Apenas 7% das representações de violência política de gênero e raça resultam em ações penais eleitorais
O Instituto Alziras lançou, nesta terça-feira (27/08), o Monitor da Violência Política de Gênero e Raça. O estudo inédito analisou 175 casos monitorados pelo Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero (GT-VPG), do Ministério Público Federal. Os resultados mostram que apenas 7% das representações resultaram em ações penais eleitorais até janeiro de 2024, número que indica a urgência de aprimorar os mecanismos de proteção para as mulheres na política brasileira.
“A nossa análise mostra que a aprovação da lei é um avanço, porém ainda insuficiente para garantir os direitos políticos das mulheres. Precisamos de medidas eficazes para promover justiça e proteção, especialmente em ano eleitoral”, explica Tauá Pires, Diretora do Instituto Alziras e coordenadora da pesquisa.
Durante o evento de lançamento, realizado no Auditório Freitas Nobre, na Câmara dos Deputados, Tauá ressaltou que ainda é muito complicado o processo de fazer a denúncia, com todas as provas solicitadas. Por isso, o Instituto Alziras fez um vídeo tutorial sobre o tema, disponível no site da entidade, para orientar as possíveis vítimas durante o período eleitoral.
A deputada Daiana Santos (PCdoB-RS), coordenadora do eixo de Violência Política contra a Mulher do ONMP, destacou que “os dados são essenciais para termos um panorama da situação de aplicação da lei e sermos mais incisivas sobre o tema”. Para a deputada, “o combate à violência política de gênero e raça (VPGR) é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa”.
A opinião é compartilhada pela secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênia. “Tratar da VPGR é mexer no nó que nos impede de ter uma democracia realmente justa, e pesquisar isso é desvelar essa tecnologia de controle e de manutenção do status quo da política”, definiu.
Acompanhamento de ações
O Monitor da Violência Política de Gênero e Raça é uma ferramenta para acompanhar a implementação da Lei de Violência Política contra a Mulher (Lei 14.192/2021) e tem o objetivo de impulsionar uma política mais representativa, justa e inclusiva. Entre os casos analisados, todas as vítimas das ações penais ajuizadas eram mulheres eleitas, enquanto 92% dos acusados eram homens, dos quais 62% eram brancos. Além disso, metade dos episódios de violência ocorreu dentro do ambiente parlamentar.
Outro dado importante revela que duas em cada três dessas ações não foram corretamente classificadas como violência política contra a mulher no sistema de Processo Judicial Eletrônico, comprometendo a identificação adequada dos processos e a produção de estatísticas mais precisas. ”Ainda é um desafio colocar esse conceito de VPGR dentro do sistema judicial e fazer um cadastramento correto desses casos. Também por conta disso percebemos que um quarto das ações foram arquivadas ou encerradas”, resumiu Tauá Pires.
Até janeiro de 2024, das 12 ações penais eleitorais ajuizadas pelo crime de violência política contra a mulher, nenhuma havia tido seu julgamento concluído em definitivo. Oito julgamentos ainda estavam em andamento, e apenas dois haviam recebido sentenças - uma de condenação e outra de absolvição, ambas ainda passíveis de recurso. Outras duas ações tiveram suspensão condicional do processo, ou seja, quando o acusado é réu primário, com pena de até um ano, há a possibilidade de celebrar um acordo judicial com o Ministério Público que leva à extinção do processo, sem necessidade de cumprimento de pena ou registro na ficha criminal.
Recomendações
O relatório também analisa como as casas legislativas estaduais e federais lidam com a violência política de gênero e raça, por meio da atuação das Procuradorias Especiais da Mulher. Além disso, apresenta uma série de recomendações para fortalecer a proteção das mulheres em ambiente parlamentar, como a eleição de procuradoras da mulher por seus pares (somente parlamentares femininas) nas casas legislativas, com vistas a uma atuação mais autônoma, principalmente em relação ao enfrentamento da violência política de gênero e raça em ambiente parlamentar. Chama a atenção que, em metade das procuradorias analisadas pela pesquisa (50%), a composição dessa estrutura é feita por indicação unilateral do presidente da casa, papel desempenhado por um homem na amplíssima maioria do poder legislativo brasileiro.
Para a coordenadora do Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero (GT-VPG) do Ministério Público Federal, procuradora Raquel Branquinho, “é o momento de passar o recado das realizações e fazer um diagnóstico da situação”. Ela explicou que o GT “tem a missão de preparar o aparato de justiça para a questão da VPGR, que é uma mancha na democracia brasileira, assim como a baixa participação política feminina”.
Responsabilidades
“É fundamental a pactuação e sistematização de fluxos organizados entre os diferentes atores para registro e encaminhamento das denúncias recebidas, tendo em vista os papeis e atribuições institucionais dos diferentes órgãos envolvidos na apuração dos casos, na proteção das vítimas e na responsabilização dos agressores”, conclui Michelle Ferreti, Diretora do Instituto Alziras e coordenadora da pesquisa.
Financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e apoiado pelo Observatório Nacional da Mulher na Política (ONMP) da Secretaria da Mulher da Câmara Federal, a publicação completa está disponível em: alziras.org.br/violenciapolitica
Também participaram do lançamento a coordenadora do Observatório da Violência contra a Mulher da Defensoria Pública da União (DPU), Rafaella Passos; a representante da AFD, Marília Bomfim; a secretária da Associação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), Renata Boulos; e as deputadas federais Professora Luciene Cavalcante (PSOL-SP), Gisela Simona (União-MT), Carla Ayres (PT-SC), Socorro Neri (PP-AC) e Dandara (PT-MG).
Acesse o relatório aqui.