CDHM debate violência policial nas manifestações e acolhe sugestões de encaminhamentos para o tema

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) promoveu ontem (21.06) uma audiência pública que abordou a violência policial nas manifestações. A iniciativa do debate partiu da deputada Maria do Rosário (PT-RS), diante dos inúmeros relatos e denúncias de atrocidades praticadas por forças policiais contra manifestantes, em uma escalada de repressão que culminou em uma das ações mais contestadas dos últimos tempos, em 24 de maio, na Esplanada dos Ministérios, quando até mesmo o Exército foi chamado às ruas, por meio de um mecanismo conhecido como GLO (Garantia de Lei e da Ordem), assinado pelo presidente Michel Temer.
22/06/2017 15h34

Alex Ferreira / Câmara dos Deputados

CDHM debate violência policial nas manifestações e acolhe sugestões de encaminhamentos para o tema

A constatação das repressões não ficou restrita apenas ao discurso de um campo político. A própria imprensa registrou cenas de barbárie nas manifestações. Oliver Kornblihtt, jornalista do coletivo Mídia Ninja, que cobriu os atos do dia 24 contra Michel Temer, observou que a ação policial durou mais de três horas, com ataques sistemáticos das forças do Estado e um arsenal inesgotável de bombas, gás de pimenta e o emprego de armas de fogo contra pessoas desarmadas. Um colaborador do Mídia Ninja foi agredido por um policial na Rodoviária do Plano Piloto, região central de Brasília, apenas porque realizava seu trabalho de registro de imagens.

 

Wanderlei Pozzembom, do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, denunciou a omissão do Governo do Distrito Federal quanto aos excessos policiais, apontando a conivência das altas autoridades de Segurança Pública com a repressão, articulando com o Governo Federal a dispersão de uma manifestação política. Pozzembom entregou um relatório à assessoria técnica da CDHM que compila os ataques a jornalistas no Brasil.

 

Os parlamentares presentes à audiência puderam conhecer e ouvir o relato de Clementino Pereira, um dos casos mais emblemáticos da violência de 24 de maio, onde perdeu a visão do olho esquerdo em função de um tiro de bala de borracha, desferido propositadamente contra seu rosto.

 

Daniel Sabino, médico que atendeu Clementino e que também participou das manifestações, discorreu sobre os cuidados necessários no uso de armas consideradas “não-letais”. “O uso de arma de borracha e outras armas que a polícia tem autorização para usar com o objetivo de reprimir manifestações podem ter consequências irreversíveis para a saúde e para a integridade física das pessoas”. Segundo o profissional de saúde, o uso de gás lacrimogêneo e spray de pimenta podem causar queimaduras, dermatites, elevar pressão arterial, levar à taquicardia, asfixia, choque anafilático e até mesmo à morte, e são usadas de forma indiscriminada por carregarem consigo o status de armas de menor potencial ofensivo.

 

A truculência e atitudes ditatoriais não são exclusivas às manifestações. Sindicalistas estão sendo presos e tendo seu direito à expressão cerceado em carros de som, pela alegação de uma lei que ninguém conhece que proibiria este tipo de atividade próximo a prédios públicos. É o que afirma Alexandre Varela, da Frente Povo sem Medo, que manifestou preocupação com a promulgação do decreto 40 do governo federal, que cria uma comissão para discutir protocolo de segurança em manifestações sem convidar nenhum representante da sociedade civil. O Legislativo também é berço de projetos de lei autoritários, diz Varela. “Há três projetos de lei em tramitação no Congresso que visam limitar o direito à manifestação, permitindo filmagens de atos com mais de mil pessoas, criando intimidação, criminalizando ocupações parciais de prédios públicos e institucionalizando a detenção de quem estiver criando situações de pânico, sendo que esta definição é incerta”.

 

Igor Felippe Santos, da Frente Brasil Popular, defendeu a desmilitarização das polícias como fator importante para minimizar a onda repressiva e o diálogo como forma de mediar possíveis conflitos. “O Congresso e a sociedade precisam debater francamente a regulamentação da ação da PM em manifestações”.

 

 

O recorte racial na repressão deve ser levado em consideração no entendimento dos ataques às manifestações, aponta o professor do curso de Serviço Social da Universidade de Brasília, Leonardo Ortegal. Basta consultar os dados sobre assassinatos no Brasil, em que as mortes de jovens negros cresceu 32% enquanto a de brancos caiu 30%. Outro exemplo é que o único preso nas manifestações de junho de 2013 é o negro Rafael Braga. “A imprensa induz a população a apoiar manifestações chamando quem protesta de vândalos, mas essa violência institucional ocorre sobretudo nos atos onde há presença grande de negros”, disse.

