Texto base da Consultoria Legislativa

 

 

A reforma do ensino médio conforme a Medida Provisória nº 746, de 2016.

Autor: Ricardo Chaves de Rezende Martins

Consultor Legislativo da Área XV

Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia.

Novembro/2016

Versão em PDF: Reforma do Ensino Médio

 

 

 

A Medida Provisória nº 746, de 2016, tem dois grandes objetivos: o primeiro é o de promover uma ampla reforma curricular do ensino médio; o segundo, o de instituir uma política de estímulo à oferta do ensino médio público em tempo integral. A seguir, descrevem-se alguns de seus principais pontos.

A reforma curricular do ensino médio pretende flexibilizar e diversificar a trajetória de estudos dos estudantes, aproximando-a de seus interesses e motivações. Para todos os alunos, haverá uma Base Nacional Comum Curricular, abrangendo componentes curriculares de todas as áreas do conhecimento. Essa Base deverá preencher parte (cerca da metade) da carga horária do ensino médio. O restante será composto por itinerários formativos diferenciados, à escolha dos estudantes, que poderão optar por estudos em linguagens, matemática, humanidades, ciências da natureza ou formação técnica e profissional.

Como disciplinas obrigatórias, permanecem a língua portuguesa e a matemática, em todos os anos do ensino médio. Como língua estrangeira, deverá ser oferecido inglês, podendo ser ofertados adicionalmente outros idiomas, de preferência o espanhol.

As artes, a educação física, a filosofia e a sociologia deixam de ser expressas como componentes obrigatórios, mas cabe esperar que constem da Base Nacional Comum Curricular, dada a sua relevância para a formação integral dos estudantes.

Para a formação técnica e profissional, admite-se o aproveitamento de vivências em ambiente de trabalho ou similar, bem como a participação de profissionais de notório saber para oferta de determinados componentes específicos.

O segundo objetivo da Medida Provisória está relacionado com a instituição de um programa de estímulo ao ensino médio em tempo integral. Para tanto, prevê a ampliação progressiva da carga horária anual para 1.400 horas (embora sem estabelecer prazos) e apoio financeiro para determinado número de escolas, em cada Estado e no Distrito Federal, por quatro anos, para implantação desse regime de estudos.

 

Texto descritivo da Medida Provisória 

 

A Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016, “institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências”.

O diploma legal contém 14 artigos.

1. No art. 1º são introduzidas diversas modificações na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, de diretrizes e bases da educação nacional (LDB), cujo principal objetivo é promover uma profunda alteração na organização do ensino médio no País:

1.1. O parágrafo único do art. 24 é alterado para prever a expansão progressiva da carga horária mínima anual do ensino médio para 1.400 horas (hoje essa carga é de 800 horas), de acordo com as normas de cada sistema de ensino e com as orientações do Plano Nacional de Educação.

1.2. O art. 26, que dispõe sobre os currículos das etapas da educação básica, recebeu modificações em diversos parágrafos:

No § 1º, a referência a “Brasil” é substituída por “República Federativa do Brasil”. Além disso, acrescenta-se a observância aos arts. 31, 32 e 36 que tratam, respectivamente, de disposições específicas para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

No § 2º, retirou-se a obrigatoriedade do ensino da arte no ensino médio.

No § 3º, retirou-se a obrigatoriedade da educação física no ensino médio.

 No § 5º, estabeleceu-se o inglês, como língua estrangeira a ser obrigatoriamente ensinada, a partir do 6º ano do ensino fundamental (anteriormente a obrigatoriedade era a partir do 5º ano, para língua estrangeira de livre escolha da comunidade escolar, de acordo com as possibilidades da instituição)

No § 7º, retirou-se a obrigatoriedade de inclusão, nos currículos, de temas relativos aos princípios da proteção e defesa civil e à educação ambiental, substituindo por uma determinação de que a Base Nacional Comum Curricular disponha sobre os temas transversais que poderão ser incluídos nos curriculos.

No § 10 (parágrafo novo ora inserido), impõe-se regra para a inclusão de novos componentes curriculares obrigatórios na Base Nacional Comum Curricular: aprovação pelo Conselho Nacional de Educação, homologação pelo Ministro da Educação e oitiva prévia do Conselho Nacional de Secretários de Educação – Consed e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educção – Undime.

