Legislação Informatizada - LEI Nº 4.320, DE 17 DE MARÇO DE 1964 - Veto

LEI Nº 4.320, DE 17 DE MARÇO DE 1964

MENSAGEM DE VETO Nº 41, DE 17 DE MARÇO DE 1964
(Nº 47-64, NA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA)

Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal:

               Tenho a honra de comunicar a Vossa Excelência que, no uso das atribuições que me conferem os artigos 70, § 1º e 87, II, da Constituição Federal, resolvi vetar, parcialmente, o Projeto de Lei da Câmara nº 201-D, de 1950 (no Senado nº 38, de 1952), que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados , dos Municípios e do Distrito Federal.

              Incide o veto sôbre as disposições abaixo relacionadas, por contrárias aos interesses nacionais, pelas razões a seguir expostas:

    1. o parágrafo único do art. 8º e no art. 57, a expressão "Ressalvado o parágrafo único do art. 3º desta lei".

      Razões:

      Os incovenientes devidos ao sistema vigorante da pluralidade orçamentária são indiscutíveis. Aprovando norma repressiva às violações do princípio da universalidade, êste Govêrno apenas abre caminho para a concretização do desiderato a que se propõe - entrelaçar todas as decisões num conjunto representativo de plano bem integrado com vistas à situação econômica - para saneamento das finanças públicas que está o País a reclamar.

      Entretanto, o caráter seletivo emprestado pela redação do parágrafo único situa de forma antagônica o amplo e indubitável entendimento firmado à luz do art. 3º, que demonstra o alcance total da influência governamental sobre a economia em perfeita sintonia com a regra constitucional da universalidade.

      Além disso, é flagrante a colisão com as normas salutares ditadas no art. 7º, as quais objetivam que o orçamento previna a maneira pela qual em caso de "deficit", seja ele coberto.

      As exclusões do parágrafo único são endereçadas às operações de crédito por antecipação de receita, às emissões de papel-moeda e a outras entradas compensatórias no ativo e passivo financeiros. Quanto às primeiras, não haverá quaisquer dúvidas a suscitar, uma vez que, tradicionalmente, há alguns exercícios, os orçamentos da União vêm inscrevendo e prevendo limitação para socorro da administração financeira em tias operações. Por não alterarem o patrimônio, as operações compensatórias estariam "ab initio" ressalvadas do tratamento preconizado, perante a inteligência da regra da universalidade, razão bastante para ser desnecessária a excepcionalidade inscrita no dispositivo vetado.

      Portanto, resta por relevo à aplicabilidade da regra quanto a emissões. Nesse passo o dispositivo seria oportuno, caso não existisse o art. 73, § 1º, II, da Constituição Federal. O mestre de Direito Constitucional, Pontes de Miranda, em "Comentários à Constituição de 1946. Tomo III, página 13", ensina, quanto à abertura de operações de crédito e emissões de curso forçado, de que trata o art. 65, VI, da Lei Maior:

      "A lei seria, congentemente, "lei fora do orçamento" se não existisse o art. 73, § 1º, II, que permitiu a inserção da regra jurídica autorizativa da emissão no orçamento da República, quando disse, abrindo exceção ao princípio de que só se insere no orçamento o que se tem por lei em sentido formal, que se pode embutir no orçamento "o modo de cobrir o "déficit". Um dos modos de tal cobertura é a emissão.

      As emissões, para que tenham base em lei, isto é, para que se não possam considerar atos em exercício de delegação legislativa, portanto atos administrativos legais e contrários à Constituição de 1946 art. 36, § 2º, é preciso que os tenha precedido lei - lei feita pelo Congresso Nacional, com a sanção de Presidente da República - e tal lei não haja deixado arbítrio ao Poder Executivo. A lei é a lei que autoriza a emissão, fora do orçamento, ou , por força do art. 73, § 1º, II, da Constituição de 1964, a regra jurídica autorizativa de emissão inserta no orçamento, se para cobrir "déficit" orçamentário. Não se pode invocar o art. 73, § 1º, Ii, da Constituição de 1946, a regra jurídica autorizativa de emissão inserta no orçamento, se para cobrir "déficit" orçamentário. Não se pode invocar o art. 73, § 1º, II da Constituição de 1946, se a emissão não é para cobrir o "déficit". Porque a regra jurídica autorizativa de emissão somente é de permitir-se inserta no orçamento se o é como "modo de cobrir o "déficit".

      Quanto ao veto à expressão do art. 57, é decorrência natural da impugnação do parágrafo único do artigo 3º;

    2. o § 2º do art. 6º:

      Razões:

      As vinculações específicas da Receita, no tocante ao Orçamento Federal, atingem cerca de 42% do total. Tais vinculações já estão regidas quer por princípios constitucionais, quer por normas estabelecidas e leis especiais. Não há por que alterar a sistemática vigente, procurando-se adotar, apenas, como base de cálculo das notações e apuração do balanço do exercício anterior, tanto mais que, na prevalência do critério proposto, ocorrerão drásticas reduções nas verbas destinadas, principalmente a investimentos ligados a planos de desenvolvimento regional e a outros setores relevantes e estratégicos da economia nacional.. Essas reduções serão ainda mais agravadas, em termos reais, se se considera o não ajustamento, em moeda corrente, de vinculações da receita a taxa da inflação, não a vigorante em exercício anterior, mas sim aquela prevista para o ano em que se formula a proposta orçamentária.

