Senado aprova projeto que protege integridade da vítima em julgamentos de crimes sexuais
O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (27/10) projeto de lei que protege vítimas de crimes sexuais de atos contra a sua integridade durante o processo judicial. O PL 5096/2020, de autoria da deputada Lídice da Mata (PSB-BA), 2ª procuradora adjunta da Mulher, com mais 25 assinaturas, não foi modificado e agora segue para a sanção presidencial.
A votação fez parte de uma pauta dedicada exclusivamente às proposições da bancada feminina do Senado, para marcar o encerramento do Outubro Rosa. O PL 5096/2020 altera o Código de Processo Penal, incluindo dispositivos que exigem o zelo de todas as partes envolvidas no processo pela integridade física e psicológica e pela dignidade da pessoa que denuncia o crime sexual. O desrespeito a esses princípios poderá justificar responsabilização civil, penal e administrativa. Caberá ao juiz do caso fazer cumprir a medida.
Durante as fases de instrução e julgamento do processo, ficam vedadas a manifestação sobre fatos relativos à pessoa denunciante que não constem dos autos e o uso de linguagem, informações ou material que sejam ofensivos à dignidade dela ou de testemunhas. Essas normas também entram na Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099, de 1995).
Além disso, o projeto eleva a pena para o crime de coação no curso do processo, que já existe no Código Penal. O ato é definido como o uso de violência ou grave ameaça contra os envolvidos em processo judicial para favorecer interesse próprio ou alheio, e recebe punição de um a quatro anos de reclusão, além de multa. Essa pena fica sujeita ao acréscimo de um terço em casos de crimes sexuais.
Justificativa - O projeto foi inspirado no caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, que denunciou ter sido dopada e estuprada durante uma festa em Santa Catarina, em 2018. Durante o julgamento, a defesa do acusado fez várias menções à vida pessoal de Mariana, inclusive se valendo de fotografias íntimas. Segundo ela, as fotos foram forjadas. O réu foi inocentado por falta de provas.
"Na época, o Brasil assistiu a tortura que foi a fase instrucional do julgamento do empresário André Aranha, acusado de estuprar a modelo. Chegou a ser divulgado que o acusado cometeu “estupro sem a intenção de estuprar”. A vítima foi duramente humilhada pelo advogado do empresário, que, inclusive, mostrou fotos sensuais e afirmou que 'jamais teria uma filha do nível de Mariana', além de definir as fotos como 'ginecológicas'. Até o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instaurou procedimento para investigar a conduta do magistrado e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) oficiou o advogado para prestar esclarecimentos. Não se pode permitir que, em função de um rito de julgamento ou qualquer fase processual, a vítima sofra violência psicológica. O juiz e o promotor se omitiram e o advogado de defesa do réu ofendeu diversas vezes a honra da vítima, tentando desqualificá-la”, lamentou a autora do projeto.
Para Lídice, o acontecimento serve de reflexão se o Poder Judiciário está preparado para cuidar de mulheres vítimas de violência. “A justiça deve ser local de acolhimento para a mulher e não de tortura psicológica. A vítima precisa sentir segurança para procurar ajuda das autoridades públicas. Casos como o de Mariana certamente desestimulam outras vítimas a denunciar agressores”, afirmou.
No Senado, a relatora e líder da bancada feminina, Simone Tebet, explicou que a medida tenta proteger as denunciantes de crimes sexuais da chamada “vitimização secundária”, que é o dano adicional - principalmente psicológico - que pode ser causado às vítimas durante a apuração do crime. Para a senadora, o caso de Mariana Ferrer foi um exemplo de má condução do processo por parte das autoridades, incluindo os representantes de Mariana. "O juiz, o promotor e o defensor não tiveram a capacidade de defender uma menina de 23 anos que estava sendo humilhada. Aqui eu faço um apelo à magistratura: que não silencie diante de um caso deste".
Outras senadoras também se manifestaram durante a votação: Zenaide Maia (PROS-RN) disse que o julgamento do caso mostra como as mulheres podem ser intimidadas a não levar adiante suas denúncias. "Essa é uma maneira de intimidar. Quer dizer que ela poderia ter ficado calada. Isso é um péssimo exemplo, que faz, muitas vezes, as vítimas não prestarem queixa, já com medo. Principalmente se o agressor for alguém que seja rico ou que tenha uma influência grande". A senadora Rose de Freitas também censurou a condução do processo que motivou a apresentação do projeto de lei, mas disse acreditar que a aprovação do texto é um passo na direção de recuperar a justiça para as mulheres: "Durante aquela audiência, as manifestações sobre os fatos foram passíveis de contestação nacional. Usaram linguagem ofensiva, se valeram de informações que ninguém sabe se são verdadeiras. Ofenderam a dignidade da vítima, que estava ali exposta à humilhação", lamentou.
Violência institucional - Também com foco no combate à violência institucional, a deputada Soraya Santos (PL-RJ), em conjunto com as deputadas Flávia Arruda (PL-DF), Margarete Coelho (PP-PI), Rose Modesto (PSDB-MS), Tábata Amaral (PSB-SP) e o deputado Wolney Queiroz (PDT-PE), apresentou o PL 5091/2020 que criminaliza esse tipo de abuso, com pena de três meses a um ano de detenção.. Durante a votação desta quinta, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) manifestou apoio ao projeto aprovado e pediu urgência na tramitação da proposta da deputada Soraya, afirmando que a defesa dos direitos das mulheres também cabe aos homens, que devem “se educar”.
Confira a lista de autores e autoras do PL 5096/2020.
28/10/2021 - Ascom - Secretaria da Mulher, com informações da Agência Senado