Informação é essencial para denunciar violência e orientar campanhas de candidatas
A maioria das mulheres encontra grande dificuldade em identificar a quem recorrer quando resolve denunciar a violência política de gênero. Esta foi a avaliação da representante do Observatório Nacional da Mulher na Política Carla Rodrigues, durante seminário promovido pelo Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP), órgão da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, que debateu os “Avanços legislativos e a preparação das candidaturas femininas para as eleições de 2022”. Dentro dessa temática, as convidadas dialogaram sobre a importância da formação política, de uma rede de apoio e sobre os canais para denúncia.
Mudança na legislação - Recentemente, o Congresso Nacional aprovou alterações na legislação. Com a promulgação da Emenda Constitucional EC 111/2021, os votos dados às candidatas mulheres e às pessoas negras serão contados em dobro para efeito da distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) – também chamado de Fundo Eleitoral – nas eleições de 2022 a 2030. O texto determina também a participação igualitária de homens e mulheres nos debates eleitorais que ocorrem durante as campanhas. “A perspectiva é que, para este ano, as mudanças do novo Código Eleitoral e as alterações na legislação afetem positivamente o número de mulheres eleitas” afirmou a consultora Legislativa da Câmara dos Deputados, Ana Luíza Backes.
A consultora também apontou aspectos das leis aprovadas em 2021 e 2022 e destaca a redução do número de candidatos e quociente mínimo para partidos e individualmente, além da volta do horário partidário gratuito e a anistia para não cumprimento das cotas financeiras. “A Resolução do TSE contribui significativamente para a inclusão de mais mulheres na política. A lei fala da fixação da data de 15 de setembro como limite para a entrega de recursos financeiros e, ainda, da obrigação de informação sobre o tempo destinado às mulheres e negros na entrega das mídias às emissoras. Até então, as inserções eram muito difíceis de acompanhar. Por isso, a intenção é que os partidos declarem e publicizem o plano de mídia”, disse.
Na parte da manhã, durante o seminário, especialistas criticaram outra proposta, a PEC 18/2021, que prevê anistia aos partidos que não tiverem cumprido a cota mínima de 30% de candidaturas femininas ou que não destinaram os valores correspondentes a essas candidaturas nas últimas eleições. O texto, aprovado pelo Senado, está sendo analisado por uma comissão especial da Câmara. O parecer da relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), prevê punição para as legendas que não cumprirem a cota de 30% de candidaturas femininas, mas mantém a anistia para a não aplicação dos recursos nessas candidaturas (no mínimo 30%) e dos recursos para programas de incentivo às mulheres (5%).
A deputada acredita que, com seu parecer, os danos da PEC para as mulheres serão reduzidos. Segundo Margarete, a bancada feminina avaliou que era melhor negociar ajustes no texto em vez de rejeitá-lo.
Foto: Billy Boss - Câmara dos Deputados
Danielle Gruneich, da Secretaria da Mulher
A assessora legislativa da Secretaria da Mulher, Danielle Gruneich, lembrou que a legislação mantém o mínimo de 30% das vagas de candidaturas sendo preenchidas por cada sexo e mencionou outras novidades. “Foi incluída a proibição de campanhas que depreciem as mulheres ou estimulem sua discriminação em razão do seu gênero, prevista na Lei de Violência Política. Outro aspecto é a nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Com as mudanças, temos esperança de que aumente o número de candidatas e que tenhamos, cada vez mais, melhores condições para participar dessa disputa. Mais mulheres na política garantem mais direitos femininos”. A assessora finalizou fazendo um apelo para que as candidatas estimulem a juventude entre 16 e 18 anos a se alistarem.
Para a representante da organização “Quero Você Eleita”, Gabriella Rollemberg, foi importante o avanço da redução do número de candidaturas. “Também vejo com bons olhos a obrigação do percentual das candidaturas ser aplicado não apenas globalmente, mas individualmente. Outra questão é que o dinheiro sempre chegava pouco tempo antes da finalização da eleição. Agora, esse recurso precisa chegar até a prestação de contas parcial para que, assim, seja eficiente às candidatas. É dever dos partidos que essas candidaturas sejam reais e com recursos mínimos viáveis. Os partidos precisam ter a visão do seu dever, não basta lançar uma candidata. Eu vejo que a jurisprudência vem evoluindo junto à essa temática. Por fim, trago a relevância das redes, dos fóruns e das ouvidorias na defesa dos direitos das mulheres. Essa é uma inovação política que auxilia as candidaturas femininas”, comemorou.
Em relação às dobradinhas, Gabriella disse ainda que este é um aspecto que deve ser debatido com mais profundidade. “O fato é que quando o dinheiro de campanha chega para mulheres que estão fazendo dobradinhas, e que não têm experiência suficiente, estas acabam cometendo erros formais e sendo condenadas a devolver somas muito grandes de recursos públicos”, enfatizou.
Já a presidenta do PCdoB e vice-governadora do Estado de Pernambuco, Luciana Santos, lembrou que as mulheres são mais da metade da população brasileira e comandam mais de 45% dos lares do País. No entanto, para ela, a representatividade feminina não acompanha as questões de equidade. “Diante dos dados, a maioria precisa estar de acordo com as urgências. Nossa participação é em média, de apenas 16% no cenário político, reflexo do machismo estrutural. Mas isso se enfrenta com políticas afirmativas, trabalhando percentual de chapas, cobrando punições e também elaborando reformas eleitorais mais arrojadas, que garantam vagas para as mulheres. Precisamos elevar o nível de consciência, mudar hábitos, projetar lideranças e empoderar as mulheres. Nossa perspectiva é pela emancipação feminina. E, agora, temos um peso importante para a contagem de votos para mulheres, que também se estende aos negros. É igualmente importante ampliar a fiscalização para coibir as tentativas de candidatura feminina”, apontou.
