Alto rendimento: pressão por resultados e transição de carreira são fatores de estresse e adoecimento de atletas
Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
Psicólogos afirmam que atletas de alto rendimento sofrem pressão por resultados desde cedo.
O retorno da ginasta norte-americana e campeã olímpica Simone Biles às competições, depois de dois anos de período sabático dedicado ao cuidado de sua saúde mental, e a morte recente da ex-jogadora de vôlei da seleção brasileira, Waleska Moreira de Oliveira, apenas um ano depois de sua aposentadoria, foram citados em audiência pública da Comissão do Esporte, que discutiu a saúde mental de atletas de alto rendimento nesta quarta-feira, 25/10. Para a secretária Nacional de Esportes de Alto Desempenho do Ministério do Esporte, Marta de Souza Sobral, o caso da ginasta norte-americana é raro e é mais difícil ainda quando o atleta pratica um esporte coletivo. “Imagina se a Hortência (Marcari) parasse como a Simone Biles parou, por dois anos? Parava o basquete inteiro!! Mas ninguém parava para pensar nisso”, disse a ex-jogadora da seleção e também medalhista olímpica“.
Ressaltando que falava tanto como gestora quando ex-atleta, Marta Sobral informou que está em desenvolvimento no Ministério do Esporte projeto de transição de carreira para atletas de alto rendimento: “Um atleta que está 25 anos na carreira, sempre viajando, sempre na mídia; imagina quando ele para, mas não pensou em como vai fazer daqui para frente”.
O presidente da Comissão do Esporte e autor do requerimento para a realização da audiência, deputado Luiz Lima (PL/RJ), que foi nadador olímpico, explicou o que motivou o debate: “Um atleta vive um momento da vida em êxtase, com picos de alegria, picos de emoções. Quando esses atletas encerram a carreira, ou até mesmo durante a carreira, eles têm problemas de solidão. A gente infelizmente tem casos de suicídio de atletas até mesmo exercendo a sua atividade, mas a gente também tem casos de profunda depressão quando os atletas se despedem e tem uma nova vida pela frente, que na verdade é a maior etapa da vida deles”.
O investimento em saúde mental de atletas traz benefícios para todo o sistema socioeconômico, segundo Luciana Angelo, psicóloga da Confederação Brasileira de Futebol. “Temos que falar sobre o contexto esportivo e falar que ambiente esportivo é ambiente de trabalho, portanto doenças esportivas são doenças de trabalho”, afirmou a profissional, que participou por meio de videoconferência direto de Montreal/Canadá, onde acompanha a preparação da seleção brasileira feminina que vai disputar dois amistosos nos próximos dias.
O deputado Luiz Lima perguntou a Rodrigo Acioli Moura, conselheiro do Conselho Federal de Psicologia, por que campeões se tornam tão frágeis. “Muitos são a expectativa da família, sofrem pressão desde cedo. O atleta é colocado como super-herói, mas é um ser humano como qualquer outro. Tem que ser feito trabalho de educação, de formação”, respondeu o conselheiro.
Em muitos casos, a construção da identidade do atleta de alto rendimento está pautada na sua ação e, a partir do momento em que ele deixa de fazer, ele deixa de ser. “Quando ele se aposenta, é a sensação de morte. Precisamos falar da aposentadoria, para que ele não tenha essa sensação de desintegração”, disse o Dr. João Ricardo Lebert Cozac, da Associação Paulista da Psicologia do Esporte e do Exercício Físico, que relatou um aumento de 61,86% nos últimos dez anos no encaminhamento de atletas atendidos em seu consultório para acompanhamento psiquiátrico. Entre os problemas enfrentados estão: depressão, isolamento social, irritabilidade, baixa autoestima, ansiedade, dificuldade na tomada de decisões, dificuldades na capacidade de concentração, problemas de sono, abuso de substâncias, procrastinação e auto sabotagem. “Há ainda prejuízo nos relacionamentos afetivos, lacunas emocionais, tem que haver campanhas para dizer isso aos atletas”, disse o especialista em psicologia do esporte.
“Política de saúde mental voltou a ocupar um lugar de destaque na política de saúde brasileira, com a ampliação da rede de atenção psicossocial”, disse Ian Jacques de Souza, assessor técnico do Departamento de Saúde Mental do Ministério. Ele informou que, no âmbito do Ministério da Saúde, não há um programa específico para atletas e defendeu o fortalecimento do Sistema Único de Saúde –SUS para melhor atendimento.
Ao encerrar a audiência, o presidente Luiz Lima destacou que o campeão olímpico Joaquim Cruz (Atletismo), que estava acompanhando a transmissão da audiência pela internet, direto de San Diego, nos Estados Unidos, mandou mensagem dizendo que havia completado há três dias 8 horas de treinamento em Primeiros Socorros sobre Saúde Mental. “Este é um desafio de todos os atletas, treinadores e gerentes do esporte do mundo todo, inclusive aqui nos Estados Unidos. Todos os funcionários do Comitê Olímpico e Paralímpico norte americano tem que fazer um curso de 8 horas sobre Primeiros Socorros sobre Saúde Mental”. O medalhista olímpico nos 800 metros em Los Angeles (1984) mandou ainda um relato pessoal: “Tive e superei vários desafios físicos nos 22 anos de carreira, mas nenhum deles foi maior e mais difícil de superar do que a preparação da mente antes das competições”.