Parlamentares e pesquisadoras de seis países debatem reforma política com Bancada Feminina
Encontro Internacional Parlamentar promovido no dia 28 de maio pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados reuniu deputadas brasileiras, pesquisadoras e parlamentares de seis países (Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Uruguai e Suécia) para debater as experiências de modelos de sistema eleitoral e aplicação de cotas femininas. Elas defenderam mecanismos de paridade e ações afirmativas nas eleições legislativas e reafirmaram a preocupação com a desigualdade na representação feminina nos Parlamentos.
O debate foi sugerido pela Bancada Feminina em reunião realizada em 18 de maio, como parte das ações para subsidiar o parecer da Proposta de Emenda Constitucional da reforma eleitoral brasileira (PEC 125/11), que deve ser votada pelo Congresso até outubro para valer nas eleições de 2022, e que tem como relatora na Comissão Especial a deputada Renata Abreu (Podemos-SP).
Com mediação das deputadas Professora Rosa Neide (PT-MT), 2ª Coordenadora-Adjunta da Bancada Feminina, e Lídice da Mata (PSB-BA), 2ª Procuradora-Adjunta, o Encontro contou com a participação das deputadas Tereza Nelma (PSDB-AL), Procuradora da Mulher; Maria do Rosário (PT-RS), Erika Kokay (PT-DF), Carmem Zanotto (Cidadania-SC), Elcione Barbalho (MDB-PA), Liziane Bayer (PSB-RS) e Ângela Amim (PP-SC), e também dos deputados Reginaldo Lopes (PT-MG) e Waldenor Pereira (PT-BA).
Como convidadas, participaram Ana Claudia Jaquetto, representante da ONU Mulheres Brasil; a deputada argentina Cristina Britez; a senadora boliviana Andrea Barrientos; a deputada Bettiana Diaz Rey, do Uruguai; Nielsen Pérez, deputada da Costa Rica; Claudia Mix, deputada chilena; e a pesquisadora sueca Drude Dahlerup, autora e especialista em cotas de gênero.
Observatório da Mulher - A deputada Professora Rosa Neide destacou a importância da representação feminina para uma sociedade mais justa e igualitária. "Somos mulheres que estamos aqui pelo voto popular representando outras mulheres. Queremos uma sociedade justa, inclusiva, na qual nossos filhos e filhas escrevam histórias como a que nós registramos em nossas legislações. Somos iguais perante a lei, e queremos ser iguais na vida partilhada no nosso dia-a-dia."
Ainda durante o encontro, a deputada Professora Rosa Neide informou que a Secretaria da Mulher está implantando um Observatório da Mulher que terá atuação em três eixos: violência política contra a mulher, atuação parlamentar e representatividade e atuação partidária e processos eleitorais. “Daí a importância de ouvirmos a experiência internacional, para buscar avançar em nossa legislação, que garante apenas cota de 30% de mulheres para candidaturas”, disse.
Brasil - O atual sistema eleitoral brasileiro é proporcional para a Câmara dos Deputados e Legislativos estaduais e municipais; e sistema majoritário para o Senado Federal e Poder Executivo, com possibilidade de eleição em dois turnos para municípios com mais de 200 mil habitantes. A reserva de cadeiras para mulheres na Câmara dos Deputados está entre as inovações discutidas pela comissão especial que analisa a PEC. "É como se tivéssemos duas eleições: uma para cadeiras masculinas e outra para femininas", observou a deputada Lídice da Mata. Atualmente, apenas 78 dos 513 deputados são mulheres, o que equivale a 15,2%.
“Hoje, compomos 30% das listas partidárias, temos acesso a 30% dos recursos para financiamento público de campanhas e 30% do tempo de rádio e televisão, mas ainda somos apenas 15% de parlamentares eleitas e tivemos, em 2020, quase mil municípios que não elegeram nenhuma vereadora”, disse Lídice. Ela considera o financiamento eleitoral um instrumento fundamental para proporcionar maior paridade na representação política que, segundo a deputada, caminha "a passos de tartaruga".
"A eleição de uma mulher valer duas vezes o fundo eleitoral pode ser revolucionária", sugeriu. Ela elogiou as sugestões das parlamentares latino-americanas: "Saímos da discussão de quotas de gênero para uma discussão de paridade e participação alternada em diversos organismos de poder."
