Nos 16 anos da Lei Maria da Penha, procuradora da Mulher cobra efetiva implantação da norma
Foto: Elaine Menke - Câmara do Deputados
Procuradora Tereza Nelma e Beatriz Accioly, do Instituto Avon
A procuradora da Mulher na Câmara, deputada Tereza Nelma (PSD-AL), cobrou do governo a efetiva implantação da Lei Maria da Penha em audiência pública nesta quarta-feira (24) sobre os 16 anos da norma, completados em agosto. Promovido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, em parceria com a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, o debate atendeu a requerimento de Tereza Nelma e da deputada Vivi Reis (Psol-PA).
Entre os problemas para a implementação da lei, a procuradora da Mulher citou a existência de apenas 145 varas exclusivas de violência doméstica no País, conforme mostram dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2021. “Um país que tem 5.570 municípios, como vai combater essa violência só com 145 varas judiciais especializadas em mulher?”, questionou.
Para a deputada, é preciso não apenas aumentar o número de varas especializadas, como a implementação efetiva das medidas protetivas previstas na lei e a construção de políticas públicas integradas de gênero e raça, além da garantia de orçamento para essas políticas.
A parlamentar ressaltou que a violência contra a mulher tem caráter epidêmico no País e está aumentando. Ela citou dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo os quais o Brasil é o quinto país com maior taxa de feminicídio entre 84 nações pesquisadas. “A cada duas horas uma mulher é assassinada no Brasil, a maior parte delas vítimas de pessoas com quem privam a intimidade, com quem partilham a vida afetiva e sexual dentro do próprio lar”, salientou.
Tereza Nelma acrescentou que a disparidade salarial, a subocupação, a dupla jornada de trabalho e a desvalorização do trabalho doméstico também são formas de violência contra a mulher, além da violência política.
Visão do governo - Representante da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Leila Brant Assaf destacou que 70% das vítimas de feminicídio sequer procuraram registrar ocorrência ou ingressar na rede de proteção para vítimas de violência contra a mulher. “Precisamos que a mulher confie e busque a proteção do Estado”, salientou. “Um dos maiores desafios da Lei Maria da Penha é que a mulher conheça a rede de proteção que está disponível para ela”, opinou.
Ela observou, porém, que é preciso fortalecer essa rede de proteção, especialmente no interior do Brasil, e concorda que é baixo número de varas especializadas e de delegacias especializadas de atendimento à mulher. De acordo com a representante do governo federal, Acre, Alagoas, Piauí, Sergipe e Santa Catarina possuem apenas uma vara especializada.
Além disso, Leila Assaf chamou a atenção para a falta de capacitação dos profissionais que atendem as vítimas de violência contra a mulher. “A maioria dos cursos de formação dos profissionais de segurança pública não têm formação específica para a violência contra a mulher”, apontou. Conforme ela, a secretaria desenvolve campanhas e cursos de capacitação para os atores da rede de proteção.
Cobrança de responsabilidade - “Nós nos perguntamos de quem será a responsabilidade para essa política pública?”, questionou a deputada Tereza Nelma. “Precisamos imediatamente de uma resposta de execução efetiva”, disse. “Se você fala em delegacias, vou ao Ministério da Justiça, ele diz que é o estado, se eu vou ao estado, ele diz que não tem recursos. Se você fala de vara especializada e eu vou ao CNJ, ele diz que não tem recursos”, ressaltou.
“Quem tem a caneta e o poder de fazer não faz”, completou. “Por que a estrutura governamental não assume nem o seu papel de produzir os dados?”, questionou ainda, observando que os dados existentes são produzidos por entidade não governamental. Para ela, é preciso traçar metas exequíveis para combater o problema, e ela ressaltou que não consegue nem mesmo audiência com o ministro da Justiça.
Execução do orçamento - Respondendo a questionamento apresentado por cidadão pelo portal e-Democracia, a representante do governo disse que o Portal da Transparência mostra apenas 53% de execução do orçamento para políticas para as mulheres, mas o empenho é mais de 90%. Leila Assaf esclareceu que a execução não depende só da vontade do ministério, mas também de trâmites burocráticos, como licitações.
Ela acrescentou que não existe uma base de dados nacional unificada sobre violência contra a mulher, mas apenas uma base nacional de dados do Judiciário. O Congresso Nacional aprovou em 2021 a Lei 14.232/21, que cria a Política Nacional de Dados relacionados à Violência contra as Mulheres.
