Texto Base da Consultoria Legislativa
DIRETORIA LEGISLATIVA
CONSULTORIA LEGISLATIVA
ASSUNTO: AS MULHERES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
CONSULTORA: Ana Luíza Backes
DATA: 10 março de 2011
As mulheres na Câmara dos Deputados
As mulheres nunca foram completamente alheias ao universo da política no Brasil. Basta lembrar de personagens femininos que ocuparam postos importantes em nossa história, como a Princesa Isabel, que em sua curta gestão vinculou seu nome ao fim da escravidão.
O exercício do poder neste caso, contudo, era esporádico e individual, ligado aos laços de hereditariedade das famílias reais. E não mudava nada no quadro geral de exclusão - as mulheres estavam fora dos espaços de representação política que existiam antes do século XX. Durante o Império e a Primeira República não podiam ser eleitas para cargos representativos, e também não tinham direito ao voto nas eleições.(1)
O sufrágio feminino foi introduzido apenas depois da Revolução de 1930, no Código Eleitoral de 1932; em 1934 a Constituição reconheceu explicitamente às mulheres o direito e o dever de votar.
Vale registrar que esse direito foi conquistado antes no Brasil que em muitos outros países desenvolvidos, como por exemplo a França (1944), a Itália e o Japão (1946), a Bélgica (1948), e a Suíça (1971)(2). Em Portugal inicialmente só podiam votar as mulheres chefes de família, e, além disso, a lei exigia que tivessem completado o ensino secundário ou fossem titulares de um curso superior; apenas em 1974 o voto foi estendido a todas. Na América Latina, o Brasil foi o segundo país a dar o direito de voto às mulheres, depois do Equador; na Argentina e Venezuela isto só aconteceu em 1947, e no México em 1953. Observe-se que nos dias de hoje ainda existem países em que as mulheres não alcançaram os direitos políticos, como o Qatar e a Arábia Saudita.
Apesar de terem desaparecido as restrições legais à participação feminina, sua incorporação ao espaço público não foi imediata. No caso do Brasil, a Constituinte de 1934 teve apenas uma mulher eleita; a de 1946 não contou com nenhuma parlamentar do sexo feminino.
O quadro abaixo relaciona dados sobre a eleição de mulheres para a Câmara dos Deputados:
EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS NO BRASIL (1932-1998) (3).
Ano |
Candidatas |
Eleitas |
1932 |
1 |
1 |
1935 |
- |
2 |
1946 |
18 |
0 |
1950 |
9 |
1 |
1954 |
13 |
3 |
1958 |
8 |
2 |
1962 |
9 |
2 |
1965 |
13 |
6 |
1970 |
4 |
1 |
1974 |
4 |
1 |
1978 |
- |
4 |
1982 |
58 |
8 |
1986 |
166 |
26 |
1990 |
- |
29 |
1994 |
189 |
32 |
1998 |
352 |
29 |
Observe-se que é somente na década de 1980 que ocorre um crescimento relevante. Entre 1932 e 1982, o número de mulheres eleitas foi muito pequeno - as maiores bancadas femininas foram registradas em 1965 (6 mulheres) e 1982 (8 mulheres). Durante o período mais agudo do regime ditatorial a participação feminina no processo eleitoral regrediu bastante, como se pode ver.
Nos Legislativos municipais, o índice ao longo do período também foi baixo: entre 1932 e 1992, as mulheres conseguiram obter no máximo 7% das cadeiras de vereador(4).
A sociedade brasileira transformou-se muito no século XX: a industrialização, a urbanização e a entrada das mulheres no mercado de trabalho foram mudando os papéis tradicionais, e é natural que isto aos poucos fosse se refletindo numa maior participação política.
O exame da tabela acima, contudo, indica que este não é um processo linear e automático, nele intervêm muitos fatores. Indicaremos a seguir alguns elementos que jogam papel importante em seu desenrolar.
Um ponto que parece sugerido pelos dados acima é que a evolução da participação feminina acompanha o desenvolvimento da democracia - nos períodos autoritários os índices regridem, e com a ampliação das liberdades democráticas a participação aumenta.
Assim, em 1986, com a democratização do sistema político brasileiro, observa-se que o envolvimento feminino com o processo eleitoral deu um salto: o número de mulheres eleitas para a Constituinte passou de 8 para 26.