Foto: Billy Boss - Câmara dos Deputados
Luciana Santos, presidente do PCdoB
A quem recorrer - Sobre a dificuldade de recorrer quando é necessário denunciar a violência política, a representante do Observatório Nacional, Carla de Oliveira, "ainda falta informação. Esse fluxo deve ser estabelecido junto ao partidos políticos e organizações do direito civil, em especial, os observatórios eleitorais que combatem a violência de gênero. Quais são os tipos de violência política, quem são os agressores, quem são as vítimas (os parentes das candidatas também sofrem)? Essas questões merecem mais informação e, por isso, sentimos falta de uma resolução específica para preencher essas lacunas. Não basta conceituar a violência política de gênero, é importante estabelecer processos claros para que a lei seja efetivamente aplicada”, alertou.
Nesse sentido, a juíza Larissa Almeida, da Ouvidoria da Mulher do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), reforçou que a Justiça Eleitoral tem como foco receber informações sobre assédio e pensar medidas articuladas com a Secretaria de Gestão de Pessoas e outros órgãos. “Oferecemos um espaço de acolhimento para que a pessoa que tenha o direito violado saiba a quem recorrer. Hoje, já temos tratativas com o Ministério Público Federal e com canais de atuação conjunta”, esclareceu.
Para a representante do Ministério Público Eleitoral, a procuradora regional da República Raquel Branquinho, é preciso haver mais diálogos institucionais e informar a população. “Em caso de violência política, a candidata deve procurar o procurador regional eleitoral do seu Estado e verificar a qual promotor eleitoral se reportar. A depender da situação, pode-se caracterizar um tipo penal ou outro. É importante que as Procuradorias Regionais, e outras entidades que atuam em conjunto, sigam os processos com transparência e apresentem os resultados à sociedade”, opinou. Raquel sugeriu que as interessadas entrem com processos na Justiça Eleitoral e procurem o procurador regional eleitoral de cada Estado. “Porque esse procurador regional eleitoral tem, entre suas atribuições, a obrigação de saber a tempo e modo qual o promotor eleitoral competente para tratar do tema”, explicou.
Foto: Billy Boss - Câmara dos Deputados
Danielle Gruneich, da Secretaria da Mulher
Apoio jurídico - “Para a mulher participar da política ela precisa de uma rede de apoio, e é neste ponto que a lei deixa lacunas”, disse a presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cristiana Damasceno. “Não basta garantir dinheiro para a campanha, tem de haver equipes jurídicas dentro dos partidos para garantir que os direitos das mulheres sejam cumpridos, conforme previsto na legislação. Essa mulher (candidata) precisa de formação sobre as normas eleitorais, orçamento e aplicação (dos recursos). Esse conhecimento é essencial para apresentar um planejamento de campanha e para que os recursos sejam empregados corretamente. Sobre a rede de apoio, é importante observar que as necessidades das mulheres são diferentes. Outro ponto é a mudança de mentalidade – a mulher não foi criada para estar nesses espaços, então é importante desenvolver habilidades para conquistar melhores estruturas emocionais. Outro aspecto é ter equipe jurídica dentro dos partidos para auxiliar essa candidata”, aconselhou.
Também presente no seminário, a presidente do PCdoB, Luciana Santos, defendeu alterações eleitorais mais arrojadas como forma de garantir uma maior participação das mulheres na política.
A representante do Fórum de Mulheres de Partido, Juliet Matos, avaliou que um aspecto relevante é o papel das instâncias das mulheres dentro dos partidos políticos. “A proposta é olhar para essas instâncias, muitas vezes invisibilizadas, pois quando falamos da dificuldade feminina na política - e da violência que sofremos -, vemos que as mulheres são 40% das filiadas, mas poucas comandam os partidos. Isso significa que poucas estão nos espaços de decisão. Um dos filtros que dificulta a inserção da mulher na política é a própria natureza de como se organizam os partidos políticos, atravessados pelo machismo e sistema patriarcal. Fortalecer as mulheres é oferecer uma rede de apoio, com programas de formação e com olhar de gênero. Nosso dever é desenvolver uma política de acolhimento”, sugeriu.
Foto: Billy Boss - Câmara dos Deputados
Clara Araújo, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Apoio dos partidos - Para a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Clara Araújo, o desafio está nos partidos políticos. “Precisamos fazer com que eles implementem aquilo que foi conquistado com muita luta. Conquistas essas que vieram a partir de 2018, com mobilizações femininas. Gostaria de destacar a reflexão sobre a interação dessas normas eleitorais mais amplas, as conquistas que preservamos e aquelas que conseguimos incluir nesse processo. O que se discute agora não é a cota, mas a efetivação da cota. Nesse contexto, esse é o momento para pensamos nas regras do jogo e nos ganhos normativos que tivemos. Então, agora é a hora da força e da organização das mulheres nos partidos políticos. As adversidades regionais também precisam ser pensadas e a interferência dos órgãos partidários e secretarias pode ser muito relevante”, concluiu.
Juliet Matos, representante do Fórum Mulheres de Partido, avaliou que não basta que as mulheres entrem na política, elas precisam de uma rede de apoio dentro dos partidos, que devem ser penalizados ao descumprirem qualquer determinação legal envolvendo ações afirmativas.
Leia também: Anistia a partidos que descumprem cotas prejudica candidaturas femininas, dizem especialistas
Ascom - Secretaria da Mulher
Reportagem: Sabrina Brito
Edição: Izabel Machado