    3. os arts. 9º e 10:

      Razões:

      Os conceitos de tributo, imposto, taxa e contribuição de melhoria constituem matéria do projeto de Código Tributário Nacional, apresentado pelo Executivo (Projeto na Câmara número 4.834-8, de 1955) Tais conceitos assumem ímpar relevância, por suas conseqüências práticas sobre a validade das contribuições compulsórias da União, Estados ou Municípios, em especial quanto às figuras não expressamente enumeradas na discriminação constitucional de rendas.

      As definições vetadas divergem parcialmente das constantes daquele projeto de Código. E não satisfazem, por não serem abrangentes de certos tributos, tais como os destinados a atender a atividades especiais da administração (o imposto único sobre combustível e lubrificantes líquidos, por exemplo) e os de finalidade extrafiscal.

    4. no art. 14, a expressão "subordinados ao mesmo órgão ou repartição".

      Razões:

      A negativa de sanção se prende ao afluxo de dúvida sem conta e justificáveis surgidas em assuntos de organização. Na ordenação dos orçamentos, em que a liberdade de composição, em virtude da dinâmica do processo, deve estar limitada pelos interesses da Administração e com vistas aos propósitos econômicos e sociais, tôdas essas altas finalidades ficariam tolhidas por não se comportarem em estruturas desatualizadas ou em vias de edificação.

      Entendo ser ponderável o volume de discrepâncias criado pela conceituação, principalmente pelo regime de submissão das dotações ao mesmo órgão ou repartição, quando se tratar de recursos para despesas, às quais não corresponda contraprestação de bens ou serviços, inclusive subsídios de toda a natureza destinados a manutenção de outras entidades de direito público ou privado , por exemplo, às cotas pertencentes aos Municípios no imposto de renda e no imposto de consumo.

    5. no art. 15, as palavras entre vírgulas - "no mínimo" e todo o § 1º.

      Razões:

      A redação do art. 15 e o disposto no seu § 1º concorrem decisivamente para o desvirtuamento de outras normas sobre a estrutura e funções da lei de orçamento.

      Colocado em plano inferior o sentido programático, e evidenciando apenas os desdobramentos, meras fases, o acessório passa à condição de essencial. Seria homologar processo complementar, posto à margem pela maioria das nações. Conduzida a mensuração das metas visadas em termos de unidade de trabalho para cada atividade cometida ao setor público, caso a discriminação da despesa, na lei, se faça no mínimo, por elementos; e conceituando como elementos os desdobramentos da despesa com pessoal, material, serviços, obras e outros meios, os vetados dispositivos induziriam à aprovação de leis orçamentárias excessivamente discriminativas, como todas as inconveniências comprovadas, a saciedade, pela experiência universal.

      Prevenindo-se contra possível inobservância das normas de capitulação da despesa na fase de execução, os controles interno e externo, sem prejuízo da ação do Tribunal de Contas ou órgão equivalente, auxiliados pela contabilidade, ensejarão, evitadas a diluição gerada pela excessiva pormenorização das verbas e, em certos aspectos, eliminado o desperdício de dinheiros públicos, a visão do conjunto e o conseqüente cumprimento do programa de trabalho.

      Portanto, a concentração de recursos em uma única rubrica, por exemplo a de Material Permanente, permitirá o estabelecimento de critérios de preferência, sem ferir qualquer regra constitucional, segundo as necessidades e disponibilidades em confronto com a variação dos preços do mercado.

      Outrossim, não ocorrerá o que agora acontece, quando as dotações concedidas tornam-se insuficientes para fins especificados e ficam sem aplicação por não poderem ser grupadas para satisfazer pelo menos um ou alguns dos itens dos programas elaborados.

      Desse modo, entendo não se ter caracterizado a presente lei apenas sob o prisma de diploma legal de consolidação de dispositivos vigentes, porém com múltiplas facetas em que ultrapassa os limites do processo atual, inovando para adotar os poderes competentes de instrumento de Administração e controle razoável para condicionamento dos problemas a solucionar e coordenação de sua atividade financeira.

      Partindo dessa concepção e do fato de existir esquema (art. 13 e anexos 3 e 4) para a classificação da receita e da despesa, sem qualquer quebra do princípio constitucional da especialização, decidi-me pela impugnação dos dispositivos acima mencionados.

    6. o art. 43 e todos os seus parágrafos e a expressão "obedecidas as disposições do art. 43" do art. 7º, I.

      Razões:

      A despeito da tenaz luta encetada desde alguns decênios pelo setor público em matéria financeira, nas sua três esferas de governo, poucas vezes este apresentou orçamento equilibrado, visto serem normalmente superados os incrementos de arrecadação pela desproporcionalidade da contrapartida dos gastos públicos.

