Também é violência

30/11/2017 16h04

 

A violência que fere e mata as mulheres de nosso país são inúmeras. A Lei Maria da Penha a relacionou como agressões física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Contudo, pouco se fala na aparente violência dos poderes constituídos contra elas. Esta, gravíssima, faz das instituições que deveriam prevenir e proteger, verdadeiros algozes.
São agressões o fim de orçamentos estratégicos em saúde, educação e o combate à violência contra a mulher, além da exclusão delas do poder decisório no governo central. Na esteira da violência também vêm a aprovação de leis e emendas constitucionais que retiram direitos das mulheres duramente conquistados.
No período dos “16 Dias de Ativismo Contra a Violência de Gênero” é impossível não rememorar as perdas recentes. São os exemplos mais escancarados de como se inaugura uma triste fase de constante violência de Estado contra todas nós.
Na reforma da Previdência, o aumento da idade mínima para as mulheres se aposentarem é cruel. Essa reforma instaura uma violência direta para a maior parcela da sociedade que, após décadas de lutas, ainda amarga salários menores, tripla jornada e as inúmeras barreiras de acesso ao mercado de trabalho. O aumento da carência de 15 para 25 anos de contribuição exigida pela reforma é um absurdo. Se analisar categorias como a de trabalhadores domésticos, majoritariamente ocupado por mulheres, perceberá o estrago. Se hoje elas dificilmente se aposentam, imagina com a reforma?
No caso da reforma trabalhista é difícil acreditar que, em pleno século 21, abre-se a possibilidade para que grávidas e lactantes exerçam suas atividades em locais insalubres. Um desrespeito e uma verdadeira agressão à saúde das mulheres e de seus filhos. E em casos como o trabalho intermitente, o impacto é inigualável. Da forma que se aprovou, a contribuição previdenciária pode ter lacunas contributivas que impeçam a mulher de ter o direito ao salário maternidade.
Junto disto, a burocracia ainda resistente contribui para maltratar e violentar. Ocorre quando a vítima de estupro procura os serviços de saúde para garantir seu legítimo direito ao aborto legal e enfrenta imensa dificuldade ou quando enfrenta uma justiça lenta e cega para punir seu agressor. Dá-se, muitas das vezes, quando o Estado lhe nega a garantia de vaga numa creche para seus filhos pequenos. E por aí vai.
Não fosse suficiente, ainda assistimos uma turba fundamentalista ávida em fazer prevalecer seu conceito de família. Ao tentar desfigurar a PEC 181/2015, que tratava de estender a licença maternidade nos casos de parto prematuro, a “bancada” de 18 homens engravatados se arrogou em falar por 100 milhões de mulheres e sem consultá-las. Com uma mudança no texto, o grupo quer impedir as mulheres vítimas de estupro ou as que correm risco de vida em decorrência da gravidez de realizarem o aborto legal previsto no Código Penal desde 1940.
Não nos enganemos: não pararão por aí. A violência de Estado não será interrompida enquanto não for restabelecida a normalidade democrática. Não cessará sem luta. E nossas vozes não calarão.
Médica, deputada federal (PCdoB/RJ) 
e vice-líder da oposição