Câmara aprova projeto que permite educação dos filhos em casa
A Câmara dos Deputados concluiu nesta quinta-feira (19/5) a votação do projeto de lei que regulamenta a prática da educação domiciliar no Brasil, prevendo a obrigação do poder público de zelar pelo adequado desenvolvimento da aprendizagem do estudante. A matéria será enviada ao Senado Federal. O texto aprovado é um substitutivo da deputada Luisa Canziani (PSD-PR) ao Projeto de Lei 3179/2012, do deputado Lincoln Portela (PL-MG). Para usufruir da educação domiciliar (também chamada pelo termo em inglês de homeschooling), o estudante deve estar regularmente matriculado em instituição de ensino, que deverá acompanhar a evolução do aprendizado.
Pelo menos um dos pais ou responsáveis deverá ter escolaridade de nível superior ou em educação profissional tecnológica em curso reconhecido. A comprovação dessa formação deve ser apresentada perante a escola no momento da matrícula, quando também ambos os pais ou responsáveis terão de apresentar certidões criminais da Justiça federal e estadual ou distrital.
Nas votações desta quinta-feira, o Plenário rejeitou todos os destaques apresentados pelos partidos na tentativa de mudar trechos do texto. "O projeto traz uma série de balizas para que possamos assegurar o desenvolvimento pleno dessas crianças. Defender o homeschooling não é lutar contra a escola regular, é defender mais uma opção para as famílias brasileiras", disse Luisa Canziani.
Apoios e críticas - Na bancada feminina, houve críticas e defesas ao projeto. A deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) lembrou que “durante a pandemia, o povo defendia a volta às aulas na maior gritaria de que o estudante só aprende na escola. Agora vejo as mesmas pessoas dizendo que as crianças devem ficar em casa”, afirmou. Para Sâmia Bomfim (Psol-SP) “esse projeto fere de morte o direito à educação. É na sala de aula que se tem capacidade de ter o desenvolvimento cognitivo completo, de socialização, e isso é indispensável para a educação”, opinou a deputada. Joênia Wapichana (Rede-RR) defendeu que “a proposta é bem complexa e fere conceitos e a legislação de diversas áreas, principalmente na educação e na assistência social”. Alice Portugal (PCdoB-BA) afirmou que “o homeschooling tem que ser uma ferramenta disponível para alunos que tenham alguma indicação médica e que tenham famílias itinerantes. Tornar uma modalidade educacional é negar a vivência coletiva na escola”. Para a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), esse será um resultado da votação: “No Dia do Combate à Exploração Infantil, esta é uma mensagem horrível que a Câmara dos Deputados passa. É um projeto que não olha para o trabalho infantil que existe e para a exploração sexual e violência doméstica”, criticou.
Em apoio à proposição, a deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP) considerou que “o homeschooling é um avanço para a educação brasileira e vai equiparar nossa educação com a de países que oferecem há muito tempo esse tipo de educação, ou pelo menos teremos a chance de chegar perto desses países”. Por sua vez, a deputada Dra. Soraya Manato (PTB-ES) acredita que “o homeschooling representa a expressão da liberdade de os pais determinarem os valores sob os quais os filhos serão educados”.
Transição - Se o projeto for aprovado pelo Senado e virar lei, as regras entrarão em vigor 90 dias após sua publicação e para quem optar pela educação domiciliar nos dois primeiros anos haverá uma transição quanto à exigência de ensino superior ou tecnológico. Deverá haver a comprovação da matrícula em instituição de ensino superior ou de educação profissional tecnológica, comprovação anual de continuidade dos estudos com aproveitamento e conclusão em período de tempo que não exceda em 50% o limite mínimo de anos para seu término.
Obrigações - O texto lista algumas obrigações das escolas nas quais o aluno de educação domiciliar estiver matriculado, como a manutenção de cadastro desses estudantes, repassando essa informação anualmente ao órgão competente do sistema de ensino. A escola deverá ainda acompanhar o desenvolvimento do estudante por meio de docente tutor da instituição de ensino, inclusive com encontros semestrais com os pais ou responsáveis, com o educando e, se for o caso, com o preceptor.