1.3. O art. 36, que trata especificamente do currículo do ensino médio, foi praticamente todo alterado:

O “caput” recebeu novo conteúdo, que passou a fazer referência à Base Nacional Comum Curricular e a itinerários formativos específicos, a ser definidos pelos sistemas de ensino, de acordo com 5 áreas do conhecimento ou de atuação profissional: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Com essa nova redação, deixaram de constar do texto legal diretrizes tais como: (a) o destaque à educação tecnológica básica, à compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; ao processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; e à língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania; (b) a adoção de metodologias de ensino e avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes. Também foi suprimido o caráter obrigatório da Filosofia e da Sociologia como disciplinas do ensino médio. A referência à língua estrangeira foi deslocada para o novo § 8º.

O § 1º passou a dispor sobre a possibilidade de que os sistemas de ensino componham seus currículos com base em mais de uma área prevista no “caput”. O conteúdo anterior determinava que, como objetivos terminais do ensino médio, os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação habilitassem o educando a demonstrar domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna e conhecimento das formas contemporâneas de linguagem.

O § 3º agora determina que a organização das áreas do “caput” e de suas competências, habilidades e expectativas de aprendizagem, definidas na Base Nacional Comum Curricular, obedecerá a critérios estabelecidos em cada sistema de ensino. Anteriormente, esse parágrafo dispunha sobre a equivalência legal dos estudos de nível médio e da habilitação para o prosseguimento de estudos.

O § 5º (novo) dispõe sobre características gerais do currículo: formação integral do estudante; trabalho voltado para contrução do projeto de vida; formação nos aspectos cognitivos e socioemocionais. As diretrizes serão definidas pelo Ministério da Educação.

O § 6º (novo) determina que a carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a 1.200 horas da carga total do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino. Isso corresponde, atualmente, à metade da carga mínima total exigida (2.400 horas).

O § 7º trata da parte diversificada do currículo, sua integração com a Base Nacional Comum Curricular e articulação com o contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural.

O § 8º determina a obrigatoriedade do estudo da língua inglesa e admite a oferta, em caráter optativo, de outras línguas estrangeiras, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. É importante considerar este dispositivo em conjunto com o art. 13 da Medida Provisória, que revoga a Lei nº 11.161, de 2005. Essa Lei determinava a oferta obrigatória, de modo progressivo, da língua espanhola, de matrícula facultativa para o aluno do ensino médio. Permitia também sua oferta nos anos finais do ensino fundamental.

O § 9º torna obrigatório o ensino da língua portuguesa e da matemática nos três anos do ensino médio.

O § 10 abre a possibilidade, de acordo com a disponibilidade de vagas na rede de ensino, de que o concluinte do ensino médio, no ano subsequente ao da conclusão de seus estudos, curse itinerário formativo adicional.

O § 11 dispõe sobre questões específicas da formação técnica e profissional: inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, com parcerias, sendo aplicada, quando cabível, a legislação sobre aprendizagem profissional; e concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a organização da formação admitir etapas com terminalidade.

O § 12 dispõe que ofertas de formações experimentais em áreas que  que não constem do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos só terão continuidade se reconhecidas pelo respectivo Conselho Estadual de Educação no prazo de 3 anos e inseridas no referido Catálogo no prazo de 5 anos, contados da data de início dessas ofertas. Essa norma promove alguma alteração no que dispõe a Resolução nº 1, de 2014, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Essa Resolução trata apenas de autorização pelo órgão estadual e não do reconhecimento; também não estabelece prazo para inserção no Catálogo.

O § 13 trata da validade nacional dos diplomas de ensino médio emitido pelas instituições de ensino, habilitando ao prosseguimento de estudos em nível superior e outras formações que requeiram a conclusão do ensino médio. Seu conteúdo abarca o que dispunha o teor do antigo § 3º do art. 36 (embora não se refira explicitamente à equivalência legal de estudos) e explicita as possibilidades de continuidade de estudos.

O § 14 trata dos processos nacionais de avaliação do ensino médio: a União, em colaboração com os estados e o Distrito Federal, estabelecerá os padrões de desempenho esperados que constituirão referência, considerada a Base Nacional Comum Curricular.

O § 15 prevê formas adicionais de organização do ensino médio: em módulos; sistemas de créditos ou disciplinas com terminalidade específica; sempre observada a Base Nacional Comum Curricular.

O § 16 admite a convalidação de estudos realizados no ensino médio para aproveitamento de créditos na educação superior, de acordo com normas aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e homologadas pelo Ministro de Estado.

O § 17 prevê o reconhecimento, pelos sistemas de ensino, de acordo com regulamentação própria, de conhecimentos, saberes, habilidades e competências para efeitos de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio. Eles poderão ser comprovados, entre outras possibilidades, por: demonstração prática; experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora da escola; atividades de formação técnica oferecidas em outras instituições de ensino; cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais; estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; educação à distância ou presencial mediada por tecnologias.

