Os 4 Rs

Os catadores da cooperativa de reciclagem que nos visitam esta manhã são humanidade pura. Cem por cento gente. Altamente recomendados pela Organização Mundial de Saúde.


Janilson é diretor-presidente, motorista, ajudante de serviços gerais, apartador de brigas e técnico de futebol. Trabalha o dia inteiro e, à noite, aprende a ler. Adora a palavra “cidadania”. Sempre foi empreendedor: assim que chegou a Brasília, adquiriu o primeiro cavalo — carinhosamente batizado de César Sampaio, em homenagem ao ídolo — e construiu a primeira carroça. Aos poucos, foi aumentando e terceirizando a frota equina, até não precisar mais trabalhar na rua. Hoje, tem carro. Sua maior revolta é a desclassificação do time da cooperativa no último campeonato da segunda divisão brasiliense.


Cícero tem a mesma idade de Brasília. Baiano trabalhador, para desmentir a má fama dos conterrâneos. Vaidoso e falante, tem muita história pra contar de hoje pra ontem. Foi garrafeiro, andou de carroça pelo país, derrubou árvore com motosserra. Os colegas dizem que é hiperativo: além de fiscal, é mecânico, bombeiro hidráulico, eletricista, marceneiro, técnico em computador e o que precisar. Nas horas vagas, ao som de Chitãozinho & Xororó, monta e desmonta o motor do Azulão, o caminhão da cooperativa. Tem orgulho de contribuir para limpar a cidade.


Fátima, diretora e porta-voz da categoria, fala melhor que advogado. Pernambuco, mulher forte, sim senhor. Estudou até a quinta série, mas fez faculdade de perseverança, pós-graduação em coragem e mestrado em dignidade. Tem crédito na praça. Financiou a casa própria na Caixa Econômica, adquiriu computador em 12 vezes nas Casas Bahia. Os olhos umedecem quando lembra o tempo em que catador era ninguém. Gosta de ler uns romancinhos que encontra, principalmente os de final feliz.


Paloma, 18 anos, ainda é uma garotinha, esperando o ônibus da escola, sozinha. Filha e neta de catador, mantém a tradição enquanto termina o segundo grau e aprende informática. Enfrenta o preconceito dos colegas por causa da profissão. Nas sextas à noite, curte a balada de hip-hop no Recanto das Emas, onde mora. Não confirma se tem namorado.


Paloma, Fátima, Cícero e Janilson ensinam humildemente os fundamentos da reciclagem: raça, resistência, respeito, reconstrução.


Que catador é gente eu já sabia. Agora, aprendi que catador é beija-flor.

Luci Afonso