Trinta anos de espera: a situação das famílias reassentadas do Sistema Itaparica

“Somos 25 mil famílias há mais de três décadas vivendo só de promessa e sonho”, afirma Genilda Lindaura da Silva, coordenadora do Polo Sindical de Pernambuco e que mora em um dos perímetros irrigados do Sistema Itaparica. Um sonho que começou em 1988 com a inauguração da Usina Luiz Gonzaga, no rio São Francisco. Para construção da hidrelétrica, uma área de 83.400 hectares foi inundada e formou o Lago Itaparica, que se estende por 150 quilômetros entre dois estados. Para realocar as populações urbanas atingidas pelos alagamentos, foram construídas as cidades de Petrolândia e Itacuruba, em Pernambuco, e Rodelas, Barra do Tarrachil e Glória, na Bahia. Ainda em 1986 foi feito um acordo com os atingidos para o reassentamento. Mas muita coisa ficou pelo caminho.
19/11/2019 12h45

Foto: Fernando Bola

Trinta anos de espera: a situação das famílias reassentadas do Sistema Itaparica

“Tem gente que até hoje não sabe onde é o seu lote, outros não têm nem abastecimento de água. E para viver, tem que fazer cotinhas para poder plantar e trabalhar. Sem falar daqueles que já morreram sem ver o acordo com o governo cumprido. Queremos apenas viver com dignidade”, segue Genilda.

Para levantar a situação atual do Sistema Itaparica, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) fez audiência pública nesta terça-feira (19). O encontro foi uma parceria com a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, e solicitado pelo deputado Carlos Veras (PT/PE). Entre os problemas enfrentados pelos reassentados, atrasos nos pagamentos dos serviços de fornecimento de energia e de operação, e o não cumprimento de pontos acordados, em 1986, com o governo federal através da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Os acordos

Aristides Veras dos Santos, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), lembra do acordo de 1986 para os reassentamentos e que, relata, foi na modalidade “terra por terra”.  “A parte que a água cobriu, o governo adquiriu outras terras. As condições iniciais eram que em todas as etapas cada família receberia apoio técnico e contrapartida financeira. Mas as fases não foram mais cumpridas e não receberam mais as compensações. Até hoje tem família esperando”. O sindicalista destaca ainda que o atual governo federal quer tirar o Estado desse processo com Propostas de Emendas Constitucionais. Santos diz também que “temos uma capacidade de mobilização muito forte na região e cabe ao Estado brasileiro, ao Congresso e ao Executivo fazerem a sua parte. As famílias não vão morrer de fome nem perder o que já conquistaram”.

Já entre 2015 e 2016 foi criada uma Mesa de Negociação e Resolução sobre o Sistema Itaparica, formada, entre outros, pela Secretaria Geral da Presidência da República, Chesf, Codevasf e Contag. O objetivo era construir uma proposta de autogestão para os perímetros e garantir a contrapartida das famílias nos custos com água, energia, e serviços de operação e manutenção. Porém, a iniciativa foi suspensa no fim do ano passado.

Também no final de 2018 foi promovido um acordão pelo Tribunal de Contas da União que passa parte da infraestrutura da Chesf para a Codevasf, entre os itens, equipamentos usados nos perímetros irrigados do Sistema Itaparica. “Esse processo começou em 2015 e, naquela época, comunicamos a todos que a partir dessa nova modalidade não teríamos mais responsabilidade.  Em dezembro de 2018 foi assinado o termo de conciliação no sentido de fazer o processo definitivo de transferência dos equipamentos comuns. Vamos começar com uma experiência piloto e depois mais nove etapas. Esse documento é o que deve reger qualquer encaminhamento a partir dessa audiência”, informas João Henrique Franklin Neto, diretor de Operação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Ele lembra ainda que, desde a época da inauguração da hidrelétrica, os perímetros de irrigação implantados não seriam mantidos pelas Chesf. “Isso era claro. Nosso objetivo é gerir e comercializar energia. Não podemos, por impedimentos legais, gerir perímetros irrigados”.  

Luís Casado, diretor da Área de Gestão de Empreendimentos de Irrigação da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), afirma que esse acordo de transferência de infraestrutura feito em 2018, deve para colocar em dia a situação dos perímetros irrigados. “A partir daí vamos até pensar em novos investimentos. O acordão está pendente de homologação e, logo que isso acontecer, vamos fazer os ajustes”.

“Falta de manutenção”

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Reive Barros, destaca que “o desafio é garantir a manutenção, não temos essa cultura. Inauguramos hospitais e dez anos depois constatamos que não houve continuidade. Além disso, precisamos ter um modelo de produção com assistência técnica rural. Devemos também encaminhar para a auto sustentabilidade do projeto”. Barros pede também a participação do Congresso “na questão do orçamento com emendas, por exemplo”.

Maria Givaneide dos Santos, diretora de Política Agrária da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), conta que “os reassentados colaboram financeiramente para manter as roças funcionando, com apoio de algumas prefeituras. Mas isso não é responsabilidade dos municípios e dos trabalhadores, mas de todos que estão no governo federal”.  

Novas negociações

“ Vamos reativar as mesas de negociação e uma nova comissão. Vamos unir todas as forças, com representantes dos Ministérios de Minas e Energia e da Agricultura, Casa Civil, Chesf e Codevasf, governadores da Bahia e Pernambuco, Assembleias Legislativas, representação dos prefeitos da região e dos trabalhadores, através das confederações e polos sindicais. Também devemos fazer uma audiência pública ao local para marcar o início desses esforços concentrados”, ressalta Carlos Veras.  

Pedro Calvi / CDHM