Texto base da Consultoria Legislativa
TIPO DE TRABALHO: ESTUDOS E CONSULTAS - OUTROS
SOLICITANTE: CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO
ASSUNTO: Elaboração de trabalhos para a atividade "Fique por dentro" do CEDI. Data de entrega: 30/11/17.
Tema: Controle do acesso a armas.
1. Texto de Apresentação
2. Texto Base
Autor: Vitor Hugo de Araujo Almeida
Consultor Legislativo da Área XVII
Segurança Pública e Defesa Nacional
Versão em PDF: Controle do acesso a armas
I - INTRODUÇÃO
O acesso a armas de fogo é assunto dos mais relevantes para todo País do mundo. Isso, porque, de um lado, tais equipamentos podem ser utilizados tanto para a proteção individual ou coletiva, quanto para o cometimento dos diversos tipos de crime, a incluir, por óbvio, os mais violentos.
De outro, temos a situação caótica de nossa segurança pública. 437 policiais civis e militares foram vítimas de homicídio no País em 2016, o que representa um crescimento de 17,5% em relação ao ocorrido no ano anterior; sete pessoas foram assassinadas por hora ano passado, num total de quase 62 mil mortes violentas intencionais, com um crescimento de quase 4% em relação a 2015; 2.703 pessoas morreram em latrocínios em 2016; um carro roubado ou furtado por minuto no Brasil entre 2015 e 2016; quase 50 mil estupros registrados em 2016, entre tantos outros números estarrecedores constantes do 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública[1].
Daí porque, sempre que o assunto do controle das armas surge nas discussões parlamentares ou no seio da sociedade brasileira em geral, as opiniões divergem e, não raro, os ânimos se exaltam.
Antes de confrontarmos argumentos favoráveis e contrários à flexibilização do acesso às armas de fogo no Brasil, buscaremos definir alguns conceitos que nos auxiliarão na compreensão mais específica do tema.
De plano cabe distinguir dois direitos normalmente regulados pela legislação atinente ao controle de armas: o direito de adquirir e o direito de portar. O primeiro direito tende a ser mais flexibilizado que o segundo, de forma que, em princípio, é mais fácil o Estado permitir que o cidadão possua uma arma de fogo em sua casa do que autorizar que o mesmo cidadão ande pelas ruas com a sua arma, ainda que legalmente adquirida.
É de todo importante destacar, também, uma divisão didática das armas, por duas categorias genéricas: as de propriedade estatal e as particulares. As estatais pertencem às organizações e instituições legalmente competentes para utilizar tais equipamentos como instrumentos de seu trabalho, aí incluídas as Forças Armadas, os órgãos policiais, alguns órgãos de fiscalização, entre outros.
As de propriedade privada, por sua vez, são aquelas de posse das pessoas em geral, não necessariamente vinculadas ao seu eventual emprego ou cargo público ou a qualquer órgão estatal. Elas se dividem em armas legalmente adquiridas e armas ilegalmente adquiridas. As primeiras devem ser controladas, em grau definido pela sociedade por meio de lei; as segundas, apreendidas na forma do que a legislação pertinente indicar.
As armas legalmente adquiridas o são em lojas ou fábricas controladas pelo Estado. São, portanto, naturalmente controladas pelos órgãos responsáveis, que registram dados sobre a mesma, de modo muito especial o nome do proprietário e informações sobre a identificação da arma.
As ilegalmente adquiridas podem ou não estar nos cadastros mantidos pelo Estado. Isso, porque suas origens são diversas, tais como a entrada por nossas porosas fronteiras, os roubos ou furtos de armas legais tanto do Estado quanto das pessoas particulares ou de lojas e fábricas legais ou clandestinas. Assim, podemos até saber precisamente quantas armas legais temos no País, mas seremos capazes apenas de estimar a quantidade de armas ilegais.
II – ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À LIBERALIZAÇÃO DO ACESSO ÀS ARMAS
Passemos, agora, aos argumentos mais comuns utilizados por aqueles que defendem um controle mais rigoroso do acesso às armas no Brasil.
1º Mais armas, mais mortes intencionais.
Quanto maior o acesso às armas, maior seria a probabilidade de que pessoas, ainda que nunca envolvidas com qualquer crime, cometessem um homicídio, em situações corriqueiras de desentendimento no trânsito ou mesmo no seio doméstico.
Quem defende o argumento em tela, argui que o acesso às armas, por si só, estimula que as pessoas se tornem mais violentas e que utilizem suas armas para resolver as diferenças eventualmente existentes entre elas e as demais pessoas da sociedade.
Normalmente, ao se valer desse argumento, o interlocutor costuma citar, também, aqueles casos impressionantes de “mass shooting” nos Estados Unidos, como o ocorrido há poucas semanas em Las Vegas, que resultou na morte de dezenas de pessoas.
