Vamos fazer o vermelho ficar rosa
Simone de Beauvoir, filósofa francesa que despertou a ira da ala conservadora ao ter um pensamento citado numa das questões do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), escreveu que “é horrível assistir à agonia de uma esperança”. Após analisar o “Mapa da Violência 2015 - Homicídio de Mulheres no Brasil”, que reúne dados oficiais municipais, estaduais e nacionais sobre mortes femininas no país, cheguei à conclusão de que é ainda pior ruminar essa ansiedade sem lutar para que nossos sonhos de igualdade e justiça social se tornem realidade.
Segundo o estudo elaborado pelo argentino Julio Jacobo Waiselfisz, mais de 106 mil mulheres foram assassinadas no país entre 1980 e 2013, último ano levado em conta no levantamento, quando foi registrada uma média de 13 homicídios por dia. Jovens, negras e que vivem na periferia de pequenas, médias e grandes cidades são as principais vítimas de algozes que, na maioria das vezes, estão sob o mesmo teto e dividem a mesma cama – de acordo com a publicação, 50,3% dos crimes são cometidos por familiares, sendo que 33,2% dos homicidas são companheiros ou ex-parceiros.
O trabalho publicado na última segunda-feira corrobora nossos dilemas sociais e ratifica a necessidade urgente de nos armarmos em quatro grandes frentes para o enfrentamento desse gravíssimo problema. Avançamos muito nas últimas décadas, mas ainda há muito o que fazer. Para trocar o vermelho do mapa pelo rosa, temos de continuar trabalhando na ampliação de políticas públicas em defesa das mulheres, zelar pelo pleno cumprimento de leis fundamentais como a Maria da Penha e a do feminicídio (lei 13.104/2015), que classifica como hediondos crimes determinados pelo gênero, lutar por um ensino universal de qualidade com incorporação de valores humanitários, além de aumentar nossa participação na tomada de decisões.
Em meus encontros com lideranças comunitárias e políticas nos quatro cantos do Estado de São Paulo, tenho reforçado a necessidade de aumentarmos nossa relevância em todos os segmentos da sociedade brasileira, seja nas cidades, nas unidades da federação ou em Brasília. Precisamos de mais vereadoras, prefeitas, governadoras, deputadas, senadoras, presidentas da República e mulheres ocupando cargos de direção em grandes empresas. Só assim reduziremos essa desproporção que nos rotula e nos sugere o papel de coadjuvantes no curso da história.
No entanto, muito mais importante do que a reflexão, a situação exige medidas urgentes e eficazes. Não podemos testemunhar esse massacre, à espera da próxima vítima no noticiário policial. Recentemente, me encontrei com a ministra de Políticas Públicas para as Mulheres, Eleonora Menicucci, a quem pedi a instalação da Casa da Mulher Brasileira nas cidades de São Paulo e Campinas.
O programa, coordenado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, tem como objetivo facilitar o acesso a serviços especializados para garantir condições de enfrentamento da violência doméstica. Em um único espaço, a Casa da Mulher reúne serviços como delegacia especializada, assistência às vítimas, acolhimento, atendimento psicossocial e Defensoria Pública
No livro “O Segundo Sexo”, ensaio pioneiro sobre a condição da mulher contemporânea, Simone de Beauvoir afirma que “é pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem”. A validação empírica do pensamento sugere que continuemos trabalhando e reivindicando todos os nossos direitos. Vamos à luta!
Ana Perugini é deputada federal pelo PT, integrante das comissões de Educação, Licitações, Minas e Energia e da Crise Hídrica. É também coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa da Implantação do Plano Nacional de Educação (PNE) no Estado de São Paulo