Não podemos esquecer, contudo, outro fator que foi de fundamental importância naquele momento. Na década de 1970 a emancipação feminina ganhou um impulso novo, com o desenvolvimento, no Brasil e no mundo, de um movimento feminista propriamente dito, denunciando a opressão patriarcal e reivindicando direitos iguais aos dos homens.
Estas bandeiras ajudaram a levar mulheres à Constituinte, onde muitos avanços foram obtidos, com destaque para a igualdade entre os sexos, inscrita no art. 5º, inc. I, da Constituição Federal. De lá para cá, as conquistas se multiplicaram, e inúmeras leis foram votadas, garantindo direitos e antigas reivindicações(5).
A eleição da primeira mulher para a Presidência da República no ano de 2010 representa um sinal extremamente positivo das mudanças que estão acontecendo no País. A presença feminina nas Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal mostra igualmente que passos seguros vêm sendo dados na conquista de igualdade no espaço público.
No que tange ao número de mulheres no parlamento, contudo, os avanços estão bem aquém do esperado. Especificamente com relação à Câmara, em 2002 houve um aumento considerável - o número aumentou de 29 para 42, mas depois disso permaneceu praticamente no mesmo patamar, 45 em 2006 e 45 em 2010(6).
Este número nos dá um lugar muito baixo numa comparação internacional: o Relatório da União Interparlamentar (UIP) (7), divulgado em 2010, coloca o Brasil em 106º lugar entre 140 países em termos de presença de mulheres nos parlamentos. Se na extensão do voto às mulheres o Brasil foi pioneiro, nos parlamentos está na retaguarda:
Em comparação com outros países da América Latina e do Caribe, o Brasil apresenta uma das menores taxas de representação parlamentar feminina, perdendo somente para Belize, Haiti e Colômbia. Em países como Argentina, Costa Rica, Peru, Equador e Bolívia, já se alcançaram níveis de participação parlamentar em torno de 30%. A média regional de participação feminina nos principais órgãos legislativos nacionais é de 22,1%. No Brasil, o índice é de míseros 12,3%(8).
O Relatório da UIP indica que em parlamentos de outros países a participação feminina vem crescendo de forma muito mais acentuada:
Segundo o último ranking divulgado pela União Interparlamentar (UIP), as mulheres ocupam 19,2% dos Parlamentos em 187 países analisados. (...) Nas 10 primeiras colocações estão: Ruanda, Suécia, África do Sul, Cuba, Islândia, Holanda, Finlândia, Noruega, Bélgica e Moçambique. Apesar de lento, o crescimento é constante, uma média de 0,5% ao ano. Para fazer uma comparação, basta lembrar que em 2005 as parlamentares eram apenas 11,3% no mundo. De acordo com a UIP, 15 anos após a "4ª Conferência Mundial sobre as Mulheres", em Pequim, na China, houve progressos importantes sobre a participação feminina no Parlamento e no Poder Executivo em governos de diversos países (9).
O texto assinala outro fator que não pode ficar de fora da análise: a importância da luta internacional, e as conquistas alcançadas neste plano, expressa em acordos que impulsionaram mudanças nos mais diversos países. Entre eles, destacam-se a Convenção Internacional sobre os Direitos Políticos da Mulher, da ONU, em 1953, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979 (promulgada no Brasil apenas em 2002), a Conferência Mundial sobre as Mulheres em Pequim, em 1995.
Outro ponto a assinalar é a importância das políticas afirmativas. Como destacam especialistas, este fator está diretamente relacionado com os progressos mundiais na participação política das mulheres nos parlamentos, destacados anteriormente(10).
No caso do Brasil, foram adotadas algumas medidas destinadas a promover a participação política das mulheres, mas os avanços legais não parecem ter sido capazes de promover mudanças significativas, ao menos não nos níveis esperados. Em 1997, foi introduzido um mecanismo de estímulo a candidaturas femininas: a Lei 9504/97 criou um mecanismo de reserva de vagas para mulheres nas listas de candidaturas elaboradas pelos partidos(11).
Art. 10............................................................................................................
.......................................................................................................................
§ 3º Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.
O dispositivo assegurou um aumento considerável do número de candidatas - para a Câmara de Deputados, por exemplo, praticamente dobrou o número de registros de mulheres entre 1994 e 2002 (passou de 7,18% em 1994, anteriormente à lei, para 14,84% em 2002)(12).
