Violações de direitos humanos no Pará: encontro busca contribuir com soluções efetivas

02/06/2021 11h20
Reunião contou com a presença do Alto Comissariado das Nações Unidas e focou em medidas para coibir as violações à Terra Indígena de Munduruku por garimpeiros e as ameaças aos defensores de direitos humanos no contexto de conflitos agrários na região

Captura e Montagem: Fernando Bola/CDHM

Violações de direitos humanos no Pará: encontro busca contribuir com soluções efetivas

A Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias realizou na manhã desta terça-feira (1) reunião focada nas violações de direitos humanos que estão acontecendo no estado do Pará, especialmente as realizadas por garimpeiros contra os indígenas Munduruku, e nas ameaças sofridas por defensores e defensoras de direitos humanos nas regiões de Anapu, Altamira, Novo Progresso e distrito de Castelo dos Sonho.

Jan Jarab, representante Regional para América do Sul do Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, disse que a ONU tem acompanhado com grande preocupação os ataques aos povos indígenas Munduruku. Jan lembrou que a organização se pronunciou em um comunicado conjunto com a ONU Mulheres, que conclama as instituições do Estado brasileiro a proteger os territórios dos povos indígenas. “Clamo às autoridades do estado do Pará, às autoridades federais, que tomem ações urgentes e efetivas para acabar com os graves efeitos das ações dos invasores”, reforçou.

Sobre as ameaças aos defensores de direitos humanos no contexto de conflitos agrários, Jan declarou que o escritório também acompanha a situação e que se preocupa com o padrão de impunidade no estado. O representante da ONU lembrou do massacre de Pau D'arco, em 2017, que resultou na morte de 10 trabalhadores rurais, e do assassinato de Fernando dos Santos Araújo, sobrevivente e testemunha da chacina, morto em janeiro deste ano, apontando a necessidade de investigação e de reparação às famílias.

“Quais medidas foram adotadas pelo Estado brasileiro para proteger as defensoras e defensores dos direitos humanos no estado do Pará? Para permitir que os trabalhadores e trabalhadoras do campo possam prosseguir com suas atividades em um ambiente seguro, livre de ameaças e ataques?”, questionou Jan Jarab.

Para Yuri Costa, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, a morosidade do Estado agrava as violações de direitos. “Há uma omissão por parte de órgãos que têm uma missão institucional de defesa de minorias, de grupos vulnerabilizados. Os compromissos do Estado consolidados na nossa Constituição não podem ficar a reboque daquilo que o governante de hoje ou de amanhã pensa, eles são compromisso da Federação”, observou.

Munduruku

Alessandra Munduruku, da Associação das Mulheres Munduruku Wakaborun, pediu a continuidade da operação para a retirada dos invasores do território. “A gente foi forçado a sair por conta dessas ameaças. Eles iam nos matar. Os garimpeiros estão lá como se a terra fosse deles. Por que que a gente tem que sair do nosso território? Lá é a nossa casa, eles estão invadindo. Agora eles querem ter direito? Exigindo que regularize a mineração dentro do nosso território, eles não têm esse direito. A gente pede que ponham esses criminosos na cadeia e que a operação continue”, afirmou.

Auricelia Arapiun, do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), conta que lideranças indígenas estão sendo cooptadas pelos invasores e que a situação vem dividindo famílias. Segundo Auricelia, a mineração, o garimpo e o agronegócio estão tomando conta do território.

“O Rio Arapiuns voltou a ser um corredor de extração de madeira. São balsas que vão com maquinários e que vêm cheias de madeiras, destruindo todo um território. Eles estão usando hoje os nossos parentes, estão cooptando as nossas lideranças, é a pior briga que tem. A gente vive um momento de terror no nosso país, a gente não sabe mais pra quem denunciar, não sabe mais em quem confiar”, declarou
“Não dá mais pra gente viver inseguro, pra gente ficar sendo expulso dos nossos territórios como lá no Alto Tapajós. Isso não é justo com ninguém, são crianças, mulheres, jovens, lideranças, idosos que estão sendo expulsos. O território é a nossa vida, sem o território não há mais vida para nós”, explicou Auricelia.

Proteção de defensores e defensoras de direitos humanos

O Padre José Boing, da Rede Pan-Amazônica (REPAM), destacou que já são mais de 70 casos de defensores e defensoras de direitos humanos em risco na região acompanhados pela Campanha Vida por um Fio, e que a situação é grave em toda a Amazônia. José Boing reforçou a necessidade de os órgãos atuarem de acordo com suas funções institucionais e sugeriu a criação de um fórum permanente para acompanhamento dos casos.

“Como oferecer segurança aos defensores em seus territórios? Um defensor de direitos humanos não tem condição de fazer uma denúncia em uma delegacia, essa pessoa já fica intimidada”, pontuou sobre as dificuldades de instaurar inquéritos para investigar as ameaças de violência.

Dion Monteiro, da Rede Xingu Vivo e da Campanha: Amazônia Por Um Fio, relembrou o histórico de violência do estado, como no caso da irmã Dorothy Stang, assassinada em Anapu, e destacou casos de três defensores que foram ameaçados por grileiros e que já teriam registrado denúncias. Dion apontou também que alguns assentados estariam sendo cooptados por grileiros para intimidar outros agricultores. “Eles estão em um local restrito, sigiloso, por causa das ameaças. Mas não aceitam mais ser expulsos, tendo que sair do seu local de origem por conta de ameaças, querem retornar para sua terra”, falou, sobre a necessidade de o Estado garantir a segurança de Erasmo Alves (coordenador da Cooperativa dos Produtores Rurais e Agropastoril do Xingu), Vanusa Cardoso (Assentamento Pilão) e Maria Márcia (Assentamento Terra Nossa).