No entanto, Lídice ponderou que o sistema brasileiro apresenta maiores dificuldades, em relação aos outros países, por apresentar uma lista aberta de candidatos. Nos sistemas de lista fechada, foi possível introduzir um mecanismo de alternância entre homens e mulheres na relação dos candidatos. Para a deputada, a lista fechada, com alternância de candidatos homens e mulheres, dificilmente seria admitida no Brasil.
Lídice também rejeitou os argumentos sobre o desinteresse das mulheres por política. "A mulher não quer participar da política porque não vê a possibilidade de se eleger", contrapôs. Ela também considera fundamental introduzir regras para favorecer a participação de mulheres negras e indígenas no Parlamento. "Pela primeira vez, quota tem que também significar a inclusão de mulheres negras e indígenas."
A Procuradora da Mulher, deputada Tereza Nelma, destacou a importância do debate com parlamentares de outros países latino-americanos para a definição das regras eleitorais para 2022 e de uma estratégia para o crescimento da bancada feminina. "Precisamos conversar e conviver mais para nos entender mais. Precisamos do trabalho conjunto. Precisamos conversar sobre a violência política no Parlamento e estar juntas", disse.
Para a deputada Carmem Zanotto, é importante ampliar a representação das mulheres no Brasil, não só na Câmara e no Senado, mas, também, nas Assembleias Estaduais, Câmaras Municipais e Poderes Executivos: “Renovamos a esperança de ampliar a participação nas eleições do próximo ano e garantir a representação feminina em todos os estados”, declarou.
A deputada Érika Kokay destacou a importância da luta pela equidade de gênero, dos direitos humanos e da representatividade da mulher na política: “Quando se enfrenta a sub-representação feminina na política, também se está enfrentando as causas de processos que estabeleceram uma construção de gênero onde não há poder decisório da mulher, nem de desenvolvimento da sociedade. É essencial estimular as mulheres a ocuparem seus espaços para a construção de uma sociedade mais democrática”.
Tratados internacionais - Representando a ONU Mulheres Brasil, Ana Claudia Jaquetto lembrou que a participação política das mulheres está prevista em tratados e convenções internacionais, que o Brasil integra, e que dispõem sobre a remoção de barreiras à participação política feminina. Segundo ela, o Brasil ocupa o 133º lugar no ranking internacional de participação feminina no Parlamento.
A representante da ONU informou que a média de reserva de cadeiras para mulheres em todo o mundo está em torno de 15%. Nesse sentido, a ONU e o PNUD lançaram, em 2014, o Programa Atenea, que busca gerar mudanças mais sustentáveis para alcançar a paridade de gênero na esfera política em países da América Latina e do Caribe.
Para Ana Claudia, é fundamental a adoção de mecanismos que garantam o avanço gradual do percentual reservado para mulheres, além de fiscalizar o cumprimento da cota de recursos financeiros nas campanhas e a inclusão de mulheres negras, indígenas, trans e com deficiência nos processos eleitorais.
Argentina - Pelo Parlamento Argentino, a deputada Cristina Britez mencionou os mais de 30 anos de luta legislativa das argentinas pela igualdade de participação das mulheres, que representam 42,4% da Câmara Baixa e 40,3% do Senado daquele país. Cristina Britez reclamou que os partidos políticos só respeitam os direitos das mulheres quando há sanções da Justiça. "A inclusão das mulheres permitiu ampliar a agenda política e incorporar perspectivas sociais no Legislativo", destacou. A Argentina tem listas eleitorais fechadas que intercalam homens e mulheres. "As normas eleitorais paritárias mudaram o paradigma de paridade de gênero", comemorou.
Bolívia - As mulheres bolivianas ocupam 46,2% das cadeiras da Câmara Baixa e 55,6% do Senado. A senadora da Bolívia Andrea Barrientos apontou para a necessidade de conciliar o debate parlamentar com ações educativas. "O sistema é machista", criticou. Apesar dos avanços da Bolívia na paridade no Legislativo, ela lamentou que falta igualdade nos órgãos do Executivo e do Judiciário. "Nos ministérios há poucas mulheres e nenhuma mulher com cargo de governadora. O avanço paritário deve alcançar os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário."