A Lei 12.034/09 alterou a redação deste dispositivo, reforçando seu conteúdo ao tornar o preenchimento das vagas de mulheres obrigatório:
Art. 10............................................................................................................
§ 3o Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
........................................................................................................ (NR)(13)
Em 2010 o número de candidatas cresceu novamente, mas o número de eleitas não apresentou um aumento correspondente:
Em 2010, houve um aumento substancial nas candidaturas femininas para os cargos proporcionais que, no entanto, não foi acompanhado de uma elevação no número de cadeiras conquistadas por mulheres na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Estaduais. Em 2006, o percentual de mulheres que concorreram a deputadas federais foi de 12,6%. No atual pleito, 19,4%. (...) Para o cargo de deputad@ estadual/distrital o aumento de candidaturas femininas em relação a 2006 foi de 59,2%, no entanto, foram eleitas apenas 10,5% a mais de mulheres. Para a Câmara Federal foram eleitas 45 deputadas, o mesmo número que na eleição passada(14).
Deve ser registrado que o dispositivo acima citado, da lei 12.034/09 não está sendo cumprido, pois os partidos registraram junto à Justiça Eleitoral listas de candidatos que não alcançam os 30% de mulheres que seriam obrigatórios(15).
Segundo levantamento citado no site Maismulheresnopoder,
[...] o principal problema para o não cumprimento da lei está sendo a divergência de entendimento do texto por parte dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), que são os responsáveis na observância do cumprimento das cotas.
O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE/SP), por exemplo, entendeu que não há como obrigar as coligações e os partidos políticos a preencherem a cota de 30%, em tese destinada às mulheres, no registro de candidaturas. O partido não pode ser prejudicado se não há mulheres interessadas nas vagas. Nos casos apreciados, não houve impugnação por esse motivo. Segundo o presidente do TRE/SP, Walter de Almeida Guilherme, a norma é mais uma "exortação" para que as mulheres participem do processo eleitoral e deve ser perseguida pelos partidos políticos, informou a assessoria de imprensa do TRE/SP(16).
Tem sido levantado que a lei seria mais eficaz se previsse a sanção para seu não cumprimento, por exemplo, impedindo o registro dos partidos que não cumprissem a cota mínima de mulheres candidatas(17).
Por outro lado, a análise do desempenho feminino nas últimas eleições evidencia que o aumento do número de candidatas não necessariamente se traduz no crescimento do número de eleitas. Um dos fatores a considerar é que há uma dificuldade maior no acesso das mulheres aos recursos financeiros, fator crucial na conquista de cargos(18).
Alguns especialistas sugerem que o sistema eleitoral brasileiro também pode estar entre as causas da evolução lenta da participação feminina no Brasil, pois as políticas de cotas parecem ser mais eficazes em países que usam as listas preordenadas(19).
A próxima legislatura deve tratar desses temas, examinando propostas que buscam modificar as normas existentes, como as que criam sanções para o não cumprimento das regras de cotas, ou as que introduzem dispositivos legais para facilitar o acesso a recursos financeiros, como os do fundo partidário(20).
(1) Uma tentativa pioneira foi feita na década de 1920, no Rio Grande do Norte – nas eleições de 1928, mulheres votaram, se candidataram, e se elegeram. Alzira Teixeira Soriano foi a primeira prefeita eleita no Brasil. A eleição, contudo, foi anulada, sob a alegação de que era necessária uma legislação federal que regulamentasse a participação feminina.
(2) Nicolau, Jairo Marconi. História do voto no Brasil. Rio de Janeiro, J. Zahar Ed., 2002.
(3) Quadro extraído de PIOVESAN, Flávia. Direitos Civis e Políticos: a conquista da cidadania feminina. In: O progresso das Mulheres no Brasil. UNIFEM, 2006. p. 41. Disponível em: <https://www.generoracaetnia.org.br/publicacoes/Progresso%20das%20Mulheres-BR.pdf> Acesso em: 09 mar. 2011.
(4) Alves, José Eustáquio Diniz. A mulher e a política de cotas: Brasil 2004. Disponível em: <https://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br/pdf/Legislativo/A_Mulher_na_Politica_e_a_Politica_de_Cotas.pdf> Acesso em: 09 mar. 2011.
