Texto Base da Consultoria Legislativa

TEXTO BASE DA CONSULTORIA LEGISLATIVA

GILVAN CORREIA DE QUEIROZ FILHO

Consultor Legislativo

Versão em pdf: Maioridade Penal

 

MAIORIDADE PENAL

O que se convencionou denominar de “maioridade penal” diz respeito à idade mínima a partir da qual o jovem pode ser responsabilizado criminalmente, ou seja, ser passível de sofrer sanções como adulto.

Em nosso país, tal idade limítrofe é definida pelo art. 228 da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:

"Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeito às normas da legislação especial."

O debate sobre a diminuição da maioridade penal, ou seja, da idade a partir da qual o menor passa a ser considerado como imputável, de dezoito para, por exemplo, dezesseis anos de idade, vem ganhando cada vez mais volume, sendo também tema que guarda alto grau de polêmica.

Tal redução é defendida com veemência por uns e refutada com igual intensidade por outros.

Vejamos a seguir, então, os principais argumentos contrários e favoráveis a essa alteração do texto constitucional e as proposições sobre o tema em tramitação na Câmara dos Deputados.

 

 

1. OS PRINCIPAIS ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

   Os que argumentam contrariamente à redução da maioridade penal aduzem, inicialmente, que tal alteração seria juridicamente inviável, pois a inimputabilidade dos menores de dezoito anos seria uma garantia individual prevista constitucionalmente, sendo, portanto, uma das chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição Federal de 1988, nos termos do disposto no seu art. 60, § 4º, III, que institui regra segundo a qual não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.

Assinalam, para tanto, que os direitos e garantias fundamentais não estão limitados aos arrolados no art. 5º da Lei Maior, conforme inclusive decisões do Supremo Tribunal Federal, que já determinou que princípios não constantes do referido dispositivo podem representar garantias fundamentais (por exemplo: ADI nº 3685 e RE nº 633703/MG).

E adicionam que a Constituição se coaduna com o art. 1º da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, que prevê proteção especial para os menores de dezoito anos. Acrescentam, ainda, que o tratado internacional Pacto de São José da Costa Rica, o qual promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1989, ao qual o Brasil aderiu, impede também qualquer alteração do texto constitucional brasileiro.

No tocante às alegações de que o jovem atualmente possui um acesso mais amplo à informação, defendem que isso não alteraria sua característica de adolescente e que uma maior quantidade de informações não significa automaticamente maior maturidade, principalmente pela enorme quantidade de mensagens com valores contraditórios ofertadas.

Em relação às responsabilidades adquiridas pelos jovens, como o voto aos dezesseis anos, pregam que o mesmo é facultativo e que a questão de fixação de idade determinada para o exercício de certos atos da cidadania decorreria de uma decisão política, sem qualquer relação com a maioridade penal.

Salientam, ainda, que, quando necessário, os menores infratores podem ser punidos até mesmo com internação, ou seja, privação de liberdade, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas que tais penalizações devem ter um propósito primordialmente educacional.

E, além disso, acrescentam que a mera colocação de menores em estabelecimentos prisionais para adultos, verdadeiras “escolas do crime”, seria contraproducente, pois corromperia os adolescentes, aumentando, por si só, a criminalidade.

 

2. OS PRINCIPAIS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Os que defendem tal redução, em resumo, assinalam que a violência praticada por menores de idade vem recrudescendo e que os jovens da atualidade já possuem um alto grau de discernimento sobre o que seria certo ou errado, motivo pelo qual deveriam responder criminalmente por seus atos.

Argumentam que a opção do legislador brasileiro pelo início da imputabilidade penal aos dezoito anos foi exercida em uma outra realidade, na qual os jovens não possuíam acesso à informação e os costumes eram bastante distintos. Atualmente, porém, a televisão, a internet e tantos outros meios de comunicação, com a facilidade de acesso que lhes é inerente, permitem ao adolescente amadurecimento mais precoce, o que possibilitaria a redução da imputabilidade penal.

Afinal, já se reconhece a capacidade de menores de dezoito anos para votar, um adolescente pode trabalhar a partir dos 14 anos e se reduziu também a idade necessária para o exercício da capacidade civil, fazendo com que o jovem possa tomar inúmeras decisões que antes eram a ele vedadas.

E, na verdade, segundo essa corrente, a legislação pátria adotou um critério puramente biológico para a definição da imputabilidade, que ocorre em virtude de uma presunção legal de que os menores de dezoito anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita compreender a prática de um crime, o que, inclusive, é aplicado de forma diversa em inúmeros países, como Alemanha, Suécia, Itália, França, Inglaterra e Estados Unidos, entre inúmeros outros, nos quais o início da imputabilidade penal ocorre em idade mais tenra, que pode variar entre dez a dezessete anos, dependendo da decisão política tomada segundo a cultura e as circunstâncias locais.

Sobre a compatibilidade constitucional de tal alteração, sustentam que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 60, § 4º, dispõe não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais.

Esses direitos e garantias, por sua vez, estão contemplados no art. 5º da CF e entre estes não se encontra nenhum que trate da inimputabilidade do menor de dezoito anos que, na verdade, está inserida no capítulo que versa sobre a família, a criança, adolescente e idoso, temas que podem evoluir de acordo com as mudanças dos valores da sociedade.

