Documento de Referência da Consultoria Legislativa - Considerações sobre a Proposta do Poder Executivo Federal
DIRETORIA LEGISLATIVA
CONSULTORIA LEGISLATIVA
ASSUNTO: PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR - SERVIDORES PÚBLICOS
CONSULTORES: Leonardo Costa Schuler
DATA: 15 de agosto de 2011
Considerações sobre a Proposta do Poder Executivo Federal sobre a Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais.
O regime de previdência dos servidores públicos, ocupantes de cargos efetivos, difere sobremaneira do regime geral de previdência social. Essa profunda diferenciação, determinada em foro constitucional, foi atenuada pelas reformas promovidas por meio das Emendas Constitucionais nº 20, de 1998, e nº 41, de 2003, que alteraram, principalmente, os requisitos exigidos para aposentadoria. Persiste, entretanto, uma das principais diferenças entre esses regimes, a saber, o valor que benefícios como proventos de aposentadoria e pensões podem alcançar.
No regime geral de previdência social, ao qual passamos a nos referir como RGPS e do qual são segurados os trabalhadores da iniciativa privada, os empregados públicos e os que apenas ocupam cargo de livre nomeação e exoneração[i], a alíquota de contribuição do segurado varia de 8% a 11%, conforme sua remuneração[ii], e tanto a base de cálculo dessa contribuição (salário de contribuição) quanto a considerada para se calcular o valor dos benefícios (salário de benefício) são limitadas a um valor máximo preestabelecido, atualmente de R$ 3.691,74[iii]. Esses benefícios não sofrem desconto de contribuição previdenciária[iv]. A alíquota de contribuição do empregador é, em regra, de 20% sobre a folha de pagamento, incidindo, portanto, sobre a remuneração integral do empregado[v].
No regime de previdência dos servidores públicos federais ocupantes de cargo efetivo, doravante referido como RPSPF, a alíquota de contribuição do servidor é sempre de 11%[vi] e, para o cálculo da contribuição previdenciária, bem como dos benefícios, considera-se o valor integral da remuneração percebida pelo servidor[vii]. Portanto, os proventos de aposentadoria e as pensões pagos por esse regime podem alcançar o valor do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal[viii], que consiste no limite máximo da remuneração de servidores públicos[ix]. Todavia, esses benefícios sofrerão desconto de contribuição previdenciária, incidente sobre a parcela que ultrapassar o limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS ou, em se tratando de beneficiário portador de doença incapacitante, sobre o dobro desse limite[x]. A União contribui para o RPSP com o dobro da contribuição de cada servidor ativo[xi].
No intuito de abrandar a apontada discrepância entre a situação em que se aposentam os servidores públicos e os segurados do RGPS, bem como a redução do volume de recursos financeiros destinados ao custeio da previdência pública, a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, inseriu na Lei Maior dispositivos que autorizam a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a aplicarem o limite máximo de valor dos benefícios concedidos pelo RGPS ao valor dos proventos de aposentadoria de seus servidores e das pensões recebidas pelos respectivos dependentes, após seu falecimento. Condicionou essa medida, contudo, à instituição de regime de previdência complementar específico [xii].
A previdência complementar integra o regime de previdência privada, organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social e aos regimes de previdência de servidores públicos. Concebida para aumentar o valor dos benefícios previdenciários devidos nas hipóteses de doença, invalidez, morte ou idade avançada, baseia-se na constituição e acumulação de reservas financeiras suficientes para garantir a cobertura contratada. Sendo assim, deve oferecer adesão facultativa, motivada na confiança de uma boa gestão da entidade responsável pela administração dos planos de benefícios oferecidos a seus participantes e assistidos. Essa entidade de previdência complementar pode ser aberta ou fechada (fundo de pensão), de acordo com o público ao qual se destina.