(5) O artigo de Flávia Piovesan, anteriormente citado, indica as principais conquistas. Uma listagem completa da legislação beneficiando as mulheres é encontrada na publicação editada pela Câmara dos Deputados intitulada Legislação da Mulher.
(6) Informações sobre o número de mulheres eleitas em 2010 apresentam variações, em função de decisões do Poder Judiciário que alteram os resultados (em diferentes fontes encontramos números variando entre 44 e 46). O primeiro resultado divulgado foi 44 eleitas, o que levou à avaliação de uma diminuição do número de mulheres. A decisão do TSE no dia seguinte ao pleito validou a eleição da deputada Maria do Rosário (PT-RS), cuja candidatura havia sido impugnada, elevando este número para 45.
(7) A UIP (União Interparlamentar ou Interparlamentary Union - IPU) é uma organização internacional, fundada em 1889, que agrega parlamentos do mundo inteiro, organizando informações sobre eles, disponíveis em seu site: https://www.ipu.org/english/home.htm.
(8) In: A nova composição da bancada feminina no Congresso Nacional e os direitos das mulheres. Contribuição do CFEMEA no Boletim do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero.
(9) Citação retirada do artigo Aumenta a presença de mulheres nos Parlamentos mundiais, publicado em 9 de setembro de 2010, no site www.maismulheresnopoderbrasil.com.br
(10) A publicação Trilhas do poder das mulheres: experiências internacionais em ações afirmativas apresenta os debates de seminário realizado em 2007 na Câmara, pela Comissão de Legislação Participativa, onde este tema foi longamente debatido.
(11) Na verdade, a reserva de vagas foi introduzida pela primeira vez numa lei temporária, a lei que regulamentou as eleições de 1996.
(12) PIOVESAN, Flávia. “Direitos Civis e Políticos: a conquista da cidadania feminina”, op. cit.
(13)
(14) In: “A nova composição da bancada feminina no Congresso Nacional e os direitos das mulheres”, op. cit.
(15) Observe-se que, no momento do registro das listas pelos partidos, não necessariamente elas estão completas, pode haver alterações posteriores, o que contribui para dificultar o controle sobre o preenchimento dos percentuais (o art. 11, § 4º da Lei 9.504 faculta que candidatos apresentem seu nome depois do registro pelo partido).
(16) Ver matéria: “Site disponibiliza estatísticas de candidaturas”, publicada em 11 de Agosto de 2010, no site https://www.maismulheresnopoderbrasil.com.br
(17) Ver a respeito a intervenção de Montserrat Sagot, relatando a experiência com as cotas de mulheres na Costa Rica, no Caderno “Trilhas do poder das mulheres”, op. cit.
(18) A cientista política Teresa Sacchet, pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP afirmou no seminário A mulher e a mídia, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 02 e 04 de dezembro de 2010, que a distribuição dos recursos entre os candidatos homens e candidatas mulheres é diferenciada e que elas precisam gastar mais para se fazer conhecidas e ter sucesso eleitoral. (retirado de: https://www3.fpabramo.org.br/artigos-e-boletins/artigos/mulhermidia-%EF%BB%BFcampanhas-e-candidaturas-de-mulheres)
(19) Naqueles países, como a ordem dos candidatos é definida antes das eleições, pelos partidos, torna-se relativamente fácil estabelecer que a ordem da lista deva ser feita de modo que assegure um lugar definido às mulheres. Na Argentina, por exemplo, a cada três candidatos de um partido que efetivamente são eleitos, um deve ser do sexo feminino – a lista é feita nesta ordem (no Brasil, como a lista de candidatos de cada partido é ordenada depois da eleição, pelo número de votos recebidos individualmente, o percentual de mulheres fica restrito a lista prévia de candidatas, o que não garante sua eleição). Ver VOGEL, Luiz “Sistemas eleitorais, quotas e representação feminina”. Estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, disponível em: https://www2.camara.gov.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/tema3/2005_2673.pdf
(20) Para ver as propostas tramitação no Congresso, clicar em https://www2.camara.gov.br/documentos-e-pesquisa/fiquePorDentro/temas/mulheres_no_poder/proposicoes
Material atualizado até a data da publicação (14/03/2011).