Texto Base da Consultoria Legislativa

DIRETORIA LEGISLATIVA
CONSULTORIA LEGISLATIVA
ASSUNTO: FICHA LIMPA

CONSULTORA: Miriam Campelo de Melo Amorim

DATA: Abril de 2010

 

Que significa a expressão “Ficha Limpa”?

Para responder a essa pergunta, é necessário verificar o contexto em que ela se coloca no cenário político  e como evoluiu o tratamento legal e constitucional da questão das inelegibilidades no Brasil.

Uma série de escândalos, na vida pública brasileira, envolvendo desvios de verbas e compras de votos, provocou grande discussão na sociedade, tendo como foco a preocupação sobre como reduzir a corrupção no País.

Na base da nossa Constituição, encontram-se o princípio da soberania popular e o princípio da democracia representativa, assim formulados: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (CF, art. 1º, parágrafo único).

Desses princípios, decorrem a cidadania e os direitos políticos, que se destinam a servir ao Estado e aos administrados. O direito de votar é  consectário do princípio da soberania popular, enquanto que o direito de ser votado,  a  elegibilidade, o jus honorium, permite ao cidadão pleitear investidura nas funções políticas do Estado.

Aqueles que são privados do direito de ser votado, encontram-se em situação de inelegibilidade, quer dizer, estão alcançados por impedimentos que obstam à sua elegibilidade. Esses impedimentos podem ser de ordem constitucional (os que decorrem do próprio texto da Constituição – parágrafos 4º a 8º do art.14) ou de ordem legal (aqueles fixados pela lei complementar a que alude o § 9º do art. 14).

A Constituição de 1988 estabeleceu, inicialmente, os objetivos a serem alcançados pela fixação de casos de inelegibilidade por meio de lei infraconstitucional (a lei complementar a que alude o § 9º do art. 14), quais sejam: a preservação do regime democrático, da probidade administrativa, da normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração pública direta ou indireta. Os casos de inelegibilidade fixados em lei complementar, não poderão fugir àqueles objetivos ou finalidades desejados pela Lei Maior.

A Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994, voltando ao texto da Emenda Constitucional nº 25, de 1982, à Constituição de 1967/69, acrescentou aos objetivos visados pelo § 9º do art. 14, o da moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato.

Uma série de escândalos, na vida pública brasileira, envolvendo desvios de verbas e compras de votos, provocou grande discussão na sociedade, tendo como foco a preocupação sobre como reduzir a corrupção no País.

Surgiu, então, a preocupação em estabelecer, por meio da Lei de Inelegibilidade, impedimentos que obstassem à elegibilidade de pessoas que houvessem incorrido em condutas que as desabonassem, por determinado lapso de tempo, para o exercício de cargos eletivos. Passou-se a considerar que a candidatura de tais pessoas não deveria ser apresentada para o sufrágio do eleitorado. Assim, seriam elas excluídas da vida pública, o que contribuiria para que diminuísse a corrupção no País.

A Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidade) exige o trânsito em julgado de sentença condenatória  para que se configure a inelegibilidade do candidato.

Em 1993, o Poder Executivo enviou projeto de lei complementar ao Congresso Nacional (PLP nº 168/93) para expurgar do texto legal a exigência do trânsito em julgado das decisões judiciais, nos casos especificados. Bastaria, então, a sentença condenatória de primeiro grau, para que o condenado ficasse inelegível por algum tempo. A morosidade da Justiça é apontada como responsável pela impunidade, uma vez que os sucessivos recursos têm o condão de protelar quase que infinitamente a decisão definitiva.

A propósito de postura idêntica, pronunciara-se o Ministro Moreira Alves, com  sua proverbial acuidade e reconhecido saber jurídico, quando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, deixou de admitir o Recurso Extraordinário nº 99.069-1-BA, impetrado perante aquela Corte:

“(...) é a essa situação jurídica a que a lei de elegibilidades dá o o efeito de tornar inelegível  condenado por crime contra a administração pública e o patrimônio, a fé pública, a economia popular, a segurança nacional e a ordem política e social. É dessa imperatividade da decisão do primeiro grau que resulta a incompatibilidade com o cargo político, porque no seu raio de ação estreito e restrito se agasalha a preservação da moralidade para o exercício do mandato, que a Constituição prescreve no seu art. 155, item IV [atualmente, art. 14, § 9º].

Esse o efeito que (...) que as decisões deste Tribunal têm revelado, ao entender desnecessário o trânsito em julgado da sentença criminal condenatória, para causar a inelegibilidade do condenado.”

Ao PLP nº 168/93, foram apensados diversos projetos, com o sentido de amenizar as exigências da Lei de Inelegibilidade e fazer valer o seu efeito, independentemente do trânsito em julgado de decisão condenatória, ao fundamento de preservar a moralidade para o exercício do mandato, conforme quer a Constituição.

Dentre os projetos apensados ao PLP nº 168/93, avulta o PLP nº 518/09, oriundo de apoiamento popular de mais de um milhão e seiscentas mil assinaturas de eleitores, cuja coleta foi coordenada pelo Movimento Contra a Corrupção Eleitoral. O projeto foi denominado de “Ficha Limpa”. Para examiná-lo, foi criado um Grupo de Trabalho, no âmbito da Câmara dos Deputados, o qual contou com a participação de representantes dos  partidos políticos. Seu relator, o Deputado Índio da Costa fez várias reuniões com membros do MCCE para aperfeiçoamento da proposição. Após ampla discussão, ouvida de representantes da sociedade em audiências públicas, o Grupo de Trabalho aprovou o Substitutivo do Relator, que criou novas hipóteses de inelegibilidade e também aumentou para oito anos os prazos de sua cessação.

O PLP nº 168/93 e seus apensos foram levados ao Plenário desta Casa, onde receberam vinte e oito emendas, dentre elas o Substitutivo do Deputado Índio da Costa, aprovado pelo Grupo de Trabalho.

Atualmente, encontram-se as emendas na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para receber parecer, sendo relator o Deputado José Eduardo Cardozo.

Com esses esclarecimentos, cremos que podemos chegar a uma conclusão sobre o que se convencionou chamar de “Ficha Limpa”: trata-se de uma mobilização da sociedade para exigir do Congresso Nacional a aprovação de uma lei que evite a candidatura a cargos eletivos de pessoas inidôneas, com passado maculado por condutas recentes desabonadoras. Pretende-se, com essa medida, diminuir a corrupção, tanto na esfera federal, quanto na estadual e municipal.

 

 

MIRIAM CAMPELO DE MELO AMORIM

Consultora Legislativa

 

Material atualizado até a data da publicação (27/04/2010).