Representante da ONU Mulheres, Debora Albbu considera fundamental a efetiva execução do orçamento para as políticas públicas de enfrentamento à violência contra a mulher, além do investimento em processos de transformação social, para combater as causas da violência. Segundo ela, isso inclui o combate à fome, a garantia do trabalho decente, a participação política das mulheres e a garantia do direito à terra por populações do campo, quilombolas, indígenas e tradicionais.
Mulheres negras - Debora também frisou que a violência afeta os diferentes grupos de mulheres de forma diversa e está ligada a elementos como raça, etnia, classe, deficiência, território, orientação sexual e identidade de gênero. Por isso, ela defende abordagem interseccional nas políticas públicas para combater o problema.
“Segundo o Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], nos últimos 11 anos a taxa de mortalidade de mulheres negras cresceu de 48,5% para se tornar 65,8% superior à taxa de mortalidade de mulheres não negras. Em 2021, mulheres negras foram 62% das vítimas de feminicídio contra 37,5% das brancas e 70,7% das vítimas de mortes violentas intencionais contra 28,6% das brancas”, citou.
Ela acrescentou ainda que o número de estupros aumentou em 2020, provocado em especial pelo aumento dos estupros de vulneráveis, que representam mais de 75% dos casos. A faixa de 10 a 13 anos é a que mais corre o risco de sofrer estupro.
Falta de dados - Coordenadora de Violência contra Mulheres, Pesquisa e Impacto no Instituto Avon, Beatriz Accioly também chamou a atenção para a falta de dados oficiais de qualidade periódicos, centralizados, produzidos por fontes administrativas – polícias, tribunais, centros de assistência social, abrigos e outros serviços. Para ela, esses dados são essenciais para compreender quais mulheres estão buscando os serviços, quais serviços estão buscando, estimar os custos de cada serviço e para monitorar a qualidade dos serviços prestados, por exemplo. “Nós precisamos saber o que funciona, o que não funciona, o que funciona melhor, de maneira mais efetiva”, esclareceu.
A Lei Maria da Penha já prevê que as estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.
Coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Juliana Martins citou dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que apontam o aumento da violência contra a mulher, a despeito de pequena redução no número de feminicídios. Segundo ela, tem aumentado as agressões, as ameaças, os estupros, as emergências das polícias militares e as medidas protetivas concedidas. Os dados são produzidos pela entidade, que é uma organização sem fins lucrativos.
Fiscalização - Já a juíza de Direito e diretora nacional da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Domitila Manssur, ressaltou que a Lei Maria da Penha vale inclusive para mulheres trans, lembrando que o Brasil é o país do mundo que mais mata pessoas trans. Para ela, as medidas protetivas de urgência, que podem ser concedidas pelos juízes, são o “coração da Lei Maria da Penha”, mas é preciso fiscalizar a aplicação dessas medidas, que podem conter a escalada de violência e evitar o feminicídio.
A juíza também chamou a atenção para a importância de uma das modificações recentes feitas na Lei Maria da Penha, que possibilitou ao juiz determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor (Lei 13.880/19). “Evidentemente a posse de arma de fogo pelo agressor aumenta e muito o risco da mulher vítima de violência”, avaliou.
Para ela, também é preciso trabalhar na implementação de delegacias eletrônicas, que permitem o boletim on-line e a concessão on-line de medidas protetivas de urgência. Ela defendeu ainda a aprovação pelo Congresso Nacional do Estatuto da Vítima (PL 3890/2020), para permitir a reparação integral das vítimas da violência de gênero.
Outras medidas - A deputada Vivi Reis ressaltou que apenas denunciar não é suficiente e que, para sair da situação de violência, as mulheres precisam de empregabilidade, de educação para seus filhos, entre outros pontos já previstos na lei. Para ela, é preciso aprimorar a legislação para garantir a segurança da mulher em seu ambiente de trabalho, além de garantir a aplicação da lei às mulheres que estão distantes do sistema de justiça, como as ribeirinhas e indígenas.
A deputada Erika Kokay (PT-DF), por sua vez, afirmou que todas as formas de violência contra a mulher tipificadas pela Lei Maria da Penha, incluindo as que não deixam marca na pele, como a sexual, a patrimonial e a moral, carregam uma violência psíquica, que é inviabilizada na estrutura sexista. Ela destacou que a Lei Maria da Penha abriu caminho para se reconhecer na legislação outras formas de violência, como a política e a institucional, mas que é preciso que as leis se transformem em realidade.
Fonte: Agência Câmara de Notícias