Texto Base da Consultoria
COMBATE À IMPUNIDADE: 10 MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO
Maria Regina Reis
Consultora Legislativa da Área XXII - Direito Penal, Processo Penal e Procedimentos Parlamentares Investigatórios
Setembro / 2016
Versão em pdf: Combate à Corrupção
A grande sequência de escândalos de corrupção enfrentada pelo Brasil aliada à revelação da magnitude das quantias desviadas nos casos desvendados levaram o tema corrupção para o cotidiano do brasileiro. O assunto tornou-se ainda mais relevante após o lançamento, pelo Ministério Público, das chamadas 10 Medidas Contra a Corrupção. Mas, em consistem, exatamente, essas dez medidas?
Para responder essa pergunta, é necessário, primeiramente, fazer um paralelo entre a Operação Lavajato e a Operação Mãos Limpas, que ocorreu na Itália, a partir de uma série de investigações deflagradas pela Procuradoria de Milão, em 1992. Na época foram investigadas mais de 5 mil pessoas, dentre empresários, parlamentares, ministros de estado e, até mesmo, 4 ex-primeiros-ministros. A operação, que a princípio tinha o apoio da população, passou a ser desacreditada em 1994, quando Berlusconi, após sofrer processo de investigação, deu início a uma violenta campanha contra a magistratura. Não bastasse isso, Berlusconi também atacou a credibilidade do herói e símbolo da Mãos Limpas, o procurador Di Pietro. A partir de então, os juízes passaram a ser vistos como se estivessem em um embate político e não mais lutando contra o sistema corrupto que dominava o país. A manutenção das regras do sistema político e do arcabouço legal arruinou todo o trabalho da Mãos Limpas: a Itália convive hoje com uma corrupção igual ou maior à que antecedeu a Operação.
Conhecedor da experiência italiana, o Ministério Público Federal tomou precauções para evitar que a Lavajato tivesse o mesmo fim que a Mãos Limpas. Desde o início, os resultados da operação foram apresentados com total transparência. Além do mais, a cada fase que se concretizava, eram concedidas entrevistas pelos integrantes da força tarefa, aproximando, dessa forma, o Ministério Público da sociedade. Ademais, ao lançar as minutas de projeto de lei intituladas Dez Medidas Contra a Corrupção, o Ministério Público buscou o apoio popular através da coleta de assinaturas, unindo-se, dessa forma, ainda mais à sociedade.
As Dez Medidas consistem, na verdade, em 10 temas, cada qual correspondente a uma minuta. A fim de facilitar a tramitação desses projetos no Congresso, o Deputado Antonio Carlos Mendes Thame e outros parlamentares reuniram os dez projetos em uma única proposição e a apresentaram perante a Câmara dos Deputados, que recebeu o número PL 4850/2016. Porque a matéria ali tratada abarca a competência de mais de três Comissões permanentes, foi constituída uma Comissão Especial para examiná-la, que foi instalada em 13 de julho do corrente ano, sendo presidente o Deputado Joaquim Passarinho (PSD/PA), e relator o Deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS).
São os seguintes os temas tratados no PL:
1. PREVENÇÃO À CORRUPÇÃO, TRANSPARÊNCIA E PROTEÇÃO À FONTE DE INFORMAÇÃO
De acordo com a proposta, a prevenção é feita através da criação de regas de accountability no âmbito dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios e dos Ministérios Públicos respectivos. Accountability é um termo de língua inglesa que não encontra correspondente na língua portuguesa. Significa mais ou menos prestação de contas, porém associada à responsabilização do agente que tem o dever de prestá-la.
O PL sugere a criação do polêmico teste de integridade para os agentes públicos. A sugestão apresentada é de que tais testes sejam utilizados para fins disciplinares, instrução de ações cíveis, inclusive a de improbidade administrativa, e ações criminais.