1.4. O art. 44, que trata da educação superior, recebeu novo § 3º, dispondo sobre o processo seletivo para acesso aos cursos superiores de graduação: ele considerará exclusivamente as competências, habilidades e expectativas de aprendizagem das áreas do conhecimento definidas na Base Nacional Comum Curricular, correspondentes aos incisos I a IV da nova redação do “caput” do art. 36: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas.

1.5. O art. 61, que dispõe sobre os profissionais da educação, recebeu, em seu “caput”, o inciso IV, com nova categoria de profissionais: aqueles com notório saber reconhecido pleo sistemas de ensino para ministrar conteúdos afins à sua área de formação nos itinerários formativos de educação técnica e profissional.

1.6. O art. 62, que trata da formação dos profissionais da docência, recebeu novo § 8º, determinando que os respectivos cursos terão por referência a Base Nacional Comum Curricular.

2. No art. 2º, altera-se a Lei nº 11.494, de 2007, a Lei do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). São inseridos, para fins de ponderação diferenciada para distribuição de recursos do Fundo, duas novas categorias de ensino: a formação técnica e profissional e a segunda opção formativa de ensino médio. Esta inserção promoveu a renumeração dos incisos referentes a categorias já existentes.

3. O art. 3º determina que a alteração no currículo dos cursos de formação de professores (mudança no art. 62, com inserção do § 8º) deverá ser implementada dois anos após a publicação da Medida Provisória.

4. O art. 4º prevê que a implementação das alterações realizadas no art. 26 e 36 da LDB ocorrerá no segundo ano letivo subsequente à publicação da Base Nacional Comum Curricular. Caso a publicação da Base ocorra cento e oitenta dias antes do inicío do primeiro ano letivo subsequente, ela será implementada neste ano.

5. O art. 5º institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, para repasse de recursos federais para os estados e o Distrito federal, por quatro anos, por escola.

6. O art. 6º dispõe sobre as transferências de recursos referentes à Política instituída no artigo anterior. Torna-as obrigatórias, se obedecidos os critérios de elegibilidade dispostos na Medida Provisória e em regulamento, para a atender às necessidades das escolas em tempo integral cadastradas no Censo Escolar da Educação Básica. Os critérios estabelecidos são: implantação a partir da vigência da Medida Provisória e atendimento a condições previstas em ato do Ministro da Educação; existência de projeto político-pedagógico em conformidade com o art. 36 da LDB.

6.1 Os cinco parágrafos do art. 6º detalham procedimentos sobre as transferências: realizadas de acordo com as matrículas apuradas no Censo Escolar; realização anual, em valor único por aluno, de acordo com a disponibilidade orçamentária; aplicação dos recursos em despesas de merenda escolar e nas previstas nos incisos I (remuneração e aperfeiçoamento de profissionais da educação), II (despesas referentes a instalações e equipamentos necessários ao ensino), III (uso e manutenção de bens e serviços relacionados ao ensino), VI (bolsas de estudo) e VIII (material didático e transporte escolar) do art. 70 da LDB; desconto, em repasses futuros, de recursos não aplicados relativos a repasses anteriores, com exceção daqueles feitos nos últimos doze meses.

7. O art. 7º determina que as transferências serão feitas pelo Ministério ao Fundo Nacional de Desenvolvimentoda Educação (FNDE), sem necessidade de celebração de termo específico.

8. O art. 8º atribui ao Ministro da Educação a incumbência de editar ato sobre o acompanhamento da implementação do apoio financeiro.

9. Pelo art. 9º, a transferência de recursos pelo FNDE aos entes federados será feita automaticamente, sem necessidade de firmar convênio ou instrumento similar, com depósito em conta corrente específica. Os procedimentos operacionais, inclusive para prestação de contas, serão definidos pelo Conselho Deliberativo do FNDE.

10. O art. 10 obriga os entes federados beneficiários a prestar todas as informações requeridas sobre a execução dos recursos ao Tribunal de Contas da União (TCU), FNDE, órgãos de controle interno do Poder Executivo e conselhos de acompanhamento e controle social.

11. Pelo art. 11, o acompanhamento e controle social dos recursos dessa política serão exercidos pelos Conselhos do Fundeb dos estados e do Distrito Federal. A esses conselhos caberá emitir parecer conclusivo sobre a aplicação dos recursos, com base nas prestações de contas, para encaminhamento ao FNDE.

12. O art. 12 explicita que os recursos para o apoio financeiro correrão à conta de dotação orçamentária do FNDE e do Ministério da Educação.

13. O art. 13 revoga a Lei nº 11.161, de 2005, a Lei do ensino da língua espanhola.

14. O art. 14 é a cláusula de vigência imediata da Medida Provisória.