CDHM debate cerceamento da atividade jornalística e aborda novas formas de comunicação e mídia

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) reuniu ontem (12.07) jornalistas, comunicadores, especialistas e estudiosos da área da comunicação para debater a situação do exercício do jornalismo e as perspectivas do direito à livre comunicação e expressão no país.
13/07/2017 13h40

Lucio Bernardo Junior / Câmara dos Deputados

CDHM debate cerceamento da atividade jornalística e aborda novas formas de comunicação e mídia

O debate teve a iniciativa do presidente da CDHM, deputado Paulão (PT-AL), a partir do diagnóstico de um quadro nacional de cerceamento da atividade jornalística e censura judicial aos profissionais de imprensa, afetando o direito constitucional de liberdade de expressão.

 

A jornalista Bia Barbosa, do coletivo Intervozes e uma das principais especialistas em comunicação no Brasil, destaca que a concentração de propriedade dos meios de comunicação provoca efeitos negativos na garantia da liberdade de expressão e informação. “Hoje oito a dez famílias concentram a quase totalidade dos meios de comunicação considerados de massa e, como não há definições claras do que caracteriza um monopólio de comunicação, que por lei é proibido, as grandes redes exercem um poder político muito além do interesse público”, define. Enquanto vizinhos da América Latina passaram por reformulações dos marcos regulatórios de comunicação, no Brasil esse assunto virou um tabu, aponta a jornalista. Bia sugeriu reflexões do coletivo Intervozes para acelerar o processo de desconcentração dos meios de comunicação e de ampliação da pluralidade da comunicação, como a complementariedade entre os sistemas privado e público, a criação de um órgão regulador independente para o sistema radiodifusor, a garantia de mecanismos de produção independente de conteúdo e a proibição da propriedade cruzada dos meios de comunicação, definindo melhor os critérios para fiscalização e responsabilização de violações desta lei.

 

Os casos de cerceamento à liberdade de imprensa por ações judiciais estão se multiplicam no Brasil, denuncia a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga. A federação acompanha casos de censura prévia, intimidação, prisão e quebra de sigilo da fonte, patrocinados pela Justiça atendendo, em geral, a pedidos de pessoas e conglomerados detentores de poder econômico que utilizam sua influência para silenciar coberturas jornalísticas contrárias aos seus interesses. “Quando a ação contra um jornalista é proposta por um membro do Judiciário ou do Ministério Público, a condenação é praticamente certa”, diz Maria José, que propõe a criação de um Conselho Nacional de Jornalistas e um observatório da violência contra comunicadores, no âmbito do Ministério dos Direitos Humanos.

 

Para o secretário-executivo do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, Thiago Correia, a judicialização tem sido a principal estratégia para impedir a atividade jornalística. “O poder econômico usa a Justiça para os seus interesses e nega o direito democrático de fazer comunicação”, afirma o repórter, com a vivência das dificuldades do trabalho jornalístico em Alagoas, estado com um longo histórico de mandonismo político, coronelismo e perseguição a quem publica matérias contrárias aos detentores do poder. Thiago destacou também a precarização das condições de trabalho do jornalista, sobretudo desde o fim da necessidade do diploma na prática do jornalismo, o que reduziu os salários da categoria. “Hoje o piso salarial é o teto real nas redações”, conclui.

 

Com mais de 40 anos de experiência e cobertura de momentos decisivos da história do país, o jornalista Luis Nassif abordou a invisibilidade do jornalismo independente no Brasil e o crescente viés ideológico do Poder Judiciário. Segundo Nassif, o esquema de manipulação da mídia hoje é chefiado principalmente pelo Ministério Público, a quem chama de “turba linchadora”. Este grupo, com o objetivo de institucionalizar uma sanha punitivista, promove assédio judicial e perseguição implacável aos que não se posicionam como os promotores desejam, na visão do blogueiro do GGN, que considera os jornalistas o primeiro alvo preferencial do golpe contra a democracia desferido em 2016, “sentindo na pele” estas ações contra a liberdade de imprensa, pois é alvo de dezenas de processos judiciais.

 

O jornalista do portal “Diário do Poder”, David Soares, é outro que sofre censura judicial no seu trabalho. Proibido de citar o nome do deputado estadual alagoano Antonio Albuquerque em qualquer hipótese, David avalia que este cenário provoca apreensão entre os jornalistas. “Os próprios jornalistas acabam se autocensurando e evitando avançar em determinadas pautas, pois mesmo com provas do que é publicado, a Justiça protege quem tem poder”. Ao denunciar a prática de nepotismo por parte do deputado estadual alagoano João Caldas, que empregou a própria mãe no gabinete, David foi processado por crime eleitoral por uso de documento falso, quando a certidão do departamento pessoal da Assembleia Legislativa de Alagoas provava a nomeação da mãe de Caldas.

 

Novas formas de comunicação e expressão

 

A segunda mesa da audiência discutiu o papel do jornalismo ativista e da imprensa alternativa, destacando seu trabalho no rompimento das barreiras impostas pela mídia monopolista ao utilizar-se de plataformas como as redes sociais e a internet para levar conteúdos críticos e coberturas contrárias ao discurso da classe dominante, se apropriando de mecanismos tradicionais dos meios de comunicação de massa e inovando nas metodologias e técnicas de difusão de informações.

