Debate sobre neurociência na inclusão esportiva da pessoa com autismo ressalta a importância do apoio à família atípica

A importância da neurociência na inclusão esportiva e lazer da pessoa com autismo foi tema de audiência pública realizada pela Comissão do Esporte, em conjunto com a Comissão da Pessoa com Deficiência da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), na terça-feira, 2/10.
03/10/2023 17h47

Júlia Passos/ALERJ

 Debate sobre neurociência na inclusão esportiva da pessoa com autismo ressalta a importância do apoio à família atípica

Neurociência na inclusão esportiva da pessoa com autismo

Para o deputado Otoni de Paula (PL/RJ), autor do requerimento para a realização da audiência pública, o debate é importante para que se possa cobrar a elaboração de um plano de ação aos Ministérios do Esporte e dos Direitos Humanos.

 

“Precisamos transformar a pessoa com deficiência em pessoas visíveis, não para a sociedade, mas para a política pública. Dar visibilidade para a causa. Como já se trouxe a pauta da cidadania da pessoa homossexual, da pessoa negra; tantas outras pautas. Mas a pauta da pessoa com deficiência ainda requer muita luta”, disse o deputado.

 

Para Renato de Paula, fisioterapeuta e PhD em neurociência pela Imperial College London, não há como acolher o que não se conhece. “Não dá para ter uma sociedade inclusiva, se ela não é informada, se não é conscientizada. Se não conhece, não dá para incluir”, afirmou.

 

Para Clara Migowski, pós-graduada em planejamento e gestão, ainda há muitos questionamentos sobre a capacidade do autista em seguir regras, acompanhar o time e causar desconforto aos outros. “O quão capacitista a sociedade é: há preconceito, desconhecimento, limites, estereótipos”. 

 

Segundo ela, o esporte traz benefícios para as funções cognitivas das crianças tais como memória e atenção, habilidade motora, atenção e equilíbrio, condicionamento físico, incentiva o momento de brincar e a melhora a autoestima. “Se o esporte traz benefício para todo mundo, porque não traria para as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA)?”, questionou. 

 

Estudos do sistema público de saúde do Reino Unido estimaram, segundo José Otávio Pompeu e Silva, fisioterapeuta e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que a expectativa de vida de uma pessoa autista pode ser até 26 anos mais baixa do que a média da população em geral. 

 

“É muito sério, pois tratamos o autismo de forma errada. O autismo é uma questão clínica médica. Precisamos criar a rede nacional e estadual para o atendimento integral do autista. Começar com a questão médica. Aumentar a expectativa de vida dos autistas”, afirmou Pompeu e Silva, declarando ter tido ele mesmo o autismo diagnosticado tardiamente. 

 

 Após ouvir a informação de Pompeu e Silva sobre a redução na expectativa de vida de autistas, Otoni de Paula afirmou que irá procurar também o Ministério da Saúde para que o governo federal possa agir de forma rápida:  “É necessária ação integral frente a esse caso silencioso, invisível, da iminente morte de milhões de brasileiros”.

 

O atendimento descentralizado à pessoa autista, em várias secretarias, como é feito no Estado do Rio de Janeiro, foi criticado pelo deputado estadual Júlio Rocha (AGIR), autor do requerimento para a discussão na ALERJ. “Hoje a gente tem uma Superintendência para pessoas com deficiência, mas ela é mal utilizada. O vale-social é concedido pela secretaria de transportes, sem nenhuma estrutura, são cinco pessoas apenas, de forma manual, não é eletrônico, e é pago pela assistência social”, afirmou Rocha.

 

A inserção do autista no mercado de trabalho também foi discutida na audiência, com a participação de Caio Bogos, fundador da startup aTip, criada para conectar autistas ao mercado de trabalho. Também autista, Bogos disse só ter sido diagnosticado depois da criação da empresa.  “Queria gerar impacto social e, sem isso, eu não teria descoberto que eu sou uma pessoa autista. Fui para o mercado e foi quando me deparei com uma série de barreiras, de interação social, de comunicação. Mais de 80% dos autistas estão sem inserção no mercado de trabalho”, completou Bogos 

 

O debate contou ainda com a participação de pais e mães de crianças neurodivergentes, que relataram dificuldades na inserção de seus filhos no ambiente escolar e na prática desportiva.

 

Rafaela Vieira é mãe de uma criança autista nível dois de suporte. Ela conta que a filha se desregula com facilidade, porém ela consegue se descarregar quando começa a correr. Para ela, o esporte é essencial para o desenvolvimento das crianças atípicas, especialmente quando fatores empíricos são colocados em debate. 

 

Ao final de sua fala, Rafaela pediu pelo suporte à família, em especial para as mães: “Graças a Deus eu tenho uma rede de apoio, mas a maioria das mães não têm. Elas correm muito atrás porque as terapias demandam tempo e dinheiro, que muitas delas não têm”.

 

Pensando no auxílio às mães atípicas, Rafaela ressaltou o trabalho do Instituto “Conhecer para Incluir”, focado em trazer essas mulheres de volta para o mercado de trabalho. De acordo com Rafaela, essa reinserção é fundamental na vida das crianças.

 

Já Luciane Vieira relatou os abusos que seu filho autista sofreu dentro da escola: “Meu filho foi colocado atrás de uma lixeira para não atrapalhar ninguém. A professora chegou a ameaçá-lo do terceiro andar do prédio”. Para ela, a militância é fundamental para que as famílias atípicas sejam respeitadas. Na última sexta-feira, foi aprovada no município de São Gonçalo (RJ) uma lei que garante atendimento prioritário para crianças e adultos que estejam usando o cordão do autismo. A lei possui o nome do filho de Luciane.

 

O ex-nadador paralímpico Clodoaldo da Silva também ressaltou a importância do apoio à família atípica. Atualmente na vice-presidência de esportes e saúde da SUDERJ, ele conta que a falta de informação dificulta o processo de inclusão das Pessoas com Deficiência. Ele finalizou com uma mensagem para as famílias de que são as PCDs quem devem estabelecer os limites do que podem ou não fazer.