Assim, portanto não haveria que se falar em cláusula pétrea na hipótese em apreço.

Quanto à alegada incompatibilidade com tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário, argumentam que a Convenção sobre os Direitos da Criança, da Assembleia-Geral da ONU, e o Pacto de São José da Costa Rica, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao contrário do que alegam os defensores da manutenção do texto constitucional, em nenhum momento prescrevem que a maioridade penal deva ocorrer apenas a partir dos dezoito anos.

E, finalmente, clamam contra o fim da sensação de impunidade que faz com que grande parte da população brasileira se sinta refém de menores violentos que agem sob a proteção do manto da inimputabilidade penal.

 

3. PROPOSIÇÕES EM TRAMITAÇÃO RELACIONADAS AO TEMA

PEC nº 171, de 1993, do Deputado Benedito Domingos – que altera a redação do artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, à qual se encontram apensadas trinta e duas outras proposições:

PEC n° 37, de 1995, do Deputado Telmo Kirst e outros – que altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 91, de 1995, do Deputado Aracely de Paula e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar os menores de dezesseis anos penalmente inimputáveis;

PEC n° 386, de 1996, do Deputado Pedrinho Abrão e outros – modifica o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos;

PEC n° 426, de 1996, da Deputada Nair Xavier Lobo e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 301, de 1996, do Deputado Jair Bolsonaro e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 531, de 1997, do Deputado Feu Rosa e outros – altera a redação do artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 68, de 1999, do Deputado Luiz Antônio Fleury e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 133, de 1999, do Deputado Ricardo Izar e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, que trata da inimputabilidade penal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 150, de 1999, do Deputado Marçal Filho e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 167, de 1999, do Deputado Ronaldo Vasconcelos e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 169, de 1999, do Deputado Nelo Rodolfo e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de quatorze anos;

PEC n° 633, de 1999, do Deputado Osório Adriano e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 260, de 2000, do Deputado Pompeo de Mattos e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, estabelecendo a maioridade aos dezoito anos, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezessete anos;

PEC n° 321, de 2001, do Deputado Alberto Fraga e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal que versa sobre a menoridade penal, para remeter a lei ordinária;

PEC n° 377, de 2001, do Deputado Jorge Tadeu Mudalen e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 582, de 2002, do Deputado Odelmo Leão e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 64, de 2003, do Deputado André Luiz e outros – acrescenta o Parágrafo Único ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos;

PEC n° 179, de 2003, do Deputado Wladimir Costa e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 302, de 2004, do Deputado Almir Moura e outros – dá nova redação ao artigo 228, da Constituição Federal e tornando relativa a imputabilidade penal dos dezesseis aos dezoito anos, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos;

PEC n° 242, de 2004, do Deputado Nelson Marquezelli e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de quatorze anos;

PEC n° 272, de 2004, do Deputado Pedro Corrêa e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 345, de 2004, do Deputado Silas Brasileiro e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de doze anos;

PEC n° 489, de 2005, do Deputado Medeiros e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos;

PEC n° 48, de 2007, do Deputado Rogério Lisboa e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos;

PEC n° 73, de 2007, do Deputado Alfredo Kaefer e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos;

PEC n° 87, de 2007, do Deputado Rodrigo de Castro e outros – considera penalmente imputáveis os menores de dezoito anos caso que especifica;

PEC n° 85, de 2007, do Deputado Onyx Lorenzoni e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos;

PEC n° 125, de 2007, do Deputado Fernando de Fabinho e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente inimputáveis as crianças;

PEC n° 399, de 2009, do Deputado Paulo Roberto e outros – dá nova redação ao artigo 228 da Constituição Federal tornando relativa a imputabilidade penal dos 14 aos 18 anos para crimes praticados com violência ou grave ameaça a integridade das pessoas, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos;

PEC n° 57, de 2011, do Deputado André Moura e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal, para tornar penalmente imputáveis os maiores de dezesseis anos;

PEC n° 223, de 2012, do deputado Onofre Santo Agostini e outros – dispõe sobre alteração do artigo 228 da Constituição Federal, propondo a redução da maioridade penal, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos

PEC n° 228, de 2012, da Deputada Keiko Ota e outros – altera o artigo 228 da Constituição Federal para reduzir a idade prevista para imputabilidade penal nas condições que estabelece, para tornar penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos;

 

4. A TRAMITAÇÃO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

 As propostas acima transcritas estão em fase de apreciação de sua admissibilidade, ou seja, da possibilidade de tramitação em face do art. 60 da Constituição Federal, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, nos termos prescritos nos artigos 201 e 202 do Regimento Interno.

Se inadmitida a proposta, poderá o Autor, com o apoiamento de Líderes que representem, no mínimo, um terço dos Deputados, requerer a apreciação preliminar em Plenário. Se admitida, o Presidente designará Comissão Especial para o exame do mérito da proposição, a qual terá o prazo de quarenta sessões, a partir de sua constituição para proferir parecer.

A proposta será submetida a dois turnos de discussão e votação, sendo aprovada se obtiver, em ambos os turnos, três quintos dos votos dos membros da Câmara dos Deputados, em votação nominal, sendo, nesta hipótese, enviada ao Senado Federal para apreciação.

Brasília, 13 de junho de 2013.

GILVAN CORREIA DE QUEIROZ FILHO

Consultor Legislativo