Sociedade civil critica afastamento de relatório sobre direitos humanos do governo para a ONU e denuncia intervenção no CNDH
O relatório de meio período está sob consulta, por uma semana, no endereço eletrônico https://www.mdh.gov.br/ . Mas a sociedade civil critica a insuficiência do método.
Fernanda Lapa, representante do Coletivo RPU, um grupo de instituições criado para monitorar especificamente a revisão, afirmou que o coletivo se colocou à disposição do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, mas ressalta: “Nunca fomos chamados, não tivemos um diálogo participativo e encontramos um documento de 213 páginas que não mostra o enfrentamento das recomendações, de forma atual e concreta. Além disso, fala de políticas e atividades de 2002, 2007 ou 2018 e, pior, que não existem mais. Por que, e para quem enviar um relatório como esse”. Lapa também integra o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH).
Farsa
“Esse relatório tem um tom farsesco”, destaca Deborah Duprat, procuradora Federal dos Direitos do Cidadão. Ela informa que, em 2018, a PDFC fez uma audiência para criar mecanismos de monitoramento das recomendações da RPU, de forma participativa. “Mas criaram um formato de consulta completamente equivocado e desconheço qualquer iniciativa de convidar a sociedade civil para participar. Os mecanismos de participação social estão sendo desidratados desde o início do atual governo”. A procuradora, acrescenta que dentre as recomendações estão ações de combate à fome e à miséria, o combate a todos os tipos de discriminação, questões de gênero e políticas públicas para as populações indígenas, por exemplo. “Nada foi feito, conselhos desativados... as questões indígenas um nada a fazer e cada vez mais jovens negros e pobres são assassinados”.
No mesmo tom segue Kleber Karipuna, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Das 242 recomendações, 32 são sobre os povos indígenas. “Nenhuma foi cumprida ou acatada, como ações de prevenção da violência contra os povos indígenas. O Estado brasileiro não demonstrou nenhum esforço, ao contrário, dissemina o preconceito e estimula a violência e já chamou terras indígenas de zoológico”. Karipuna também denuncia que não houve participação dos indígenas no relatório para a ONU. “Recomendações sobre o direito de proteção territorial e cultural e de atividades econômicas que preservem o meio ambiente não foram acatadas. Ao contrário, estão abrindo territórios indígenas para a exploração por mineradores e agronegócio”.
O diretor do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania do Ministério das Relações Exteriores, João Lucas de Almeida, contesta: “O governo está comprometido e é um dos primeiros países da região a apresentar um relatório sobre meio período, o Brasil está fazendo isso pela primeira vez”. .
Descolado da realidade
Para Gustavo Huppes, do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa e da Conectas, o Brasil está vivendo um grande retrocesso e mudanças nas políticas de direitos humanos no âmbito da política externa: “Temos percebido uma mudança brusca de participação e proposições do Brasil nas relações internacionais, que deveriam ser propositivas e a favor dos direitos humanos, porém tem sido exatamente o contrário, principalmente as questões de gênero”. Huppes alerta que o poder de influência do país está cada vez mais enfraquecido. “Em três ciclos da RPU, foram mais de 300 recomendações recebidas. Quanto a migração, o que está no relatório não reflete as ações do Estado. Um documento descolado da realidade e que se afasta dos compromissos internacionais.
Para Helder Salomão (PT/ES), presidente da CDHM, “o efetivo diálogo entre o Estado e as entidades da sociedade civil contribuiria para legitimar democraticamente a elaboração desse relatório”.
Intervenção no CNDH
Nesta terça-feira (27), a ministra Damares Alves exonerou a coordenadora-geral Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Caroline Dias dos Reis. O Conselho é ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Em nota de repúdio, o CNDH destaca que o ato de exoneração “entrará para história do Conselho como um dos maiores ataques por ele sofrido”. O documento também ressalta a grave situação enfrentada pela instituição que, assim como os demais conselhos, vem sendo constantemente ameaçada pelo poder Executivo. O presidente do Conselho, Leonardo Penafiel, enviou um ofício à ministra solicitando que revogue o documento e reconduza imediatamente a coordenadora ao cargo.
Na audiência de hoje, Penafiel lembra que “a Constituição diz que o governo não tem o monopólio de ditar políticas públicas, afirma que todas as áreas devem ter controle e participação social. Quem acha que ter Conselhos é coisa de governo A ou B, não conhece a história. O governo deu passos para trás e segue um modelo de intervenção”. Ele ressalta que o relatório não foi apresentado ao CNHM e que todas as recomendações têm um sentido geral de avanço e progressividade dos direitos humanos: “A ideia é andar para frente e não para trás. Infelizmente, o relatório não parte desse diagnóstico”.
Milton Toledo Junior, chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, diz que a exoneração de um cargo de livre provimento pode ser feita a qualquer momento e é decisão do gestor responsável pelo órgão. Quanto ao relatório da RPU, informa que foi criado, dentre outras medidas, um grupo de trabalho interno para acompanhar e monitorar as recomendações da ONU.
Maria Oliveira, da Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil) e do Instituto Geledés da Mulher Negra, mostra-se preocupada “com os retrocessos na agenda de direitos humanos e com o congelamento dos gastos públicos em saúde e educação através da Emenda Constitucional 95, que terá consequências graves, principalmente sobre a população negra e pobre”. A Dhesca também divulgou nota de repúdio denunciando a intervenção do governo federal no CNDH.
Como é feita a avaliação
A avaliação de um Estado se baseia em três documentos: o informe nacional elaborado pelo país que está sendo examinado; uma compilação de informações das ONU sobre o Estado preparada pela Oficina do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), e um resumo da informação apresentada por outros atores interessados, como as organizações da sociedade civil. Com base nesse material, os representantes dos países membros da ONU fazem as recomendações para o país avaliado.
Pós-verdade
Érika Kokay (PT/DF), que pediu a realização do encontro, diz que “estamos vivendo a construção de uma pós-verdade, inimigos inventados para não responder às angústias da população brasileira. Esse governo não tem o direito de enganar o povo e organismos internacionais com essa vergonha de apresentar um relatório que não correspondem aos fatos. Está na hora de abandonar a mitomania e a compulsão para a mentira".
Leia aqui o Relatório Preliminar de Meio Período III Ciclo.
Pedro Calvi / CDHM