Há também a previsão de aplicação de percentuais de recursos na publicidade para ações e programas e o estabelecimento de procedimentos e rotinas para prevenir a prática de atos de corrupção.
Nesta parte, a última medida proposta é a proteção à fonte de informação, ou seja, o sigilo da fonte da informação que deu causa à investigação relacionada à prática de atos de corrupção.
2. CRIMINALIZAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE AGENTES PÚBLICOS
Através de acréscimo de mais um tipo no Código Penal, torna crime o enriquecimento ilícito de agentes públicos, que se configura com o aumento patrimonial incompatível com os rendimentos auferidos pelo servidor público.
3. AUMENTO DAS PENAS E CRIME HEDIONDO PARA A CORRUPÇÃO DE ALTOS VALORES
O PL majora as penas dos crimes contra a Administração Pública (peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações, concussão, corrupção passiva) e o crime de corrupção ativa; suprime a regulação específica do crime de corrupção praticado no contexto tributário da Lei nº 8.137/1990, e do crime de peculato praticado por prefeito, previsto no DL 201/1967, e inclui forma mais gravosa de corrupção no rol dos crimes hediondos.
4. EFICIÊNCIA DE RECURSOS NO PROCESSO PENAL
Nesta parte são acrescidos dispositivos ao Código de Processo Penal para disciplinar o trânsito em julgado de recursos manifestamente protelatórios, os pedidos de vistas no âmbito dos tribunais e para racionalizar o sistema recursal dispondo sobre os embargos de declaração e restrição das hipóteses de cabimento do habeas corpus para os casos que não ocorra violência ou coação ilegal que prejudique a liberdade de ir e vir. Há também a previsão de processamento e julgamento simultâneo dos recursos especial e extraordinário.
5. CELERIDADE NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A proposta é a de agilização na tramitação da ação de improbidade administrativa com a extinção da fase de notificação preliminar e recebimento da ação de improbidade, que tantas protelações têm causado ao andamento da ação. Essa extinção não causa prejuízos ao funcionário, uma vez que a lei confere ao juiz o poder de rejeitar a ação em decisão fundamentada se, após a contestação, se convencer da improcedência da ação. Há também a previsão de Turmas, Câmaras ou Varas Especializadas no julgamento das ações relativas à improbidade administrativa.
6. AJUSTE NO SISTEMA DE PRESCRIÇÃO PENAL
Aumenta o prazo de prescrição da pretensão executória, altera o termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível, acrescenta hipótese de suspensão da prescrição (com a interposição de recurso especial e/ou extraordinário), modifica hipóteses de causas interruptivas da prescrição e veda a prescrição retroativa.
7. AJUSTES NAS NULIDADES NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Redefine o conceito de provas ilícitas e revisa as hipóteses de nulidade.
8. RESPONSABILIZAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS E CRIMINALIZAÇÃO DO CAIXA 2
Altera a Lei nº 9.096/95, que dispõe sobre os partidos políticos, para prever a responsabilização dos partidos por atos de corrupção e similares e acrescenta dispositivos na Lei nº 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, para tornar crime o caixa 2.
9. PRISÃO PREVENTIVA PARA ASSEGURAR A DEVOLUÇÃO DO DINHEIRO DESVIADO
O PL propõe o acréscimo de mais duas novas hipóteses de prisão preventiva: no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares e para permitir a identificação e a localização do produto e proveito do crime, ou seu equivalente, e assegurar sua devolução, ou para evitar que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado, quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes ou enquanto estiverem sendo implementadas.
10. RECUPERAÇÃO DO LUCRO DERIVADO DO CRIME
A proposta é a de instituir-se a ação de perda civil de bens ou ação de extinção de domínio, que consiste na extinção de direito de posse e de propriedade, e de todos os demais direitos, reais ou pessoais, sobre bens de qualquer natureza, ou valores, que sejam produto ou proveito, direto ou indireto, de atividade ilícita e sua transferência em favor da União, Estados ou Municípios, sem direito a indenização.
