também para Brasília: e eu não desejo aos nossos irmãos goianos a estúpida mentalidade centralizadora que leva o clamor das favelas para onde quer que vá....."
O Deputado França Campos, do PSD, representante de Minas Gerais, demonstrou que o apoio do Brasil à mudança da Capital Federal fora consubstanciado pelo voto de seus representantes na Câmara dos Deputados, quando 172 deputados, dos 194 votantes, manifestaram-se favoravelmente ao regime de urgência para a apreciação da matéria. Refutou os argumentos de que a mudança da capital inviabilizaria a cidade do Rio de Janeiro, uma vez que apenas 10 mil funcionários seriam transferidos para Brasília e os portos da cidade teriam sua atividade reforçada com a construção da nova capital. Elogiou o a humildade e o espírito público do Presidente Juscelino Kubitschek, que, segundo afirmou, "bateu-se com vigor pela transferência da Capital da República, e, investido do cargo de primeiro mandatário do País, empregou todas as suas forças para o cumprimento de suas promessas e, abriu mão de seu direito de enviar mensagem ao Congresso Nacional fixando a data da mudança, para que esta honra fosse exercida por um dos maiores exponentes da Oposição, o Deputado Emival Caiado".
O Deputado Emival Caiado, representante do Estado de Goiás, como autor da proposição, apresentou um longo arrazoado em defesa da fixação da mudança e de sua exequibilidade; ofereceu dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE – e do Banco do Brasil sobre o desnível regional e sobre a desigualdade de densidade populacional existentes País; referiu-se à epopéia do Instituto da Hiléa Amazônica, quando o Congresso Nacional, sob a liderança de Arthur Bernardes, barrou a conquista indireta da soberania nacional mascarada naquela entidade. Argumentou que a mudança da capital do País também deteria a latente semente do separatismo pela união dos extremos do território nacional.
Apesar do ceticismo de muitos, em 21 de abril de 1960, Brasília foi inaugurada. Na mesma data ocorreu a Sessão Solene de Instalação do Congresso Nacional na nova Capital Federal. Na primeira sessão da Câmara dos Deputados em Brasília, em 2 de maio de 1960, novamente ocorreram várias manifestações de júbilo pelo evento, como a do Deputado Rui Ramos, para quem Brasília não significou apenas a construção de uma nova cidade. Significou um pacífico alargamento de fronteiras para o centro. Segundo o Deputado Ruy Ramos, Brasília foi muito mais:
"...Brasília fez mais do que isto em matéria de extensão geográfica. Além de anexar novas fronteiras à economia do Brasil, realizou alguma coisa nova, porque efetivamente, ampliou as fronteiras mentais deste País. Para mim a maior obra sociológica de Brasília é a ampliação da nossas fronteiras mentais. O Brasil, pelos seus governos, se habituara a um determinado gabarito geográfico e econômico. E houve muita gente que entendeu que acima desse gabarito era impossível construir. Também o nosso povo, exatamente em consequência dessa posição mental dos governos se acostumara a ver e receber o Brasil como era, dentro de possibilidades mais ou menos estreitas, submisso e incapaz de compreender as possibilidades deste País e do seu povo, na existência da América Latina. Para mim, a maior função de Brasília é esta: ampliar os horizontes mentais deste País..."
O Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, também ouviu, nesta primeira sessão, várias reclamações quanto às condições de habitabilidade de Brasília. Alguns Deputados, mesmo com o passar dos meses e a com a melhoria das habitações e conveniências da cidade, não se conformavam com as condições de trabalho e de moradia; tanto é que foi iniciado um movimento de retorno da capital para o Rio de Janeiro, o Movimento Retornista, o que motivou a restruturação do Bloco Mudancista, pelo Deputado Emival Caiado, em 22 de abril de 1963, em defesa da consolidação de Brasília como capital da República.
O Regime Militar, instaurado em 1964, reduziu os poderes do Judiciário e do Legislativo, este último alcançado pela reforma partidária que instituiu o bipartidarismo. Nesta circunstância, os debates sobre a permanência ou retorno da Capital Federal ficaram em segundo plano, pois, o que se defendia então era a própria existência do Congresso Nacional. Dessa maneira, a Capital Federal foi se consolidando aos poucos e, em 1986, conseguiu representação política no Congresso Nacional. Em 1988, com a Constituinte, firmou-se definitivamente com a conquista da autonomia política.
Nos anos que se seguiram à sua instalação em Brasília, o Congresso Nacional foi palco de grandes acontecimentos, que ratificaram sua grandeza e sua importância para a manutenção e consolidação do estado de direito no País, tais como:
- A renúncia do Presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961;
- A Emenda Parlamentarista, em 1º de setembro de 1961;
- O Golpe Militar, em 31 de março de 1964;
- A recusa da Câmara dos Deputados de conceder licença para o processo contra o Deputado Márcio Moreira Alves, em 12 de dezembro de 1968, o que motivou a edição do Ato Institucional nº 5 – o AI-5 – que cassou o mandato de vários Deputados, em 13 de dezembro de 1968, e o fechamento do Congresso Nacional desta data até 23 de outubro de 1969.
- A luta contra o regime de exceção coroada com a Lei de Anistia em 1979;
- A votação e a derrota da Emenda Dante de Oliveira para eleição direta do Presidente da República, em 25 de abril de 1984 (Diretas-Já);
- A eleição, pelo Colégio Eleitoral, de Tancredo Neves – primeiro Presidente civil desde a implantação do Regime Militar – que veio a falecer em 1986, ensejando a posse no cargo, do Vice-Presidente eleito, José Sarney;
- A Constituinte de 1987/88;
- O impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.