Até mesmo casos de terrorismo costumam ser citados, tendo em vista que o acesso facilitado a armas, na visão dessa corrente de pensamento, torna mais fácil também aos terroristas adquirirem, legal ou ilegalmente, os instrumentos letais com os quais farão seus atos.
2º Mais armas, mais acidentes, inclusive com crianças.
A questão da imperícia ao se manejar uma arma é também costumeiramente levantada quando se quer sustentar que não se pode flexibilizar o acesso às armas de fogo em geral.
“Mesmo entre profissionais experientes das Forças Armadas e dos órgãos de segurança pública, ocasionalmente, ocorrem acidentes: imagine se todos tiverem acesso facilitado a esses instrumentos da morte”? Essa é uma das alegações mais comuns no que tange a esse tema dos incidentes.
A falta de prática e o desconhecimento da população como um todo no manuseio de armas de fogo aumentaria, assim, o risco de ocorrência de acidentes, a incluir, infelizmente, casos mais impactantes, como aqueles envolvendo a morte de crianças ou sequelas graves em sua integridade física e psicológica.
Pais displicentes no que tange a manter as armas longe do acesso de seus filhos acabariam por contribuir, não intencionalmente, para que acidentes ocorram.
3º Mais armas em geral, maior acesso aos bandidos.
Parte das armas utilizadas pelos bandidos provem de furtos e de roubos de armas legais. Se aumentarmos o número de armas legais no País, a tendência, na mesma direção, é que os bandidos terão, da mesma forma, à sua disposição um universo ainda maior para suas tentativas de acesso a essas armas.
As pessoas e suas casas se tornariam ainda melhores alvos compensadores para que os bandidos atuassem na tentativa de terem acesso a armas. Há registros de casos de furto, atualmente, que a única peça furtada em determinada casa foi uma arma de fogo, o que reforça a ideia de que uma pessoas que seja proprietária de um instrumento como esse seria, por definição, um alvo para os bandidos se concentrarem na busca de armamentos para suas ações criminosas e também para as disputas internas de poder entre suas respectivas facções.
4º Estatísticas internacionais não devem ser aplicadas ao caso brasileiro.
O Brasil é um país suis generis. Enorme população, grande área, fronteiras porosas, muitas pessoas analfabetas funcionais, quadro caótico na segurança pública, economia vacilante, desemprego em taxas astronômicas...
Utilizar aqui, então, dados estatísticos aplicáveis à Suíça ou aos Estados Unidos, por exemplo, não seria adequado. Até mesmo a história de povos de outros continentes ou de outra região de nosso subcontinente sul-americano faria com que o acesso a armas, “do lado de lá”, se justificasse, mas não do nosso lado.
Daí toda a cautela necessária para que haja bom senso ao se concluir pela possibilidade de armamento da população com base em dados estatísticos alienígenas.
5º O brasileiro não tem “maturidade” para possuir ou portar arma de fogo.
Muito conectado ao argumento anterior, alguns sustentam que, diferentemente de cidadãos de outros países, o brasileiro médio não teria condições psicológicas de possuir ou portar uma arma de fogo.
Basta analisar a ocorrência constante de brigas no trânsito, desentendimentos nos condomínios, disputas familiares ou empresariais pelo poder, violência doméstica ou familiar, “bullying”, lutas corporais com motivação passional etc. Imaginemos, diriam os defensores desses argumentos, todas essas situações “temperadas” com a existência de uma arma de fogo disponível para um ou mais dos contendores. Morte na certa.
6º O Estatuto do Desarmamento fez com que a criminalidade diminuísse.
Ao se analisarem as estatísticas da criminalidade no Brasil, verifica-se, na visão das pessoas dessa linha de pensamento, que a entrada em vigor da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, vulgarmente conhecida como Estatuto do Desarmamento, reduziu os índices de criminalidade no País.
É que a retirada das armas de circulação, com o estímulo estatal para que isso se desse, impactou diretamente o número de mortes violentas ou de ocorrência de crimes que se utilizasse de armas de fogo.
III – ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À LIBERALIZAÇÃO DO ACESSO ÀS ARMAS
Em contrapartida a esses argumentos, temos a posição de quem postula por um controle menos rígido no acesso às armas no País. Vejamos suas posições[2].
1º Os governos desarmam seus cidadãos para melhor controlá-los.
Baseados em argumentos históricos, os defensores dessa tese acreditam que as armas sejam as fontes reais de poder. Governos que querem controlar suas populações precisam desarmá-las, sob o risco de jamais terem a certeza de que não serão depostos por um levante popular sério, em que as pessoas dispõem de poder efetivo para se contrapor a suas medidas, justas ou não.
Argumentam, também, que as nações derrotadas em guerras, invariavelmente, são obrigadas a entregar suas armas aos vencedores. Isso se daria pelos mesmos motivos explicados no parágrafo anterior: armas são instrumentos e fontes de poder e o poder deve pertencer ao governo ou aos vencedores.
2º Países onde o acesso às armas é facilitado são mais seguros.