Respaldado na apontada permissão constitucional, o Poder Executivo federal submeteu ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.992, de 2007, que “Institui o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, inclusive os membros dos órgãos que menciona, fixa o limite máximo para a concessão de aposentadorias e pensões pelo regime de previdência de que trata o art. 40 da Constituição, autoriza a criação de entidade fechada de previdência complementar denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal - FUNPRESP, e dá outras providências.”
Com a eventual transformação da proposição recém-citada em lei, o valor dos proventos de aposentadoria concedidos pelo regime de previdência dos servidores públicos federais passará a observar o limite máximo do RGPS. Isso alcançará, automaticamente, apenas os servidores dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e os membros desse último (magistrados), do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público da União que ingressarem no serviço público após a instituição do regime de previdência complementar, independentemente de aderirem, ou não, a esse último. Para os que tiverem ingressado no serviço público antes da instituição do regime complementar, a sujeição ao limite do RGPS dependerá de prévia, expressa e irretratável opção pela adesão ao regime instituído.
Nos termos da proposição anteriormente indicada, o regime de previdência complementar dos servidores públicos federais será instituído por intermédio de uma entidade denominada Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal – FUNPRESP, criada especificamente para tal fim e que oferecerá, exclusivamente, planos de benefícios na modalidade contribuição definida. Nessa modalidade, o valor do benefício percebido a partir da aposentadoria (benefício programado) não é previamente estabelecido, mas sim determinado, à época da percepção, pelo montante de recursos acumulados em nome de cada segurado. Será diretamente proporcional, portanto, ao valor e ao número de contribuições recolhidas, bem como à rentabilidade auferida com a aplicação dos recursos acumulados.
Consoante a proposta do Poder Executivo, as contribuições para o regime complementar incidirão apenas sobre a parcela da remuneração do servidor que exceder ao limite do RGPS. Cada servidor poderá fixar a alíquota de sua contribuição para o regime complementar e o patrocinador, ou seja, a própria União, sua autarquia ou fundação, ficará obrigado a recolher idêntico valor, até o limite de 7,5%.
Mesmo sem se estimar o valor do benefício que um servidor perceberá pelo regime complementar, as diferenças entre esse, de capitalização, e o regime público, de repartição, permitem antecipar alguns aspectos relevantes.
Tanto no âmbito do regime geral de previdência social quanto no do regime de previdência dos servidores públicos federais o cálculo dos proventos de aposentadoria toma por base a média das maiores remunerações, devidamente atualizadas, utilizadas como base para as contribuições, correspondentes a 80% do período contributivo[xiii]. Por conseguinte, as menores remunerações, correspondentes a 20% do período contributivo, não afetam o valor dos proventos, como ocorre com o valor do benefício concedido pelo regime complementar, que será reduzido em função da menor acumulação de reservas.
A Constituição assegura o direito do servidor a se aposentar, com proventos integrais, aos 60 anos de idade e 35 anos de contribuição, se homem, e aos 55 anos de idade e 30 anos de contribuição, se mulher[xiv]. Portanto, no regime de previdência dos servidores públicos a mulher não tem os proventos reduzidos por se aposentar mais cedo do que o homem. No regime complementar, contudo, a mulher receberá benefícios mensais com valores inferiores aos percebidos pelos homens, mesmo que ela se aposente com a mesma idade e tendo contribuído pelo mesmo tempo e com idênticos valores. Isso porque as mulheres têm maior expectativa de vida, de modo que as reservas constituídas devem ser distribuídas em um maior número de meses.
A título de exemplo, ao chegar aos 60 anos de idade uma mulher tem expectativa de viver por mais 22,8 anos, enquanto um homem de mesma idade tem a sobrevida estimada em 19,5 anos[xv]. Como a antecipação da aposentadoria em 5 anos não apenas abrevia a fase de acumulação de recursos como também estende a de percepção, o valor do benefício programado percebido por uma mulher aposentada aos 55 anos de idade, após 30 anos de contribuição, pode chegar a ser apenas ligeiramente superior à metade do valor do benefício recebido por um homem aposentado aos 60 anos de idade e 35 anos de contribuição.