Autoridades

O delegado de Polícia Federal Joselito de Araújo reconheceu a complexidade da situação da região, apontou que existem limites estruturais para a atuação do órgão, mas afirmou que a operação para proteção dos Munduruku segue em andamento.

Coronel Dantas, representante da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, destacou que o programa de proteção a defensoras e defensores de direitos humanos atende atualmente cerca de 60 pessoas no estado. São pessoas que recebem medidas protetivas por parte da Polícia Militar e Civil. “Nós temos um estado com dimensões territoriais muito grandes, 144 municípios, uma tropa da Polícia Militar com treze mil homens e a Polícia Civil com dois mil policiais”, apontou, a respeito das dificuldades encontradas para deslocamento do efetivo para atendimento das demandas.

Nathalia Mariel, Procuradora da República (MPF/PA), falou sobre ações do Ministério Público para contribuir com a garantia dos direitos humanos na região e sobre a cobrança de atuação efetiva por parte dos órgãos responsáveis. “Seguimos vigilantes, cobrando especialmente FUNAI, IBAMA, todas as instituições que teriam responsabilidade sobre a regularização e fiscalização dessas áreas, em razão da insuficiência de proteção policial, da insuficiência de fiscalização por parte desses órgãos, e até em alguns momentos da deslealdade com a missão institucional de diversas entidades que deveriam estar na proteção dessas comunidades e não estão”, afirmou.

“Infelizmente, o Brasil é o país que mais assassina defensores de direitos ambientais, de direitos humanos, de povos indígenas. A gente precisa garantir a proteção das pessoas que estão lá na área, a integridade física das pessoas que estão fazendo denúncias”, apontou a deputada Joenia Wapichana (REDE-RO), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas.
“A decisão judicial já existe. Então, o que está acontecendo? Por que não há uma ação?”, questionou a parlamentar sobre a garantia de isolamento dos povos indígenas.

A parlamentar Vivi Reis (PSOL/PA) defendeu a necessidade de diagnóstico do atual cenário da região e de um plano detalhado para garantir a segurança dos indígenas, principalmente das mulheres. ”Nós precisamos garantir a integridade dos povos indígenas e defensores de direitos humanos e ambientalistas. Para isso é necessário um reforço do efetivo da Polícia Militar em Jacareacanga. É claro que isso não vai ser a solução dos problemas, mas pode intimidar, e nós precisamos de responsabilização dos agentes envolvidos nesses ataques. Não dá pra fechar os olhos para o que está acontecendo no Pará, nós precisamos de medidas efetivas”, reforçou.

O deputado Airton Faleiro (PT/PA) apontou que existem interesses em disputa no território da Amazônia, além de uma forma equivocada de reconhecer a importância da região para o planeta. “Vamos ter que enfrentar as coisas pela raiz. Nós não podemos só fazer operação, vai ter uma contra ofensiva, uma reação de quem está na atividade ilegal, precisamos dar proteção. Talvez tenhamos que ter força tarefa do Estado, Força Nacional lá dentro das aldeias, temos que mais que inibir, temos que penalizar quem está fora da lei atacando e ameaçando as lideranças”, apontou Faleiro, que destacou que as ações são necessárias para evitar que o Pará volte a ocupar as manchetes por crimes e assassinatos.

A reunião contou com a participação de José Francisco Pantoja, Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Pará (PPDDH), Maria Eduarda Dantas, consultora da ONU Mulheres, Cel Dantas, da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, Verena Arruda, Puyr Tembe, Sydnei Souza, Alexandre Julião, Heloíse Rocha, do Grupo Consciência Indígena (GCI), Tsitsina Xavante, Maria Lucia Mundurukus, Carlos Augusto Santos Silva, da Contag, de João de Jesus Sousa, da Fetagri, e de Raione Lima Campos, da Comissão Pastoral da Terra.

Encaminhamentos
Entre os encaminhamentos da reunião está o pedido de garantia da participação das organizações da sociedade civil e movimentos sociais na gestão e operacionalização do programa de proteção de defensores de direitos humanos (Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Pará).

A proteção de Erasmo Alves, de Vanusa Cardoso e de Maria Márcia, ameaçados de morte, foi objeto de pedido de especial atenção à SEJUDH e à Secretaria de Segurança.

Além disso, foi proposto o reforço nas ações de proteção feitas pela Secretaria de Segurança Pública e pela Polícia Federal aos indígenas, com aumento do efetivo em Jacareacanga.

Sugeriu-se ainda que o Ministério Público Federal atue na reparação e na criação de um gabinete interinstitucional de crise sobre a questão do garimpo em terras indígenas, composto pela Polícia Federal, Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar, FUNAI, para acompanhar o caso de forma integrada e exigir a retirada de grileiros e efetivação das políticas públicas por parte do INCRA, IBAMA e FUNAI, além de fortalecer fórum permanente de acompanhamento da situação de violência no campo.


Fábia Pessoa/CDHM