São citados como exemplos negativos: a Inglaterra, a Austrália, a Jamaica e a Irlanda, entre outros. Nesses países, as regras para acesso às armas de fogo se tornaram mais radicais e, com isso, a criminalidade aumentou.
De outro lado, teríamos os Estados Unidos, a Suíça e a República Tcheca. Nesses países, o acesso a armas de fogo, inclusive no que tange ao porte, é mais facilitado. Em consequência e tendo em vista a alegada dissuasão na mente dos bandidos fruto da possibilidade de sua pretensa vítima estar armada, os índices de criminalidade diminuíram ou se mantiveram estáveis e bem abaixo dos países com regras de acesso mais restritivas.
3º As armas ilegais não são obtidas, predominantemente, dos cidadãos que as possuem seguindo a legislação vigente.
Estimativas[3] dão conta de que apenas um quarto das armas nas mãos dos criminosos possuem algum registro anterior, tendo sido, pois, roubada ou furtada de um cidadão que a adquiriu seguindo todos os trâmites legais vigentes.
De onde viriam, então, os outros três quartos das armas disponíveis aos criminosos? De outros criminosos, do tráfico internacional, de nossas imensas fronteiras, entre tantas outras fontes.
Leis que restringem acesso a armas, nessa perspectiva, só são efetivas para os cidadãos que cumprem a Lei; para os criminosos, aumentar o controle de armas legais é indiferente, pois suas armas já se encontram à margem da Lei e dificilmente serão deles retiradas com base em novos dispositivos legais que, de resto, apenas tornam suas vítimas mais vulneráveis.
4º O número de acidentes caseiros com armas é insignificante.
Estimativas apontam para um número entre 10 e 16 milhões de armas de fogo no País atualmente nas mãos dos brasileiros. Ainda assim, segundo estudos realizados pela ONG Criança Segura, baseada em dados do Ministério da Saúde, apenas 0,7% das mortes de crianças até 12 anos se deram por acidentes com arma de fogo, entre os anos de 2003 e 2012. Os acidentes mais relevantes são os de trânsito (39,7%), os afogamentos (25,8%) e os sufocamentos (14,2%).
No caso dos adultos, a situação é parecida: apenas 1,4% das mortes acidentais no mesmo período se deram com a utilização de armas de fogo. 62,5% delas se deram com acidentes de trânsito e as quedas foram responsáveis por outros 15,5%, sendo assim, as mais relevantes[4].
5º O acesso às armas no País, atualmente, é restritivo demais.
O Estatuto do Desarmamento teria se tornado uma lei das mais restritivas do mundo no que diz respeito ao acesso às armas de fogo. A discricionariedade dadas às autoridades competentes para a autorização para aquisição e porte desestimulou as pessoas a buscarem instrumentos para sua proteção e tornou extremamente difícil seguir todos os passos e exigências legais para tal.
O resultado é que, atualmente, poucas pessoas se dispõem a entrar num processo lento e discricionário demais para o acesso a uma arma. Como esse tipo de restrição não afeta os criminosos, a proporção de armas legais para as ilegais, utilizadas pelos bandidos, tornou-se ainda menor.
6º Os bandidos serão desestimulados a agir contra uma população potencialmente mais armada.
O argumento da dissuasão é recorrente também para os que defendem à liberalização do acesso às armas de fogo. Eles acreditam que os bandidos refletiriam mais sobre a conveniência de atacarem ou não suas vítimas se imaginassem que ela também poderia dispor de uma arma.
Quantos criminosos acabariam dissuadidos de atuar em uma casa, para efetuar um furto, um roubo ou mesmo uma violência sexual, se a possiblidade de encontrar uma família armada estivesse em suas cabeças?
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema, como se viu, é complexo. Não há pretensão, neste pequeno trabalho, de esgotar o tema; apenas de aguçar a curiosidade do leitor para seguir em frente em suas pesquisas.
Ainda estamos em plena discussão acerca dos limites da interferência do Estado sobre o acesso às armas no Brasil e de seus reflexos sobre o quadro de insegurança pública em que estamos inseridos. Informe-se cada vez mais e se posicione. O cidadão informado é capaz de, efetivamente, influenciar os rumos de nosso País por meio da interação com os Parlamentares.
Consultoria Legislativa, em 4 de dezembro de 2017.
Vitor Hugo de Araujo Almeida
Consultor Legislativo
[1] Disponível em https://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/10/infografico2017-vs8-FINAL-.pdf. Acesso em 3 dez. 2017.
[2] Argumentos resumidos da obra “Mentiram para mim sobre o desarmamento”, de Flávio Quintela e Bene Barbosa.
[3] “Mentiram para mim sobre o desarmamento”, de Flávio Quintela e Bene Barbosa, páginas de 68 a 70.
[4] “Mentiram para mim sobre o desarmamento”, de Flávio Quintela e Bene Barbosa, páginas de 91 a 95.