Direitos humanos podem ficar fora da agenda da Rio+20

A antropóloga Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) que está acompanhando as discussões na ONU sobre o esboço das propostas, acusa o Vaticano de estar pressionando para que tudo o que tenha a ver com direitos da mulher seja retirado do documento que será discutido na Rio+20.
28/03/2012 11h52

Direitos humanos podem ficar fora da agenda da Rio+20

Antropóloga Iara Pietricovsky

*Da Agência Estado

Representantes de organizações da sociedade civil criticaram nesta terça-feira, em entrevista na sede das Nações Unidas, em Nova York, a retirada do tema dos direitos humanos da agenda da Rio+20, a conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável que será realizada em junho. Uma carta foi endereçada ao secretário-geral da Rio+20, o chinês Sha Zukang, expressando preocupação com "uma situação que ameaça gravemente os direitos de todas as pessoas e compromete a relevância das Nações Unidas".

"Surpreendentemente, estamos testemunhando uma tentativa de certos países de enfraquecer, limitar ou mesmo eliminar quase todas as referências a compromissos relacionados aos direitos humanos e a princípios de equidade do texto `O Futuro que Queremos', cuja versão final será o resultado da Rio+20", prossegue o texto.

A antropóloga Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), está acompanhando as discussões na ONU sobre o esboço das propostas. Para ela, a minuta que sucederá o chamado Rascunho Zero "virou um documento Frankenstein, com quase 200 páginas e cheio de colchetes (símbolo usado para indicar discordância)". Iara afirma que a falta de consenso poderá resultar em um retrocesso na Rio+20.

"Os países ricos não querem se comprometer com nada. Existe uma pressão forte dos EUA. Tudo o que se refere a afirmação de direitos e princípios acordados desde a Rio-92 poderá ser deletado", afirma a antropóloga, que acompanha as conferências da ONU desde 1992. "Estamos horrorizados e em choque com o que está acontecendo", afirmou Sascha Gabizon, da ONG Women in Europe for a Common Future, que participou da entrevista na sede das Nações Unidas com Tim Gore, da ONG Oxfam Internacional; Nathalie Rey, do Greenpeace Internacional; Anabella Rosembeg, da Confederação Internacional da União Sindical; e Anil Naidoo, da ONG Council of Canadians.

Iara disse que o Vaticano está pressionando para que tudo o que tenha a ver com direitos da mulher seja retirado do documento que será discutido na Rio+20. Segundo Anil Naidoo, a carta foi apoiada por mais de 500 organizações de 67 países. "Os direitos humanos precisam ser levados em conta se a Rio+20 quiser produzir um documento final legítimo com impactos positivos que todos nós esperamos", afirmou o representante da ONG `Council of Canadians'. Segundo Iara, está se configurando um "caso clássico em que um não acordo é melhor que um mau acordo".

O texto encaminhado a Zukang lembra que "das cinzas da Segunda Guerra Mundial, a humanidade se reuniu para erguer instituições com o objetivo de construir a paz e prosperidade para todos, evitando mais sofrimento e destruição". "A Declaração Universal dos Direitos Humanos espelha essa vontade coletiva, e a Organização das Nações Unidas foi criada para torná-lo realidade. De forma alarmante, essa instituição está agora sendo usada como plataforma para atacar os mesmos direitos que deve proteger, deixando as pessoas sem defesa e colocando a relevância da ONU em jogo".

Na carta, foram lembradas a ausência de referências ao direito à alimentação e nutrição adequadas, ao direito à água potável e limpa e ao saneamento básico, entre outros pontos: "Muitos Estados-membros estão se opondo a um texto que de fato leve os governos a se comprometerem com aquilo que dizem apoiar e com a promoção dos direitos humanos. Isto inclui compromissos dos Estados relacionados a questões financeiras, tecnológicas e outros meios de implementação de iniciativas relacionadas ao desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento".

Por outro lado, prossegue o texto, "há fortes esforços relacionados ao fortalecimento dos investimentos do setor privado e de iniciativas para preencher a lacuna deixada pelo setor público". "Isso leva ao risco da privatização dos bens comuns - como a água - e ameaça o acesso a tais bens, que são fundamentais à garantia dos direitos de todos os cidadãos".

Agência Estado