      Portanto, condicionar-se como disponibilidades para novas despesas os prováveis excessos de arrecadação em exercícios marcados pelo déficit, sem qualquer inclinação, por ora, para o equilíbrio, constituiria fuga à realidade financeira.

      Saliente-se ainda a irrealidade e o artificialismo no tocante às estimativas da receita, a que poderá ser levada a administração financeira caso admitida algumas definições compreendidas nos parágrafos do dispositivo vetado.

      Quanto ao veto da expressão "obedecidas as disposições do art. 43", no inciso I do art. 7º é decorrência natural da impugnação do art. 43 e seus parágrafos.

    7. o § 1º, do art. 55

      Razões:

      Ocorre evidente inconveniência técnica em fixar-se em lei de caráter geral e aplicável às três esferas de governo, as características formais dos recibos de arrecadação.

      Trata-se de matéria de caráter nitidamente regulamentar, que não convém cristalizar-se em texto legal, especialmente pela circunstância de tentar disciplinar matéria sujeita aos mais dinâmicos progressos tecnológicos no campo de mecanização de serviços.

    8. no art. 58, a expressão "ou não".

      Razões:

      A obrigação de pagamento, decorrente do empenho de despesa, depende, sempre de implemento ou condição. Dispor contrariamente, como faz o dispositivo, por isso parcialmente vetado, constituiria erro técnico substancial, capaz, entre outras conseqüências, de induzir terceiros em outros erros, particularmente quanto à negociabilidade da "nota de empenho".

      Estando anota de empenho revestida dos requisitos da regularidade, é pacífico, portanto, o implemento ou a condição. Infere-se ser a alternativa inoportuna e descabida.

    9. o parágrafo único do art. 64.

      Razões:

      Em seus arts. 83 e 100, a lei acertadamente estabelece rigorosos preceitos tendentes e assegurar o completo controle da administração pública , inclusive, em relação às operações extra-orçamentárias. Constituiria, porém, sério incoveniente determinar-se que as ordens de pagamento somente poderão expedir-se em documentos previamente processados pelos serviços de contabilidade. Circunstâncias ocorrem em que a ordem de pagamento não pode aguardar, sem grave prejuízo para os serviços, o controle contábil antecipado. A rigidez da norma cria dependência anti-econômica e insuportável para a maioria dos serviços existentes de âmbito federal, estadual e municipal.

    10. a parte final "nem a responsável por dois adiantamentos" do art. 69.

      Razões:

      O preceito ora vetado consta da legislação federal vigente, mas já não prevalece em alguns estados. Relativamente numerosos serviços da União tornou-se um empecilho artificial, sem fundamento válido.

      Com efeito tal preceito não constitui garantia efetiva contra as malversações, pois se a um só responsável permite conceder um ou dois adiantamentos, sem qualquer limite, não permite conceder mais de dois, embora todos de valor insignificante.

      Numerosos órgãos, sobretudo federais, vêem forçados a operar normalmente sob o regime de adiantamentos, em face da natureza dos próprios serviços e das condições das áreas do interior onde devem atuar. E não dispõem, geralmente, de grande número de servidores capazes de administrar adiantamentos. Nessas condições, tais órgãos teriam seu funcionamento facilitado se a um mesmo responsável pudessem simultaneamente conceder mais de dois adiantamentos . esta solução viria permitir, inclusive, maior discriminação dos recursos destinados a programas especiais, em lugar das usuais dotações para "Despesa de qualquer natureza", que dificultam a análise e vêm propiciando abusos.

      O servidor que não presta contas do adiantamento no prazo legal considera-se em alcance. Bastará no interesse da administração, manter-se este preceito, contido na primeira parte do art. 69, vetada a parte final do dispositivo.

    11. o art. 98.

Razões:

A conceituação de dívida fundada deverá fazer-se em outra lei, relativa ao crédito público, e da qual já existe projeto em curso no Congresso.

Ademais a dívida fundada ou consolidada não se caracteriza apenas pelo prazo de resgate, mas também pela natureza dos títulos que a representam, e que são, tradicional e legalmente, as apólices da Dívida Pública e as obrigações do Tesouro, para cuja emissão ora se exige autorização legislativa, tanto na União como nos Estados e Municípios.

De outro lado, a emissão de Letras do Tesouro a prazo inferior a doze meses, tem -se revelado recurso de acentuado valor prático, para atender a insuficiência de tesouraria, inclusive as decorrentes de déficits de execução orçamentária. Não convém, portanto, caracterizar a dívida fundada como a de exigibilidade superior a doze meses. Não convém, portanto, caracterizar a dívida fundada como a de exigibilidade superior a doze meses. Não convém, tampouco, como faz o dispositivo vetado, conceituá-lo como base nesse critério de exigibilidade, aliado à finalidades de atender a desequilíbrios orçamentários ou a financiamentos de obras ou serviços públicos. Essa conceituação excluiria, por exemplo, o lançamento de empréstimos fundados que visassem ao financiamento de guerra ou a simples consolidação da dívida anterior.

               São estas as razões que me levaram a impugnar, em parte, o projeto de que se trata, as quais ora submeto à elevada consideração dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

Brasília, em 17 de março de 1964 - João Goulart.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional de 23/04/1964