Sonhos x realidade
Segundo estudantes indígenas, o Ministério da Educação reduziu para 2.500 o número de bolsas de estudo, quando a demanda seria de 5 mil. E foram liberadas vagas apenas para o primeiro semestre deste ano. Além disso, ainda de acordo com eles, há atraso no pagamento. As inscrições para o segundo semestre iniciaram em junho e encerram dia 31 de agosto.
Para discutir o esvaziamento das políticas públicas voltadas para a permanência de indígenas e quilombolas nas universidades, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, em parceria com a Comissão de Educação fez nesta terça-feira (7), uma audiência pública.
Antônio Correa Neto, da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, afirma que, tanto o Programa Bolsa Permanência como o Programa Nacional de Assistência Estudantil, são estratégicos para o MEC e fazem parte das políticas de expansão e democratização do ensino superior. Ele destaca que até 2016 o Bolsa Permanência atendia índios, quilombolas e outras etnias. Desde então, está voltado aos dois primeiros grupos.
“Hoje são 19 mil bolsistas, nove mil índios e dez mil quilombolas. De 2013 até hoje foram investidos 600 milhões de reais. Não vai haver extinção do Programa, é boato. Tanto que as inscrições estão abertas. São 2.500 vagas e esse número já está quase completo, mas temos condições de oferecer cerca de mais 500. Além disso, parte dos estudantes já vai receber a parcela de julho. Vamos disponibilizar, por mês, 2 milhões e 700 mil reais”, informa Antônio.
Preconceito e sonhos desfeitos
Tanielson Rodrigues da Silva Porã Potiguara, estudante e bolsista da UnB, contesta o representante do MEC.
“Este ano não tivemos nenhuma inscrição homologada e não houve pagamento de ninguém. A situação está caótica. Além disso, inventaram mais um documento para a inscrição, que deve ser entregue pela Funai. Esqueceram que desde 1988 a Funai não tutela mais os índios. Uma declaração de residência”, diz.
Potiguara conta ainda que os indígenas deixam suas comunidades para realizar o sonho de ser um médico, um arquiteto, e voltar para ajudar a etnia.
“Entramos na faculdade com um sonho coletivo. Só na Unb, de 35 índios, cinco já voltaram porque não tinham como se manter. Outro problema é que algumas universidades, como na Federal do Tocantins, índios e quilombolas não podem acessar outros benefícios, como uma bolsa emergencial. Isso é violência psicológica e racismo institucional estabelecido”, avalia o estudante.
518 anos de luta e resistência
Para o representante da etnia Xucuru, de Pernambuco, Júnior Xucuru, o preconceito é que move as decisões sobre o Bolsa Permanência.
“É uma dificuldade sair da base e enfrentar o preconceito e o racismo. Os cortes significam que não querem índios e quilombolas nas universidades. Pagamos impostos e queremos ver nossos jovens na escola. Queremos cobrar o Estado brasileiro. Falam em crise no Brasil. Para quem? Para os menos favorecidos, claro. Quem está em crise é o Congresso Nacional, que não tem pessoas competentes trabalhando em prol do povo. Nossos jovens se suicidam, sim. E isso é uma vergonha. Uma humilhação sair da aldeia para buscar a cura para um problema que um não índio deixou lá, e voltar porque não conseguiu terminar o curso”, desabafa.
Quanto ao documento que a Funai tem que dar para a inscrição nos programas do MEC, Júnior é sucinto. “A Funai não sabe quem são os nossos índios, sabe quem são os grandes produtores de soja que usam agrotóxico. Mas não vamos nos entregar, afinal são 518 anos de luta e resistência”.
O representante do MEC, Antônio Correa Neto, esclareceu que lista de documentos exigida é a mesma desde 2013.
Lucas Ramos Lopes, articulador da Rede Marista de Solidariedade, apresentou o trabalho feito pela instituição junto à crianças e jovens indígenas. “As violações de direitos dos índios mobilizaram nossa rede de atenção, não só no Brasil, mas outros países da América Latina”, ressalta. Ele apresentou o trailer do documentário “Flores da Terra” produzido pela Rede que mostra a vida de crianças Guarani Kaiowá. O documentário está disponível no Youtube.
Ministério Público Federal
No final da audiência pública, foi entregue ao presidente da CDHM, deputado Luiz Couto (PT/PB), cópia de uma representação que estudantes da UnB vão levar ao Ministério Público Federal, pedindo providências sobre a situação do Programa Bolsa Permanência junto ao Ministério da Educação.
Os deputados presentes devem fazer um requerimento à direção da Casa, sobre a possibilidade de incluir estudantes índios e quilombolas nos programas de estágio universitário da Câmara dos Deputados.
“A falta de garantias para continuar estudando faz que esse público deixe as universidades. A situação está complicada, mas a luta dos estudantes indígenas e quilombolas é nossa luta também. Temos que cobrar o compromisso do Ministério da Educação com a educação superior indígena”, conclui Luiz Couto.
Também participaram da audiência os deputados Janete Capiberibe (PSB/ AP), Marcon (PT/RS), Edmilson Rodrigues (PSOL/PA) e Adelmo Carneiro Leão (PT/MG).
Retrospectiva
Em junho, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias recebeu representantes de vários povos indígenas, como os Xucuru (PE), Terena (MS), Gavião (AM), Umutina (MT) e Xavante (MT), e também de quilombolas. Eles pediram apoio da CDHM para reverter, junto ao Ministério da Educação, a redução do número de ofertas no Programa Bolsa Permanência. Participaram estudantes índios e quilombolas de 17 universidades federais. Nesse mesmo dia a CDHM aprovou a realização da audiência pública desta terça-feira (7).
Pedro Calvi / CDHM