“Hoje os filhos da gente têm cidadania”

A vida já começara difícil, mas ela tinha perseverança e esperança, na certeza de que um dia aquilo iria mudar.  Estudou apenas até a quinta série, quando engravidou. Vieram os filhos, teve que parar de estudar. Vieram as dificuldades, teve que trabalhar, teve que cuidar dos filhos, teve que cuidar da vida.


Trabalhava dia e noite, catando lixo na rua, com toda a família, e dali retirava seu sustento. Certo dia, faminta e exausta, no fim da tarde, carregava nas costas e na cabeça sacos de papelão e papel, em frente a um prédio do Setor Comercial Sul. A fraqueza do corpo não conseguiu segurar o peso do material, que caiu, se esparramando pelo chão, na entrada do prédio. Era o peso de uma dor.

— Mas o que é isso? Que bagunça é essa aqui? — vociferou o porteiro do prédio.
— Ô, moço, desculpa, é meu trabalho.
— Trabalho? Isso é trabalho? Isso é lixo e você vem despejar justo aqui! Não tem mais o que fazer não? Vai trabalhar!
— Moço, eu tô trabalhando. Esse é meu ganha-pão —  explicou, juntando a papelada caída dos sacos estourados. Aproveitava para juntar os cacos de si mesma, de uma mulher trabalhadora cansada da vida que levava, ansiosa por um lugar ao sol, em que pudesse viver bem com seus filhos.
— Sai já daqui. Vai embora e leva essa sujeira!

“Um dia, essa humilhação vai acabar” —  pensava ela.

E acabou mesmo. Tempos depois, com muita lida e persistência, passou a trabalhar na Cortrap (Cooperativa de Reciclagem, Trabalho e Produção), que ajudou a fundar.


Ela conta que tem aparelho celular, um computador, comprado em 12 vezes nas Casas Bahia, e realizou o grande sonho da vida: comprar a casa própria, construída mediante crédito na Caixa Econômica.

Hoje, a pernambucana Fátima Martins conta essa história com lágrima nos olhos e orgulho de quem venceu.

“Hoje estamos bem melhor. Somos reconhecidos e respeitados. Os filhos da gente têm cidadania.”

Isolda Marinho