Uma rápida olhada nos temas acima nos permite verificar que as modificações propostas são basicamente penais. Isso tem permitido aos opositores das Dez Medidas dizer que o PL apresentado pelo Ministério Público não propõe medidas apenas contra a corrupção, mas contra toda a espécie de crimes. É preciso deixar claro que isso não desmerece o trabalho do Ministério Público nem que haja algum erro com as propostas por ele apresentadas! O combate à corrupção deve ser feito em várias frentes, como por exemplo um trabalho preventivo, através do fortalecimento das instituições e dos mecanismos de controle e um trabalho de repressão. Ocorre que não é possível reprimir sem punir e para que isso venha a ocorrer, no caso brasileiro, são necessárias várias modificações legislativas.
No Brasil, a repressão penal não é eficiente, tanto que convivemos, há muito, com a famosa sensação de impunidade. A fim de mudar essa realidade, a impunidade está sendo enfrentada nas Dez Medidas. Deltan Dalagnol, procurador da Operação Lavajato, disse em Audiência Pública perante a Comissão que após trabalhar em vários casos de corrupção e algumas operações, observou que casos de corrupção no Brasil dificilmente são punidos. Sustenta ainda que nas várias palestras que profere pelo país afora, sempre que se encontra diante de uma plateia pergunta quantas pessoas conhecem casos de criminosos de colarinho branco que foram condenados e punidos. As respostas que recebe são simplesmente desoladoras!
No Brasil, há vários fatores que podem impedir o processo penal de chegar a seu termo final. Temos um sistema com regras complexas sobre prescrição penal e um emaranhado de recursos que juntos dão condições para que bons advogados protelem o término do processo até que seja declarada a prescrição da ação. São esses e outros problemas que estão sendo enfrentados no projeto de lei. Essa luta contraria interesses de vários setores, por isso as críticas tanto ao PL quanto aos trabalhos da Comissão Especial.
Nas audiências públicas alguns palestrantes trouxeram críticas de juristas brasileiros contrários ao recrudescimento da lei penal. O trabalho enfrentado pelo Deputado Onyx Lorenzoni não é o de simplesmente tornar a lei penal e processual penal mais severa; é o de fazê-las eficientes.
Rose-Ackerman, especialista norte-americana no tema de corrupção, é enfática ao declarar que as penas impostas aos corruptos não devem ser relacionadas aos prejuízos sociais, mas aos benefícios recebidos pelos corruptos: tanto o corruptor quanto o corrompido devem esperar não somente as penas proporcionais aos ganhos obtidos mas, principalmente, a certeza da aplicação dessas penas!
Finalmente, quanto à Comissão, presidente e relator estão afinados e empenhados em fazer o melhor trabalho possível: ambos foram a Curitiba para convidar o juiz Sérgio Moro e os procuradores da força-tarefa para dar início as audiências públicas. A ideia é a de que a Comissão debata o projeto com juízes, promotores e procuradores, advogados, policiais, doutrinadores, professores e membros da sociedade civil. A previsão é de que sejam ouvidas mais de cem pessoas para colaborar com os debates. Nas audiências são apresentadas críticas, sugestões e apoio às medidas em discussão. O relator, após analisar inúmeros projetos de matéria correlata que tramitam na Casa, pedirá a apensação dos projetos que achar pertinentes e apresentará, juntamente com seu relatório, um substitutivo acrescido dos instrumentos que achar necessários para dotar o país com as ferramentas adequadas para combate à impunidade.
BIBLIOGRAFIA
Carielo, Rafael. Os Intocáveis, in Revista Piauí, n. 116, p. 22-31.
Rose-Ackerman, Susan. Corruption and Government – Causes Consequences and Reform. Cambridge University Press, New York, 1999.
Comissão Especial PL 4850/16 – Estabelece Medidas Contra a Corrupção - notas taquigráficas.