No caso de estudante com deficiência ou transtorno global de desenvolvimento, equipe multiprofissional e interdisciplinar da rede ou da instituição de ensino em que ele estiver matriculado deverá fazer uma avaliação semestral de seu progresso. A escola ou a rede de ensino deverão fazer encontros semestrais das famílias optantes pela educação domiciliar para intercâmbio e avaliação de experiências. Já o Conselho Tutelar, nos termos da legislação, deverá fiscalizar a educação domiciliar.
O texto também garante isonomia de direitos e proíbe qualquer espécie de discriminação entre crianças e adolescentes que recebam educação escolar e educação domiciliar, inclusive quanto à participação em concursos, competições, eventos pedagógicos, esportivos e culturais.
Apesar de poderem receber educação domiciliar, estudantes com direito à educação especial também deverão ter acesso igualitário a salas de atendimento educacional especializado e a outros recursos de educação especial.
Pais ou responsáveis - Para garantir o aprendizado na educação domiciliar, os pais deverão cumprir os conteúdos curriculares de cada ano escolar do estudante de acordo com a Base Nacional Comum Curricular, admitida a inclusão de conteúdos curriculares adicionais.
Os responsáveis terão de garantir a convivência familiar e comunitária do estudante e a realização de atividades pedagógicas para promover a formação integral do estudante, contemplando seu desenvolvimento intelectual, emocional, físico, social e cultural.
Nesse sentido, terão de manter registro periódico das atividades pedagógicas realizadas e enviar, à escola na qual está matriculado, relatórios trimestrais dessas atividades.
Quando a escola à qual o aluno estiver vinculado for selecionada para participar de exames do sistema nacional, estadual ou municipal de avaliação da educação básica, o estudante de educação domiciliar deverá também participar dessas avaliações anuais de aprendizagem.
Impedimentos - O PL 3179/2012 proíbe que pais ou responsáveis sob determinadas condições optem pela aplicação da educação domiciliar. Assim, não poderão fazer a opção aqueles condenados ou em cumprimento de pena por crimes previstos:
- no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990);
- na Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006);
- no Código Penal quando suscetíveis de internação psiquiátrica;
- na lei de crimes hediondos (Lei 8.072/1990); e
- na lei de crimes relacionados a drogas (Lei 11.343/2006)
Entretanto, aqueles que puderem optar pela educação domiciliar não responderão por abandono intelectual da instrução primária, conforme previsto no Código Penal, que prevê detenção de 15 dias a um mês ou multa.
Avaliações - Quanto às avaliações para certificar a aprendizagem, o substitutivo remete sua realização à escola na qual o estudante está matriculado. Para a educação pré-escolar, será realizada uma avaliação anual qualitativa e cumulativa dos relatórios trimestrais que os pais devem enviar.
Nos ensinos fundamental e médio, além desses relatórios, deverá haver avaliação anual com base no conteúdo curricular, admitida a possibilidade de avanço nos cursos e nas séries, conforme previsto na Lei de Diretrizes e Bases.
Se o desempenho do estudante nessa avaliação anual for considerado insatisfatório, uma nova avaliação, em caráter de recuperação, será oferecida no mesmo ano.
Quanto à avaliação para o estudante com deficiência ou transtorno global de desenvolvimento, ela será adaptada à sua condição.
Perda do direito - Os pais ou os responsáveis legais perderão o direito de optar pela educação domiciliar em quatro situações:
- forem condenados pelos crimes tipificados nas leis citadas;
- quando a criança, na educação pré-escolar, mostrar insuficiência de progresso em avaliação anual qualitativa em dois anos consecutivos;
- se o estudante do ensino fundamental ou médio for reprovado em dois anos consecutivos ou em três anos não consecutivos ou se não comparecer a elas sem justificativa; ou
- se o estudante com deficiência ou transtorno global do desenvolvimento, de acordo com suas potencialidades, obtiver insuficiência de progresso em avaliação semestral por duas vezes consecutivas ou três vezes não consecutivas.
Leia também: Câmara aprova texto-base de projeto que regulamenta educação domiciliar
Relatora defende regras aprovadas sobre educação domiciliar; oposição critica proposta
Fonte: Agência Câmara de Notícias