As ameaças às conquistas das mulheres na Câmara
As mulheres têm um histórico de lutas e de conquistas na Câmara dos Deputados. Isso desde 1934, quando ocorreu a primeira vitória feminina: a eleição da primeira deputada federal da história do Brasil. Entretanto, as conquistas obtidas pelas mulheres vem sendo colocadas em risco pela implementação de medidas falsamente progressistas na Câmara.
A eleição da médica paulista Carlota Pereira de Queiroz como deputada, o significado dos primeiros ecos de uma voz feminina no Congresso Nacional e a participação dela na elaboração da Constituição de 1934 foram uma grande vitória feminina, mas com desdobramentos tardios. Foi somente em 2009 que ocorreu, por exemplo, a criação da Procuradoria da Mulher na Câmara dos Deputados.
Fruto de uma reivindicação das deputadas da época, a Procuradoria da Mulher trouxe entre suas atribuições de órgão institucional a missão de zelar pela participação mais efetiva das deputadas nas instâncias e atividades da Câmara, além de fiscalizar e acompanhar programas do Governo Federal voltados às questões de gênero e de receber denúncias de discriminação e violência contra a mulher.
A criação da Procuradoria da Mulher se deu em um período de implantação de políticas públicas direcionadas à proteção dos direitos humanos, inclusive aqueles relacionados às questões de gênero. Nesta perspectiva, foi aprovada em julho de 2013 a criação da Secretaria da Mulher, órgão que receberia a atribuição de atuar em benefício da população feminina, se constituindo em centro de debates das “questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos direitos das mulheres”.
A secretaria representou importantes conquistas para a representação feminina no parlamento. Entra elas, a criação da Coordenadoria dos Direitos da Mulher. Eleita pela bancada feminina, a coordenadora participa das reuniões do Colégio de Líderes, tem direito a voz e voto e pode fazer uso dos espaços de manifestação de lideranças nas sessões plenárias. Uma conquista que é muito marcante, tendo em vista que, em um país onde as mulheres formam mais de 50% da população, elas têm menos de 10% de representação parlamentar.
Estas vitórias foram fruto das lutas das deputadas que passaram pelo plenário da Câmara ao longo do tempo. Hoje, entretanto, há sérios riscos de retrocesso nos direitos obtidos pelas mulheres.
Até uma medida que teoricamente possa ser considerada avançada, como a da criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, pode acabar constituindo um retrocesso para os direitos das mulheres. Não pela sua criação em si, mas pela falta de poder em legislar sobre assuntos estritamente femininos.
As possíveis atribuições legislativas da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher em temas relacionados aos direitos das mulheres, como é o caso do Estatuto do Nascituro, foram repassados à Comissão de Seguridade Social e Família. Isso afasta a participação das mulheres em assuntos que dizem respeito prioritariamente a elas, consistindo em atraso na luta histórica das mulheres e em grave ameaça ao empoderamento feminino.
Nos últimos dias, foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff a lei que intitula 2016 como o Ano do Empoderamento da Mulher na Política e no Esporte. Infelizmente, o que estamos vivendo não reflete o empoderamento das mulheres na política. Medidas recentes adotadas na Câmara dos Deputados retiram o direito das mulheres de debater e trabalhar sobre assuntos em que elas são as principais interessadas. Novamente, são homens impregnados de uma ideologia amparada no patriarcado e na hegemonia masculina que buscam decidir sobre os direitos das mulheres.
Com a criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, mesmo sem a incumbência de legislar sobre alguns temas é preciso ter postura crítica diante todos os fatos que ocorrem na Casa. Não iremos deixar de debater e elaborar sobre o que nos diz respeito enquanto mulheres.
A Câmara dos Deputados vive atualmente dias de muitas tensões e assiste a comportamentos que nos mostram que o machismo ainda está muito latente em nossa sociedade. Prova disso foi a saudação feita por um deputado a um carrasco da ditadura, o coronel Brilhante Ustra, torturador reconhecido pela Justiça. O deputado em questão citou o torturador para provocar a primeira presidenta eleita do Brasil, Dilma Rousseff, o que mostra a todos e todas nós o quanto incomoda a algumas pessoas o fato de uma mulher estar no poder e participar ativamente nos espaços de decisões.
As atuais deputadas com mandatos legislativos e as parcelas da sociedade que defendem a igualdade de oportunidades e de direitos não podem permitir que a Câmara dos Deputados seja palco de mais retrocessos na vida das mulheres brasileiras. E seguiremos na luta, todos e todas nós, homens e mulheres que trabalham arduamente para a construção de um mundo mais justo e igualitário!
* Ana Perugini é deputada federal pelo PT/SP e coordenadora-geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Humanos das Mulheres, além de 2ª vice-presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. É também responsável pelas frentes parlamentares em Defesa da Implantação do Plano Nacional de Educação (PNE) e de Promoção e Defesa da Criança e do Adolescente, no Estado de São Paulo, e integrante das comissões de Educação, Constituição e Justiça e de Cidadania, Licitações, e da Crise Hídrica na Câmara dos Deputados