No âmbito do regime geral de previdência social a apontada discrepância é atenuada. Embora o cálculo do fator previdenciário leve em consideração o tempo de contribuição, a idade de aposentadoria e a expectativa de vida do segurado, esse último fator desconsidera a diferença entre os sexos. Além disso, a redução legal do tempo de contribuição é compensada mediante acréscimo, a esse tempo, de cinco anos, em se tratando de mulher ou de professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, ou de dez anos, em se tratando de professora nessa última situação[xvi].
As compensações recém mencionadas podem gerar desequilíbrio entre contribuições e benefícios do RGPS, cujos eventuais déficits são suportados pela União. No âmbito de um regime de capitalização, contudo, desconsiderar, na fixação do valor do benefício, a diferença de expectativa de vida entre homens e mulheres ou a redução do período contribuitivo fará com que o segurado fique sem complementação de aposentadoria na fase final de sua vida. Nesse contexto, somente a elevação das alíquotas de contribuição pode compensar ou atenuar a redução do valor do benefício programado devido às mulheres e demais segurados que se aposentam em condições diferenciadas.
Portanto, os que mais sofrerão redução de renda após a aposentadoria, com a implantação do regime complementar, serão, dentre os que percebem remuneração superior ao limite do RPGS, aqueles para os quais a legislação estabelece requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria, ou seja, as mulheres[xvii]; os portadores de deficiência[xviii]; os que exercem atividades de risco[xix]; os que trabalham sob condições prejudiciais à saúde ou à integridade física[xx]; e os profissionais do magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio[xxi]. Como a redução do valor do benefício programado é mais do que proporcional à abreviação da fase de acumulação de recursos, já que implica ampliação da duração estimada para a fase de percepção de benefícios, os servidores enquadrados nas situações recém-indicadas tendem a se sentir compelidos a permanecer em atividade após terem atingido a idade e o tempo de contribuição exigidos para aposentadoria.
[i] CF, art. 40, § 13.
[ii] Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 20, caput, e Portaria Interministerial MPS/MF nº 407, de 14 de julho de 2011, art. 7º e Anexo II.
[iii] Portaria Interministerial MPS/MF nº 407, de 14 de julho de 2011, art. 2º, com vigência retroativa a 1º de janeiro de 2011.
[iv] Constituição Federal, art. 195, II, in fine.
[v] Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, art. 22, I.
[vi] Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, art. 4º.
[vii] CF, art. 40, § 3º, e Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, art. 1º, caput.
[viii] A partir de 1º de fevereiro de 2010, por força do disposto no art. 1º da Lei nº 12.041, de 8 de outubro de 2009, combinado com o que estabelece o art. 3º da Lei nº 11.143, de 26 de julho de 2005, o valor do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal foi reajustado para R$ 26.723,13. O Projeto de Lei nº 7.749, de 2010, em tramitação na Câmara dos Deputados, prevê que o subsídio seja fixado, a partir de 1º de janeiro de 2011, em R$ 30.675,48.
[ix] Constituição Federal, art. 37, XI.
[x] Constituição Federal, art. 40, §§ 18 e 21.
[xi] Lei nº 10.887, de 18 de Junho de 2004, arts. 4º e 8º, caput.
[xii] Constituição Federal, art. 40, §§ 14, 15 e 16.
[xiii] Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, art. 29, I, e Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004, art. 1º.
[xiv] Constituição Federal, art. 40, § 1º, III, “a”.
[xv] Tábuas Completas de Mortalidade – Homens e Mulheres – 2009, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
[xvi] Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, art. 29, § 9º.
[xvii] Constituição Federal, art. 40, § 1º, III, “a” e “b”.
[xviii] CF, art. 40, § 4º, I.
[xix] CF, art. 40, § 4º, II.
[xx] CF, art. 40, § 4º, III.
[xxi] CF, art. 40, § 5º.
Material atualizado até a data da publicação (17/08/2011).