CDHM deve criar comissão para analisar trabalho escravo

O coordenador do movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Alexandre Conceição, propôs nesta quarta-feira (15), na Câmara, a criação de uma “comissão da verdade” para investigar o trabalho escravo no Brasil. Para o militante, esse grupo deveria fazer visitas surpresa às fazendas de café para “desvendar a farsa das empresas que se acham donas do Brasil”. Segundo o ativista, se as fiscalizações ocorrerem apenas quando há denúncias, os fazendeiros “maquiam a situação”.
15/06/2016 19h45

Conceição participou de audiência conjunta das comissões de Direitos Humanos e Minorias; e de Trabalho, de Administração e Serviço Público para debater denúncias de trabalho em condições análogas às de escravo no Sul de Minas.

Uma das autoras do pedido de realização do evento, a deputada Érika Kokay (PT-DF) adiantou que irá apresentar requerimento para criar comissão ou grupo de trabalho para tratar do assunto. Segundo ela, esse grupo deverá trabalhar por uma legislação que preveja rito diferenciado na investigação desse tipo de crime e impeça a comercialização de produto que contou com trabalho escravo.

O presidente da CDHM, deputado Padre João (PT-MG), que também sugeriu o debate, destacou a precariedade na fiscalização. Isso ocorre, conforme acredita, “porque o Estado ainda é mínimo em relação ao trabalhador”. Acompanhar o assunto mais de perto, “vai ajudar a separar o joio do trigo e a banir o trabalho escravo, de modo a garantir o respeito do trabalhador”.

Estatísticas

Segundo o superintendente regional do Ministério Trabalho e Emprego em Minas Gerais, Marcelo Gonçalves Campos, entre 2012 e 2015 o órgão resgatou 1.023 trabalhadores em condição análoga à escravidão em Minas Gerais. De acordo com o superintendente, apesar de tratar-se de uma situação abominável, “os números são ínfimos”.

No Brasil, como destacou o assessor jurídico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Frederico Toledo Melo, os casos chegaram a 47 mil entre 2013 e 2014, 61% deles em atividades urbanas.

Para o coordenador da Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere-MG), Jorge Ferreira dos Santos Filho, no entanto, a situação é muito pior do que aparece nas estatísticas. Segundo afirma, condições de trabalho degradantes e jornada excessiva são praticamente a regra nas fazendas de café.

Como explicou o superintendente do trabalho de Minas, para que a atividade seja considerada análoga à escravidão a lei exige quatro condições – trabalho forçado, servidão por dívida, trabalho degradante e jornada exaustiva. “É à luz dessa doutrina e jurisprudência que atuamos”, disse.

Direitos trabalhistas

Santos Filho, entretanto, considera essa exigência legal insuficiente. Em sua opinião, o Estado deveria levar em consideração também o cumprimento da legislação trabalhista. Conforme afirma, mais de 50% dos trabalhadores das fazendas cafeeiras de Minas estão na informalidade. Segundo ele, inspeção da Adere verificou que “na fazenda Alagoas, no Sul do estado, 83% dos empregados não tinham carteira assinada, em Santana do Jaguaré, 54%, e em Campanha, 58%”.

Ainda de acordo com o coordenador da Adere, é comum a contabilidade oficial das fazendas mostrar renda de R$ 1.800, quando, na realidade, o empregado recebe salario mínimo. O mesmo ocorreria no momento das rescisões contratuais, em que o contratante obrigaria o trabalhador a assinar recibo de até R$ 3 mil, “quando ele não recebeu nada”.

O ativista afirmou que a Adere vai denunciar o governo brasileiro “por financiar essa situação”, uma vez que os bancos oficiais continuam a conceder financiamento a empregadores que praticam essas infrações.

Já o presidente do Conselho Nacional do Café (CNC), Silas Brasileiro, ressaltou que dos 300 mil cafeicultores brasileiros, somente 10 encontram-se na lista suja do trabalho escravo. “Nas outras atividades foram 339 empresas”, comparou.

Ações

Silas Brasileiro informou que a CNA estuda ações para punir agricultores que utilizam trabalho escravo. Uma delas seria proibir as cooperativas, exportadores e indústria de comprar o produto resultante do crime. “Consideramos essa a medida mais válida, porque não vão ter para onde escoar a produção, esperamos fechar esse acordo ainda este ano”, sustentou.

Por sugestão do deputado Nilto Tatto (PT-SP), a comissão irá encaminhar ofício ao Ministério do Trabalho pedindo que intensifique a fiscalização das fazendas cafeeiras no período de colheita. A safra do café começa normalmente no final de março e prossegue até agosto.