Chile - O Chile conta atualmente com 22,6% de deputadas mulheres e 27,9% de senadoras. No entanto, a população elegeu neste ano mais mulheres do que homens para a Assembleia Constituinte. Por causa da regra de igualdade de gênero na Assembleia Constituinte, a primeira do tipo, 11 das 81 mulheres eleitas terão de ceder as vagas para candidatos homens para assegurar o equilíbrio na representação.
A deputada chilena Claudia Mix afirmou que a conquista se deve aos movimentos sociais recentes no Chile, que exigem maior participação e representatividade. "As manifestações colocaram a necessidade de paridade de gênero, que veio para ficar", apontou. "Não queremos mais quotas. Queremos paridade de gênero e espaços reservados no Parlamento, e todos os espaços coletivos de representatividade, para que haja grande participação da mulher, de grupos vulneráveis e povos indígenas."
Costa Rica - A Assembleia Legislativa da Costa Rica conta com 45,6% de representantes mulheres. A deputada costa-riquenha Nielsen Pérez observou que as quotas não funcionavam no seu país, porque os partidos colocavam as mulheres para concorrer a cargos em lugares com a menor possibilidade de se eleger.
"Conseguimos evoluir com a mudança do sistema de quotas para paridade de gênero", apontou. Os partidos estão obrigados a garantir a paridade e alternância em todos os cargos, não apenas em listas eleitorais, como também dentro dos órgãos e da estrutura partidária e em iniciativas de capacitação. "Se os partidos não cumprem a paridade, não podem inscrever os candidatos no órgão eleitoral", observou.
Nielsen Pérez também cobrou consciência de gênero das mulheres que chegam ao poder. "Estou aqui por causa das mulheres que lutaram antes de mim. Trabalho para que as mulheres de hoje e de amanhã tenham todos os direitos e ocupem todos os espaços de decisão", observou.
Uruguai - As uruguaias compõem 24,2% da Câmara Baixa e 32,3% do Senado. A deputada do Uruguai Bettiana Diaz Rey lamentou a centralização do sistema eleitoral de seu país, que conta com partidos fortes e tem resistência a mudanças. "O financiamento eleitoral é do partido, não é individualizado", reclamou. "O principal obstáculo para chegar à representação são as organizações políticas", completou.
Bettiana se queixou particularmente das dificuldades impostas às mulheres mais jovens, que estão na idade reprodutiva. "Quando as mulheres são jovens, as exigências são muito maiores. Por causa das organizações políticas, as mulheres deixam a política e a militância. Só voltam quando já criaram os filhos."
Aumento do protagonismo feminino - A pesquisadora sueca Drude Dahlerup, especialista em cotas femininas, ressaltou o protagonismo da luta das mulheres latino-americanas, por mais representação nos Parlamentos e nos espaços de poder. Segundo ela, em 1997 os Parlamentos em todo o mundo contavam com 11,7% de mulheres e, atualmente, são 25,6%. Entretanto, “nas Américas esse índice chega a 32,2%. E é na América Latina que a participação das mulheres tem crescido. Há países na América Latina com mais de 40% de mulheres no Parlamento, o que é impressionante”, ressaltou.
Drude citou como positivo os exemplos da Nicarágua, Bolívia, México, Argentina e Costa Rica que aprovaram a paridade de gênero nas listas de candidaturas dos partidos. De acordo com a pesquisadora, o avanço da participação das mulheres nos Parlamentos se deve à paridade, mas também à igualdade de condições e financiamento justo para as disputas.
Ao final do Encontro, a deputada Professora Rosa Neide agradeceu as conferencistas estrangeiras e afirmou que o debate irá contribuir com a proposta de mudança na legislação eleitoral brasileira: “Tenho certeza que as experiências que ouvimos contribuirão com o relatório da deputada Renata Abreu. Nossa luta é pela aprovação de regras eleitorais que garantam o aumento da participação das mulheres brasileiras na Câmara, no Senado, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais e em todos os espaços de poder”, destacou Rosa Neide.
O evento contou com tradução simultânea em espanhol, a cargo de Laís Aguiar e Carolina de Leon, e em inglês, com a colaboração de Juliana Sobreira, Quim Vasconcelos e Mariana Montenegro.
Reveja o debate aqui!
Ascom com Agência Câmara de Notícias