 

Para o defensor público da União Geraldo Vilar Correia, o debate sobre a garantia dos Direitos Humanos é essencial e precisa ser feito fora dos círculos dos defensores da pauta. “Quando boa parte das autoridades de Estado não compreendem essa necessidade, a violência ganha sempre caráter de legitimidade, inclusive nos discursos oficiais”, afirmou.

 

A conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Iara Moura, relembrou que a lei de organizações criminosas criou instrumentos que permitem o uso abusivo de dispositivos como as prisões preventivas. Segundo Iara, que coordena a Comissão Permanente de Liberdade de Expressão do CNDH, o Conselho tem cobrado a transparência sobre os protocolos adotados pela polícia em manifestações.

 

A deputada Maria do Rosário, proponente da audiência, lembrou que até mesmo parlamentares que foram acompanhar os protestos foram alvo de agressões, sofrendo ataques com bombas no carro de som em que estavam. Rosário alertou que as forças policiais iniciam os ataques antes mesmo de as manifestações se formarem. “A atuação dos policiais militares lembra a de uma polícia política”, denunciou.

 

Confira os encaminhamentos sugeridos de iniciativas da CDHM e da sociedade civil a partir das falas do público presente na audiência:

 

- Que a CDHM emita uma nota de repúdio sobre a ausência das autoridades das Secretarias de Segurança Pública do Distrito Federal e dos estados Goiás e São Paulo na audiência pública

-  Que a CDHM se reúna com o governador e com o Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal para tratar do procedimento de segurança a ser adotado nas manifestações na Esplanada

- Que a CDHM elabore um relatório sobre a violência policial nas manifestações e apresente aos organismos internacionais de direitos humanos

- Que a CDHM organize uma comissão que possa certificar integrantes da sociedade civil que sirvam como observadores do respeito aos direitos humanos e possam formular denúncias para providências da Comissão

- Que CDHM solicite uma parceria com meios alternativos de comunicação a fim de divulgar uma versão dos fatos coerente com a democracia em casos de violações de direitos humanos e violência policial

 - Que a CDHM tome providências sobre o Decreto n.º 40 do governo federal, que cria uma comissão para discutir a elaboração de um protocolo de segurança nas manifestações. Não há nenhum membro da sociedade civil nem alguém da área de direitos humanos no Brasil

- Que a CDHM denuncie os PL’s que visam limitar o direito à manifestação

            • PL 342/2015 (Institui a necessidade de filmagem de atos com mais de mil pessoas)

• PL 1600/2015 (Tipifica o Crime de Ocupação ou Invasão)

• PL 7121/2014 (Define que “situações de criação de pânico” podem ser punidas com detenções)

- Que a CDHM peça providências sobre a atuação do Departamento de Polícia Legislativa (DEPOL), que frequentemente impede o acesso e a manifestação do povo na Câmara dos Deputados

- Que a CDHM debata a regulamentação de um protocolo de ação policial nas manifestações

- Que a CDHM acompanhe os casos em que o direito à manifestação tem sido cerceado pela utilização de instrumentos legais como o desacato e a Lei de organizações criminosas

- Que a CDHM debata a formulação de legislação que discipline o uso da força em manifestações e institua a necessidade do acompanhamento desses procedimentos, por exemplo, por membros do Ministério Público e da Defensoria Pública

- Que a CDHM cobre providências do GDF sobre os excessos cometidos no “Ocupa Brasília”, no último 24 de maio – em que houve uso de bala letal, mutilação por bomba, uso de bala de borracha que culminou na perda de visão de Clementino –, entre outras práticas desproporcionais de repressão

- Que a CDHM crie uma subcomissão para debater a criminalização dos movimentos sociais

- Que a CDHM discuta o fechamento da Esplanada a partir da Câmara dos Deputados, sem permitir sequer o acesso ao gramado, fator que configuraria um provável acordo com o DEPOL

- Que a CDHM peça informações sobre o caso do servidor “Catitu” da CAESB que teria sido demitido por ser liderança sindicalista do Sindágua – DF

- Que a CDHM pressione as Secretarias de Segurança Pública estaduais a colher dados sobre os assassinatos e demais crimes cometidos pela polícia contra a população