Terra sem direitos
Situações como essas foram discutidas nesta quarta-feira (13) na audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, sobre a criminalização e ameaças aos defensores de direitos humanos.
Para Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da Conferência nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a população brasileira é, atualmente, vítima da violência social e ética. “A violência contra os povos indígenas, quilombolas, negros ou nas prisões onde temos 700 mil pessoas sem julgamento. A entrega de nossas riquezas naturais, como o petróleo e a geração de energia ao mercado internacional também é violência. Além do tráfico de pessoas e crianças, os maus tratos aos imigrantes chineses, venezuelanos, paquistaneses, exploração sexual e trabalho escravo”, pontua Dom Leonardo. Ele afirma ainda que a superação da violência só poderá acontecer com uma mudança de mentalidade, criando novas formas de relação onde as pessoas não sejam tratadas como inimigos.
Quando a vítima vira o criminoso
Liliana dos Santos, da Comissão Pastoral da Terra de Rondônia, denunciou dois casos de criminalização e violência no estado. Um deles, envolveu os trabalhadores da Associação Águas Vivas de Chupinguais. Eles moravam há dez anos em terras públicas provenientes de contratos de alienação e foram despejados. Ao tentar voltar para a área foram acusados de diversos crimes, como formação de quadrilha, e tiveram penas mínimas de 8 anos de prisão. Os que não foram presos usam tornozeleiras e estão proibidos de se encontrar. Em outro caso, em 2016, na Fazenda Tucuman, que tinha indícios de terra pública, dois jovens foram assassinados numa reintegração de posse. Depois, no mesmo ano, outras pessoas que apoiavam a reintegração também foram mortas. “É uma realidade que Rondônia enfrenta principalmente a partir de 2015, quando o estado figurou como onde mais se mata em questões agrárias. Só no sul de Rondônia temos 50 áreas de conflitos agrários provocados pela expansão do agronegócio. Não é a ação dos movimentos sociais que desencadeia a violência”, ressalta Liliana.
“Enquanto houver disputa pelo modelo de desenvolvimento no campo, na medida em que o agronegócio tem mais domínio sobre todo território, a violência vai crescendo e vira regra. Hoje, a família pobre do campo não tem acesso a nenhum palmo de terra. Todas as conquistas foram destruídas ”, observa Silvio Cardoso Rabello, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Ele também denuncia a criação de uma milícia no norte de Minas Gerais, chamada “Patrulha do Chicote”, que ataca trabalhadores rurais.
Para Mateus Pinheiro, do Movimento dos Pequenos Agricultores no Pará, existem dois tipos de justiça para apurar crimes no campo. “Quando um agricultor é assassinado, o caso nem é apurado ou finalizado. Se envolver uma empresa ou fazendeiro a justiça é bem mais ágil. Quem busca seus direitos vai para cadeia, quem manda matar fica livre”, conclui Mateus.
A falta de políticas públicas para a demarcação de terras indígenas é, segundo Dinaman Tuxá, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, responsável pelo acirramento dos conflitos agrários. “Cerca de 890 índios foram assassinados nos últimos 13 anos. Nossas terras são invadidas pelo agronegócio. Em 2016 tentaram criminalizar ONGs que trabalham com os direitos dos povos indígenas. Estamos vivendo o fim das comunidades tradicionais, dos quilombolas, o fim da diversidade”, afirma Dinaman.
Antônio Canuto, da Comissão Pastoral da Terra, apresentou números alarmantes do relatório de 2017 da CPT, onde foi constatado o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 14 anos com 71 assassinatos. Dez a mais que no ano anterior. Desses, 31 foram chacinas, o que corresponde a 44% do total. Os massacres aconteceram no Mato Grosso, Pará, Tocantins, Bahia e Amazonas. Além do aumento no número de mortes, o relatório indica ainda um aumento em outras violências. As tentativas de assassinatos subiram 63% e ameaças de morte 13%, em relação a 2016.
O Estado
Domingos Sávio Dresch da Silveira, procurador federal dos Direitos do Cidadão Substituto do Ministério Público Federal, diz que existem “muitos MPs, entre eles aquele que é copatrocinador da violência e outro que está do lado dos defensores”. Ele afirma que existe uma violência sistemática e silenciosa no meio rural. “Estamos vivendo um Estado de exceção, onde coisas quase medievais parecem comuns, reconhecemos como algo normal algo que não é normal. A morosidade do Judiciário na resolução de conflitos e do Congresso na aprovação de leis colaboram para essa situação”, ressalta Domingos.
O secretário-adjunto da Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos, Herbert Borges Paes de Barros informa que em dois programas de proteção de defensores dos direitos humanos estão incluídas 379 pessoas. Deste total, 201 são acompanhadas pelo programa federa e os outros em 4 iniciativas estaduais, no Ceará, Maranhão, Pernambuco e Pará. “Oitenta por cento dos casos são pela luta de direito à terra. Temos o desafio de restabelecer uma rede de proteção e atenção, envolvendo secretarias estaduais, munícipios e também com a participação de movimentos sociais”.
Marco Apolo, advogado do Movimento de Direitos Humanos do Pará, denunciou o uso de aparatos repressivos contra integrantes do Movimento “XIngu vivo para sempre”, formado por pessoas que se manifestam contra a construção da usina de Belo Monte.
“O Brasil tem um número alarmante de defensoras e defensores de direitos humanos anualmente assassinados, ameaçados e criminalizados. Assolados por um modelo de justiça seletivo e por um modelo de desenvolvimento que privilegia o lucro acima da vida, as defensoras e defensores cumprem um papel essencial para o fortalecimento da democracia, construção dos direitos humanos e enfrentamento a graves violações” esclarece Luciana Pivato, da Terra de Direitos, uma organização de Direitos Humanos. “ Em muitos casos, existem requintes de crueldade, como dez tiros na cara ou estupro das mulheres, características da violência nas comunidades quilombolas”, exemplifica.
Histórico
Uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 9 de dezembro de 1998, trata dos Defensores de Direitos Humanos. O documento reconhece a importância dos indivíduos, grupos, instituições e organizações não governamentais que realizam ações e exercem a responsabilidade de defender a democracia, proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais.
A luta por direitos também está prevista na Constituição de 1988, que afirma que são objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, deputado Luiz Couto (PT/PB), destaca o papel dos defensores dos direitos humanos para o equilíbrio da sociedade brasileira. “Temos profundas desigualdades e injustiças da nossa realidade e esses defensores querem mudar essa situação. Mas, lamentavelmente são criminalizados. A audiência pública desta quarta-feira debateu casos emblemáticos de perseguição jurídico-criminal a essas pessoas. A CDHM vai encaminhar os pedidos feitos durante o debate. E devemos lembrar do que diz Leonardo Boff no último livro dele. Os princípios da esperança são a indignação e a coragem”, conclui Luiz Couto.
Pedro Calvi
CDHM