 

 

Quem abriu este debate foi Paulo Donizetti, da Rede Brasil Atual, veículo que congrega um portal de internet e uma rádio que transmite no dial FM em São Paulo, a única rádio com viés progressista com espaço na programação tradicional paulistana, a maior do país. A RBA, como é conhecida, também foi alvo de censura judicial ao ser obrigada a tirar de circulação edições da Revista do Brasil, editada pelo grupo, apenas por trazer reportagens elogiosas aos governos de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. “O que mais chama a atenção é que revistas de grande circulação como a Veja publicaram diversas capas em favor de candidaturas tucanas e nunca alguém fez qualquer tipo de questionamento”, ironiza.

 

 

Uma das mais inovadoras experiências de midiativismo do Brasil, a Mídia Ninja, foi representada por um de seus representantes no Distrito Federal, Clayton Nobre. Surgida em meio ao enfraquecimento do jornalismo tradicional e com grande destaque nas coberturas independentes desde as manifestações de junho de 2013, a Mídia Ninja conta hoje com mais de 1,5 milhão de pessoas seguindo seus conteúdos no Facebook. “O cenário que deu notoriedade ao Mídia Ninja é um cenário de abundância das mídias independentes diante da falta legitimidade da narrativa da mídia comercial sobre a política”, diz o midiativista, que aposta no engajamento de pessoas não afeitas à atividade jornalística como cidadãos multimídia, que divulguem informações em tempo real de assuntos vetados nas coberturas da imprensa tradicional. Criminalizados por sua cobertura crítica ao status quo, a Mídia Ninja já teve colaboradores detidos, inclusive uma mulher que apanhou da polícia até desmaiar em uma manifestação em Belo Horizonte.

 

 

Juliana Medeiros, do coletivo Jornalistas Livres, que reúne profissionais da comunicação que cobrem e destacam conteúdos ignorados pela “grande imprensa”, sobretudo nas temáticas de Direitos Humanos e movimentos sociais, falou a respeito do trabalho quase silencioso de jornalistas que mandam conteúdos e produzem reportagens em sigilo, pois trabalham em um veículo grande onde seus materiais seriam censurados. Juliana narra que nas semanas derradeiras da decisão acerca do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, dezenas de jornalistas vieram por conta própria até Brasília acompanhar o desfecho da história, à revelia das redações em que trabalham, pelo prazer da atividade jornalística e em levar a notícia às suas regiões. Apesar destas manifestações legítimas de respeito à informação, Juliana entende que falta solidariedade entre os jornalistas. “No dia da posse de Michel Temer, era nítido o cenário de congraçamento entre alguns profissionais da grande imprensa com o novo governo que chegava. Quais os limites éticos desta questão? Enquanto isso, os jornalistas da imprensa independente eram expulsos da cobertura de um ato de interesse público, sob aplausos e incentivos à perseguição ao nosso trabalho por parte de outros jornalistas”, lamenta.

 

Tereza Cruvinel, que hoje escreve para o portal Brasil 247, falou sobre a experiência de construir e presidir a EBC, emissora instituída no governo Lula com o objetivo de fortalecer a comunicação pública como um instrumento de Estado, e não de governo. A jornalista acredita que a partir da eleição de Lula à presidência, em 2003, o espaço para o contraditório na grande imprensa passou a diminuir. “Em outros tempos, todos sabiam muito bem qual era a posição pessoal de cada um sobre a política, nem por isso deixávamos de dialogar e ter um espaço para expor nossas ideias, ainda que o jornal tivesse uma linha diferente daquela que defendemos. Hoje, há um clima de guerra entre alguns grupos, como se não fosse possível ter relação porque há divergências”, aponta. A ex-presidenta da EBC denunciou o desmonte da Empresa Brasil de Comunicação a partir da posse de Michel Temer, que praticou uma “caça às bruxas” no conselho curador da emissora, composto por entidades representativas da sociedade civil no campo da comunicação, aliado a uma estratégia de cortar todos os contratos de patrocínio do governo para as mídias alternativas, concentrando-os nos grandes conglomerados de comunicação que apoiaram sua alçada à Presidência.

 

 

Encaminhamentos

 

 

 

A audiência reuniu sugestões de encaminhamentos para a CDHM avaliar sua execução, nos limites regimentais de atuação do colegiado. Confira o que foi apresentado:

 

- Que a CDHM divulgue documento da Unesco “Concentração de meios e as normas internacionais sobre liberdade de expressão” que trata de mecanismos e recomendações acerca da desconcentração dos meios de comunicação

 

- Que a CDHM debata a regulação da mídia no Brasil

 

- Que a CDHM atue sobre os casos em que jornalistas sofrem tentativas de cerceamento de seu trabalho por meio de processos judiciais, especialmente no estado de Alagoas

 

- Que a CDHM peça informações sobre os casos recentes de assassinatos e ameaças a jornalistas no Alagoas

 

- Que a CDHM atue junto ao CNJ para a inclusão de jornalistas independentes na Comissão Executiva do Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa

 

- Que a CDHM peça informações sobre o caso do espancamento da jornalista do Mídia Ninja Karinny Rodrigues pela Polícia Militar de Belo Horizonte

 

 - Que a CDHM elabore uma moção de apoio à situação de ameaça sofrida pelo Sr. David Soares, jornalista do portal "Diário do Poder”